Sobre a existência cristã

Foto: Stanley Zimny/Flickr CC

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02 Setembro 2020

"É melhor ser um pecador, com o coração sempre aberto à Graça que considerar-se um santo, mas com um coração fechado à misericórdia. Isso é existência cristã", escreve Ademir Guedes Azevedo, padre, missionário passionista e mestre em teologia fundamental na Pontifícia Universidade Gregoriana, Roma.

Eis o artigo.

A filosofia, ao criticar a ética tradicional que afirma o determinismo do indivíduo sobre o cosmo (“a essência precede a existência”), argumenta em favor do existencialismo, o qual afirma que cada pessoa é responsável por seu próprio existir (“a existência precede a essência”). Ao invés de entrarmos num sistema já pronto, como insistia a filosofia grega, nós mesmos temos que construir nossa existência. É como se a pessoa fosse jogada em um palco de teatro e, à medida que desenvolve seu papel, vai transmitindo uma imagem aos seus interlocutores e encontrando o sentido de sua vida. Nesse modo de pensar, cada um desvela sua própria existência.

Por outro lado, há também a ideia cristã de que, mesmo antes de termos nascido, Deus já havia pensado em nós. Ao vir a este mundo, há um projeto divino que precisamos viver para alcançar nossa felicidade. Por isso, se diz que cada um é chamado a assumir sua vocação, a fim de desvelar aquilo que Deus reservou para nós. Essa ideia cristã de existência respeita nossa liberdade, porém não é autônoma, mas teônoma. Em outras palavras, existir do ponto de vista cristão é ser livre em Deus.

O que importa é que tudo depende do modo pelo qual respondemos àquilo que Deus pensou para nós. Às vezes, nossa resposta é carregada de incoerências, ou seja: dizemos sim, mas nossas ações refletem o contrário; da mesma forma, podemos dizer não, porém na medida em que vamos caminhando e vivendo, o não se transforma em sim. Em Mt 21,28-32 Jesus conta uma parábola de um homem que tinha dois filhos. Os dois são convidados a trabalhar na vinha do pai. O primeiro diz que não quer, mas depois vai. Já o segundo diz que quer, mas não vai.

Analisemos as duas respostas. A resposta do segundo filho (disse sim, mas não foi para a vinha), assumiu um existencialismo autônomo, sem Deus. Significa que ele considera mais os próprios valores do que aqueles que o Pai pensou para ele. Esse segundo filho prefere um existencialismo ateu a um existencialismo cristão: vive sem levar em conta que Deus pensou um projeto para a vida dele.

No entanto, a resposta do primeiro filho (disse não, mas depois foi para a vinha) representa os que descobrem que sem o transcendente não podem ser felizes, que até um certo momento acreditavam que era possível viver uma autonomia separada de Deus. Esse primeiro filho, representa a passagem da autonomia à teonomia. O existir cristãmente finca suas raízes sobre um terreno de descobertas e de experiência reais, trata-se de um contínuo amadurecer.

No contexto do evangelho de Mateus, Jesus está conversando com os sacerdotes e anciãos. Eles representam o poder religioso. Mas a religião pregava aparências e não se preocupava em viver experiências de testemunho, ou seja, diz sim a lei, mas não vive as suas exigências. Jesus afirma que os cobradores de impostos e prostitutas precedem, no Reino de Deus, os sacerdotes e anciãos (cf. Mt 21,31b). Estes têm a lei, mas não a vivem, já os cobradores de impostos e prostitutas se convertem porque descobrem a misericórdia, a partir de um processo de envolvimento com algo transcendente, ou seja, sentem algo mais forte que eles, capaz de dar um sentido especial: eis o que entendemos por existência teônoma.

O que precisamos refletir é que, o chamado para trabalhar na vinha do Senhor não é para constituir uma comunidade de perfeitos, mas de pessoas que confiam mais na Graça de Deus que em si mesmas. A vinha não é a sociedade dos perfeitos, mas é a comunidade daqueles que estão caminhando para a santidade. Trata-se da comunidade que, a cada dia, vai aceitando aquilo que Deus pensou para cada um, que desvela na existência o projeto salvífico que Jesus ofereceu a todos! Por isso, é melhor ser um pecador, com o coração sempre aberto à Graça que considerar-se um santo, mas com um coração fechado à misericórdia. Isso é existência cristã!

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