Uma sombra está sempre à espreita dentro das democracias liberais, prestes a se converter em tempestade. É o fascismo, que em contextos geográficos e epocais distintos reedita através de outras expressões o velho método que fez fortuna no início do século XXI. Agora, não são mais necessários golpes militares, tomadas explícitas do poder ou espetáculos sinistros à luz de tochas: a deriva promovida pela extrema-direita se apodera do aparelho democrático por vias eleitorais, tornando-o formal e procedimental, consolidando seus ataques sob a execução legal do estado de exceção, convertido em norma de governo.
Pensar o mundo com as mãos e, tal qual um Abaporu contemporâneo, com os pés implica pensar o estatuto da arte em um mundo ferido. Talvez não mais para compreendê-lo melhor, mas para reinventá-lo. O conjunto de entrevistas que compõem este número da Revista IHU On-Line nos coloca diante de reflexões instigantes, pertinentes e não raras vezes desconfortáveis. A edição reúne pesquisadores, artistas, escritores e pessoas de diferentes formações e regiões, que trazem um olhar bastante plural e rico sobre nossa relação com a Arte e com o mundo.
Ao mesmo tempo que há o incremento das possibilidades de expressão a partir do desenvolvimento de múltiplas tecnologias de comunicação que potencializam espaços de interação e manifestação de pensamento, simultaneamente observamos a redução da capacidade de debate, reflexão conjunta e coexistência de diferentes pontos de vista. Sobretudo no campo político, recrudescem posicionamentos autoritários, por vezes até violentos, fundados em posturas fascistas, em uma antítese da democracia. No entanto, como alerta um dos entrevistados, não se trata somente de continuar pensando no binômio “democracia-ditadura”, procurando salvar a democracia, mas de “desarticular as formas “religiosas” do capitalismo”.