10 Agosto 2016
"É de se perguntar, todavia, sobre se as opiniões do Vaticano teriam mudado caso não houvesse ocorrido um forte clamor por parte dos leigos – uma resposta que apenas aconteceu porque a investigação era pública. E se as coisas estão indo tão bem desta vez, por que não falar sobre elas?".
A pergunta é de Dan Stockman, jornalista, em artigo publicado por Global Sisters Report, 08-08-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Eis o artigo.
“Farei essa terça parte passar pelo fogo, para apurá-la como se apura a prata, para prová-la como se prova o ouro. Ela invocará o meu nome e eu responderei. Eu direi: ‘Ela é o meu povo!’ E ela responderá: ‘Javé é o meu Deus!’”
– Zacarias 13,9
Ser apurado e provado pelo fogo nunca é um processo fácil. Assim, a maioria das religiosas americanas nos EUA sentiram um alívio quando a visitação apostólica chegou ao seu termo em 16-12-2014.
E elas também foram apuradas, purificadas e provadas. Por vezes, as irmãs disseram ao sítio Global Sisters Report que haviam mudado devido ao processo por que passaram. Elas mudaram, e mudaram para melhor. Hoje, quinze comunidades estão sendo chamadas ao Vaticano para dialogar sobre questões levantadas durante a visitação, e algumas das mesmas perguntas estão sendo refeitas.
Lançada em 2008 pela Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica – CIVCSVA, a visitação apostólica tinha como objetivo inicial, segundo funcionários do Vaticano, estudar a vida comunitária, de oração e apostólica das ordens femininas nos EUA. No entanto, a investigação mostrou mais tarde ser uma resposta a preocupações concernentes a irregularidades e omissões da vida religiosa americana.
Em seis anos de duração, a liderança da congregação vaticana que conduzia o estudo foi substituída por líderes considerados mais amigáveis para com as irmãs. Quando a congregação divulgou o seu relatório em dezembro de 2014, ela elogiou o trabalho e a espiritualidade percebidos, e traçou, com cuidado, algumas críticas.
“A visitação apostólica arrombou o coração de quem somos”, disse Mary Ann Zollman na época. Zollman é uma Irmã de Caridade da Abençoada Virgem Maria e uma das autoras de um livro sobre a visitação intitulado “The Power of Sisterhood”. Segundo ela, “ao falarmos sobre o que acreditamos, descobrimos o nosso verdadeiro eu”.
Mas, quase dois anos depois, algumas congregações religiosas femininas ainda estão sendo convidadas ao Vaticano para debater questões levantadas durante a investigação – questões que muitos acharam que tinham sido assentadas com o lançamento do relatório de 2014.
Será que está é a Parte II da investigação? Será que todo aquele elogio às religiosas eram apenas palavras?
Ou será que somos rápidos demais em nossa atitude defensiva, e muito demorados para lembrar o que estas irmãs pediram, repetidas vezes, durante o processo todo?
Quando o Global Sisters Report começou a reportar sobre as cartas que as congregações vinham recebendo, uma irmã, que pediu para não ser identificada de forma que pudesse falar livremente, ressaltou que, na coletiva de imprensa em Roma onde foi anunciado o relatório de 2014, as autoridades vaticanas prometeram que cada um dos 341 institutos receberia uma carta contendo detalhes do que se descobriu em suas comunidades especificamente. E as irmãs, que passaram incontáveis horas lidando com a investigação, quiseram que estas cartas fossem enviadas.
“Pessoalmente, senti que se nós não ouvíssemos algo, o processo como um todo não teria terminado. Nós merecemos essas cartas”, disse ela. “Eu fiquei feliz que estaríamos recebendo alguma coisa – tínhamos investido muito tempo…”.
Na época, muitas irmãs também falaram da necessidade – conquanto dolorosa que possa ser – de uma autoanálise. Enquanto se pode descordar dos motivos que levaram à visitação, o resultado do autoexame que ela exigiu foi mais forte, mais unificado, mais autoconsciente para as religiosas de todo os EUA.
…porque o ouro é provado no fogo, e as pessoas escolhidas, no forno da humilhação.
– Eclesiastes 2,5
Algo mais mudou em muitas irmãs desde 2008 também: elas acreditam que um diálogo verdadeiro com as autoridades vaticanas está começando.
“Eu de fato acredito no [prefeito da Congregação de Vida Consagrada] Cardeal João Bráz de Aviz quando ele diz que quer ter um com diálogo e que deseja compreender melhor as coisas”, assinalou uma outra irmã. “Não temos muito medo ou preocupação com o que está acontecendo”.
Por vezes, as irmãs – tanto na citada visitação como na parecida porém não relacionada investigação conduzida pela Congregação para a Doutrina da Fé junto à Conferência de Liderança das Religiosas (Leadership Conference of Women Religious, ou LCWR) – disseram que queriam dialogar com a hierarquia da Igreja, que ambos os lados haviam estado distantes entre si e que elas sofriam com uma lacuna cultural entre ambos. Quando a visitação terminou, e quando findou a investigação à LCWR poucos meses depois, as irmãs afirmaram que este era o início de um diálogo.
Segundo o que muitas religiosas disseram ao Global Sisters Report, estas cartas fazem parte do diálogo que elas pediram e que foram prometidas pela CIVCSVA.
“As irmãs observaram a necessidade atual de um diálogo honesto com os bispos e o clero como um meio de esclarecer o papel delas na Igreja e de fortalecer a riqueza e a efetividade delas como fiéis ao magistério e à missão da Igreja”, lê-se no relatório. “Algumas falaram da percepção de não ter tido um retorno suficiente nas decisões pastorais que influem sobre elas ou sobre as quais elas têm experiência e conhecimento consideráveis”.
O relatório foi longe a ponto de fazer um convite diante da atitude defensiva de alguns institutos.
“O Dicastério está bem ciente de que a Visitação Apostólica foi recebida com apreensão e desconfiança por algumas religiosas”, lê-se. “Isso resultou numa recusa, por parte de alguns institutos, em colaborar plenamente no processo. Embora a falta de plena cooperação tenha sido uma decepção dolorosa, nós fazemos uso da presente oportunidade para convidar todos os institutos religiosos a aceitar a nossa disposição em nos envolver num diálogo respeitoso e frutífero com vocês”.
Sobre as cartas, que foram ou serão enviadas a cada congregação, não se está falando publicamente; até agora, apenas quatro comunidades que as receberam foram nomeadas, o que, para nós leigos do lado de fora, acrescenta-se à intriga. Porém, as mais de uma dúzia de irmãs com quem conversamos, e elas pediram para não serem identificadas, interpretam a chegada destas cartas como o próximo passo lógico no diálogo com o Vaticano.
Algumas apontam para o compromisso da LCWR em manter o diálogo junto às autoridades vaticanas longe da imprensa. Elas acreditam que isto tem dado certo.
É de se perguntar, todavia, sobre se as opiniões do Vaticano teriam mudado caso não houvesse ocorrido um forte clamor por parte dos leigos – uma resposta que apenas aconteceu porque a investigação era pública. E se as coisas estão indo tão bem desta vez, por que não falar sobre elas?
Betty Thompson, participante do grupo Solidarity With Sisters, de apoio às irmãs, disse que não devemos nos surpreender com o fato de as irmãs não estarem falando sobre o tema publicamente.
“Quando o Vaticano levanta questões ‘internas na Igreja’, as religiosas parecem levar este fato para dentro de sua contemplação e discernimento individual e comunitário costumeiro; elas ponderam sobre como a resposta delas em si pode ser um aspecto do seu ministério evangélico”, disse Thompson. “Até agora, elas continuam escolhendo o diálogo silencioso, que tem o potencial de transformar. Elas continuam recusando o confronto. Descobriram que uma atmosfera de confiança é importante para deixar todos trabalharem com honestidade e estarem abertos à graça (...) Elas preferem usar a presença pública que têm para se dedicar a questões como o cuidado da criação, o tráfico humano, a reforma imigratória e o chamado ao discurso público civil”.
As irmãs também sabem que há pouco estiveram sob fortes críticas e que saíram delas mais fortalecidas, mais provadas e mais apuradas.
“Muito poucas [das irmãs] me perguntam sobre a carta”, disse uma das religiosas que foi fundamental na resposta apresentada ao Vaticano pela sua congregação. “Nós estamos num lugar diferente agora”.
Portanto, embora o interesse de alguns leigos possa ser intenso, a reação por parte das religiosas tem estado muito mais em sintonia com o diálogo contemplativo que muitas delas põem em prática, onde a escuta verdadeira – sem julgamentos – acontece, transformando o individualismo em comunhão.
“Não há motivos para termos uma atitude defensiva”, explicou uma das irmãs. “Não acho que tem alguém sendo repreendido”.
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Cartas a irmãs e convites a Roma continuam um diálogo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU