23 Março 2011
Um verdadeiro caos. Assim definem Elias Dobrovolski e João Batista Toledo da Silveira a situação atual da região onde está sendo construída a usina hidrelétrica de Jirau, em Rondônia. Em entrevista à IHU On-Line, realizada por telefone, Elias e Pe. João Batista falam sobre as manifestações dos trabalhadores após os conflitos no canteiro de obras da usina e salientam que a discussão entre um motorista de ônibus e um funcionário foi apenas a gota d’água para um clima ruim que já circulava pelas obras há algum tempo. “Uma coisa dessa magnitude não acontece sem um motivo forte. Ninguém se mobiliza dessa forma apenas em função de uma briga entre dois funcionários. Historicamente, sabemos que onde a Camargo Corrêa constrói usinas hidrelétricas sempre ocorrem revoltas. Assim foi em Cana Brava, em Goiás; Foz do Chapecó, na divisa entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul; e está ocorrendo aqui em Porto Velho”, recorda Elias.
Pe. João Batista convive com os trabalhadores de Jirau desde que a obra começou. Ele conta que, além de rezar missas na área dos alojamentos e atender aos trabalhadores, também recebia ligações deles em que contavam os problemas vividos na obra e, depois dos conflitos, chegou a abrigar alguns trabalhadores que não tinham para onde ir. “Segundo informações dos trabalhadores que conversamos, eles já estavam se organizando para instalar uma greve. Só que esta seria realizada de forma mais harmônica, mas o conflito antecipou as manifestações e tornou-as mais acaloradas. Foi assim que, indignados, atearam fogo e quebraram estruturas”, contou.
Elias Dobrovolski integra a coordenação do Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB, em Rondônia.
João Batista Toledo da Silveira é padre da Arquidiocese de Porto Velho, Rondônia.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual a situação da área de trabalho da usina de Jirau?
Elias Dobrovolski – Tivemos contatos com alguns operários que nos contaram que foram destruídos seus alojamentos e cerca de 80 ônibus. O trabalho de construção da usina está parado. Os trabalhadores já retomaram os trabalhos de reconstrução dos alojamentos e também de outras estruturas que foram atingidas.
Os trabalhadores relatam que o conflito gerou um clima de muita tensão. Alguns trabalhadores tiveram que andar cerca de 30 quilômetros a pé, com fome, sem água, para chegar até o distrito mais próximo e dali seguir para suas casas. O sentimento de insegurança também é alto, os trabalhadores não sabem como será daqui para frente. O medo da demissão é forte.
Nós acreditamos que é preciso haver uma fiscalização maior em relação à violação dos direitos dos trabalhadores. Uma coisa dessa magnitude não acontece sem um motivo forte. Ninguém se mobiliza dessa forma apenas em função de uma briga entre dois funcionários. Historicamente, sabemos que onde a Camargo Corrêa constrói usinas hidrelétricas sempre ocorrem revoltas. Assim foi em Cana Brava, em Goiás; Foz do Chapecó, na divisa entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul; e está ocorrendo aqui em Porto Velho, essa com maior destaque pelo tamanho da obra e pela grande quantidade de funcionários. Esperamos que a Camargo Corrêa tome as devidas providências, assim como o Ministério Público do Trabalho, para que não venham ocorrer novos atos desse tipo, para que os trabalhadores não tenham que se manifestar dessa forma para exigir seus direitos.
João Batista Toledo da Silveira – A situação é delicada porque os conflitos que geraram a rebelião por parte dos funcionários da Camargo Corrêa e outras empreiteiras aumentaram a insatisfação em relação ao trabalho e às empresas. Nos últimos meses, a lógica do capitalismo imperou no canteiro de obras quando as empresas passaram a adotar redução de custos para gerar maior lucro, sem colocar no foco no trabalhador, sem pensar nas relações de trabalho, e tudo isso gerou um clima muito grande de insatisfação. Então, o momento da gota d’água se deu com um desentendimento entre um trabalhador e um motorista de ônibus.
Como a empresa não conseguiu detectar isso – e se detectou, não tomou as providências corretas para evitar tamanho conflito – deu margem para essas consequências desastrosas. No fim, a meta da empresa, que era de reduzir despesas, acabou mal, porque, com toda essa situação, as despesas aumentaram muito, uma vez que ela teve que criar uma estrutura toda para lidar com esse ambiente, teve que realocar e reacomodar o pessoal. Foi um caos mesmo.
IHU On-Line – Para onde foram os trabalhadores? Eles querem voltar a trabalhar nas obras da usina?
Elias Dobrovolski – Os que eram de fora do estado voltaram para casa e esperam um aviso da Camargo Corrêa para voltarem ao trabalho. Os que são de Rondônia estão de sobreaviso em suas casas. Os trabalhadores da usina não estão mais no canteiro de obras.
João Batista Toledo da Silveira – Alguns se hospedaram na nossa casa, porque nem todos tinham como voltar. A cidade de Porto Velho não estava preparada para acolher todos os que retornaram. Alguns da margem direita – onde fica o maior volume de obra – que não encontraram residência na capital tiveram que retornar aos seus estados de origem. Já os da margem esquerda estão, aos poucos, retornando ao trabalho.
A empresa deixou os trabalhadores disponíveis até que sejam refeitas as estruturas da usina, os alojamentos, e, depois, eles serão avisados para que possam voltar ao trabalho. Segundo a empresa, os funcionários não serão prejudicados no sentido empregatício. Vamos ver se isso vai se concretizar mesmo ao longo do tempo. Os trabalhadores querem voltar, porque depositaram nesse trabalho seus sonhos e planos. Eles estão contando com o retorno. A reação violenta como manifestação pelos direitos dos funcionários da empreiteira não era o que eles queriam fazer.
Agora, a diretoria da empresa está revendo a rotina e o Ministério do Trabalho está monitorando. Chegar a esse ponto não foi planejado. Ainda é tudo muito recente. Na última segunda-feira houve a primeira reunião para dialogarem sobre como será o retorno das obras. A maior parte dos funcionários quer voltar ao trabalho. Outros não querem porque ficaram traumatizados e não pensam em retornar a essa obra.
IHU On-Line – Vocês tiveram contato com alguns desses trabalhadores? Qual é a principal reclamação?
Elias Dobrovolski – As principais reivindicações estão relacionadas aos maus tratos por parte da empresa que faz a segurança privada e patrimonial. Há um contingente muito grande de trabalhadores envolvidos nas obras e poucos ônibus para fazer o transporte tanto interno – dentro do canteiro de obras – quanto externo, ou seja, da área da construção da usina para os alojamentos e para a cidade de Porto Velho. Isso gera muito tumulto. Além disso, há uma grande reclamação relacionada ao cartão que os trabalhadores usam para fazer compras de cesta básica, alimentação, produtos de higiene. Os funcionários das obras dizem que a construtora está dando esse cartão com o valor de 110 reais mensais. E as empresas terceirizadas, que são menores do que a Camargo Corrêa, estão pagando 300 reais mensais. Eles querem uma compensação, portanto.
IHU On-Line – Então, esse conflito já era esperado?
Elias Dobrovolski – Pelos boatos que correram aqui na região, havia intenção de realizar manifestações, mas nada havia sido planejado. O estopim se deu quando um motorista de ônibus agrediu um trabalhador quando este estava saindo do expediente. Isso gerou um grande tumulto que só pôde ser controlado pela polícia que agiu com muita truculência, batendo e prendendo muitas pessoas. Eles usaram bombas de efeito moral, gás de pimenta, balas de borracha. E não tinha necessidade de usar tais ferramentas. Aqui dentro da cidade de Porto Velho, depois dos conflitos em Jirau, está havendo um policiamento muito ostensivo.
João Batista Toledo da Silveira – Sim. Muitas pessoas vieram do Norte e Nordeste com muita esperança de melhorar suas vidas depois desse emprego. Foi prometido a eles um salário razoável e as horas extras quase chega a dobrar o valor que eles recebiam no fim do mês. Então, os trabalhadores estavam satisfeitos no início. Depois vieram as terceirizadas com salários maiores para seus funcionários; houve a comparação, a empreiteira cortou as horas extras e isso acabou criando grande insatisfação. As pessoas pensavam: “Poxa, deixei minha terra, minha família, venho para cá ficar recluso e ainda recebo pouco”. Eles ficavam numa espécie de confinamento lá no canteiro de obras, pois este fica a 130 quilômetros da capital; estão longe da família e amigos convivendo com pessoas estranhas. Então, todo esse clima agravado pela situação de contenção de despesas acabou gerando um mal-estar entre eles, uma crise mesmo.
Segundo informações dos trabalhadores, eles já estavam se organizando para iniciar uma greve. Só que esta seria realizada de forma mais harmônica. Porém, o conflito antecipou as manifestações e as tornou mais acaloradas. Foi assim que, indignados, atearam fogo e quebraram estruturas. E, no fim, todos saíram perdendo nessa situação.
IHU On-Line – Como é a vida em Jirau hoje? Qual a situação econômica da população?
Elias Dobrovolski – A situação piorou muito. As usinas atraem muita gente que migra em busca de melhores condições financeiras. No entanto, as cidades não são preparadas para essa demanda. Porto Velho vive hoje uma situação caótica; aumentaram os níveis de acidente de trânsito, tráfico de drogas, prostituição... Os distritos ao redor de Jirau também estão passando por problemas muito sérios. No geral, essas cidades tinham em média dois mil habitantes. Hoje, cada uma delas abriga em torno de 20 mil pessoas. Não há estrutura para comportar tanta gente. Não há escolas, postos de saúde e policiamento suficientes para poder dar suporte a esse povo que veio com as usinas. Um ponto positivo – há uma circulação maior de dinheiro no comércio. Mas a população que sempre viveu na região está numa situação difícil, porque a maior parte dos empregados nas usinas é de fora de Rondônia. Agora, diante desses conflitos, mais de 12 mil pessoas foram embora do estado.
IHU On-Line – O conflito em Jirau pode gerar uma “reação em cadeia” nos outros canteiros de grandes obras?
Elias Dobrovolski – Não sei, mas o Ministério Público daqui está preocupado que isso possa realmente acontecer, principalmente em Santo Antonio, que fica 150 quilômetros abaixo de Jirau, mais próximo ainda de Porto Velho. Em função disso, o MP pediu no dia 22 de março para que a empresa Santo Antonio Energia dispensasse seus operários com medo dessa reação em cadeia. Assim, agora tanto as obras da usina de Santo Antonio quanto a construção de Jirau estão com os trabalhos parados.
João Batista Toledo da Silveira – Aqui, pelo menos, sim, porque Santo Antonio e Jirau ficam próximos e os trabalhadores de uma obra têm contatos com os funcionários da outra. Isso influencia porque faz parte do Complexo do Madeira, não deixam de ser uma mesma obra, de certa forma. O operário e as implicações sociais precisam ser levados mais a sério. Caso isso não aconteça, o caos social que em Jirau ocorreu pode continuar. A Amazônia já é vista como uma espécie de colônia do Brasil, uma vez que só exploram, levam o máximo possível da região e depois fica o estrago como consequência. Situações como essa já ocorreram na época da borracha, da madeira, do garimpo e, agora, na época das usinas hidrelétricas. Infelizmente, a Amazônia será mais uma vez devastada. O conflito em Jirau é apenas o início do filme que vai acontecer em três anos quando as obras terminarem, o trabalho chegar ao fim e os empregos diminuírem instantaneamente.
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"O conflito em Jirau é apenas o início do filme" Entrevista especial com Elias Dobrovolski e João Batista Toledo da Silveira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU