16 Janeiro 2020
Mesclando testemunho pessoal e argumentos de fundo, o prefeito da Congregação para o Culto Divino, Robert Sarah, defende com força o celibato em seu livro Des profondeurs de nos coeurs [Do fundo de nossos corações]. Mas a polêmica sobre o envolvimento de Bento XVI enfraquece a proposta.
O texto é de Jean-Pierre Denis, publicado como editorial da revista francesa La Vie, 15-01-2020. A tradução é de André Langer.
Bento XVI está cansado. Ele não consegue mais andar, mal consegue escrever ou pregar, ouve mal, sua voz está sumindo (1). Quanto à sua perspicácia política, ela não se estabeleceu. Esse grande homem espiritual é ainda ingenuamente confiante em admiradores que às vezes são mais zelosos do que escrupulosos. Do fundo de nossos corações, ainda não tinha chegado às livrarias e ficamos sabendo que o papa emérito negou, pela boca de seu secretário, que ele era o coautor. Ele teria enviado um artigo seu para o cardeal Sarah, dizendo-lhe para fazer o que quisesse. O que não faz dele um livro coassinado. E menos ainda um duro golpe contra seu sucessor, que ele nunca traiu.
100% ratzingeriano
Então, vamos ler o famoso artigo. Encontramos nele a precisão do pensamento, a força da argumentação e a clareza da escrita, que foram os traços característicos do professor Ratzinger escrevendo na Communio. Seu texto oferece um verdadeiro prazer de ler. É breve – cerca de 40 páginas, prévia dedução de longas autocitações, como se o ateliê do pintor tivesse apoiado a mão do mestre. Mas não há nenhuma dúvida sobre o fundo, 100% ratzingeriano.
O papa emérito defende o celibato dos padres ressaltando a articulação entre o Antigo e o Novo Testamento. O culto católico é ao mesmo tempo crítico e superação em Jesus do culto do Templo. De fato, em muitas religiões, o exercício do culto está ligado à abstinência sexual. Mas essa é funcional, ela dura apenas para as necessidades do rito. Ora, para o padre católico, o compromisso é, ao mesmo tempo, total, permanente e definitivo. De funcional, a abstinência torna-se ontológica. Ratzinger faz acompanhar sua reflexão exegética com memórias da juventude. Sua vocação foi um dom total. Como não se emocionar com essa cultura e com esse testemunho?
Passemos para a introdução negada na véspera do lançamento do livro. Ignoremos a conclusão, inútil. Deixemos o artigo, excelente, mas sem surpresas. Vamos ao corpo do livro. Seu autor, o cardeal Sarah, também se emociona quando evoca vividamente sua juventude, as missões difíceis, a alegria das comunidades que o acolheram. Encontramos o homem corajoso, fiel aos seus ideais, que arriscou sua vida contra o ditador guineense Ahmed Sékou Touré. Para ele, renunciar ao celibato seria uma espécie de capricho de ricos infligido aos pobres e também um desastre missionário. A Igreja não tem falta de vocações, mas de fé, acredita, novamente com uma força que leva à convicção. O elogio do “radicalismo evangélico” é revigorante.
Argumentos superficiais ou tendenciosos
Infelizmente, alguns argumentos são muito superficiais, especialmente quando o autor evoca em alguns clichês o lugar das mulheres na Igreja. Ou tendenciosos, na medida em que ele opõe um ideal magnífico, o seu, a uma triste realidade, a daqueles que pensam diferentemente dele. Obviamente, o cardeal não será criticado por seu pronunciado gosto pela polêmica. Ele tem talento tanto no conteúdo como na forma.
Em sua alma e consciência, ele sente a ardente necessidade. Mas sua maneira de embelezar sua própria imagem enquanto demoniza seus adversários intelectuais enfraquece o argumento. Quer ordenar padres casados em alguns casos, em certas situações, por exemplo, na Amazônia? Pensa às vezes nisso enquanto se barbeia? A questão é entendida: você tem uma “mentalidade desprezível, neocolonialista e infantilizante” ou, pior ainda, você é “um acadêmico ocidental”, a menos que seja “um bispo do Ocidente ou mesmo da América do Sul”. O que certamente seria horrível. Não é, Jorge Bergoglio?
Nota do IHU
1.- Recente documentário da televisão da Baviera, Alemanha, retrata as condições físicas do bispo emérito de Roma. O vídeo pode ser visto aqui.
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Robert Sarah, um cardeal pega em armas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU