14 Setembro 2015
"Para enfrentar pastoralmente os matrimônios que vão à falência toda esta reforma resultará em todo caso marginal. Francisco fez bem em liberar o campo de toda ambiguidade: o próximo Sínodo dos bispos não poderá esconder-se por trás desta reforma e deverá enfrentar a outra parte da questão", escreve Andrea Grillo, teólogo leigo, em artigo publicado pelo blog Come Se Non, 10-09-2015. A tradução é de Benno Dischinger.
Segundo ele, "o acompanhamento das vivências que experimentam a crise de um vínculo existente e do qual não é posta em questão a existência originária. Uma pastoral das crises matrimoniais que se reduzisse somente a uma aceleração das práticas judiciárias seria somente um remédio muito parcial e unilateral".
Eis o artigo.
As primeiras avaliações da grande reforma do processo canônico desejada pelo Papa Francisco concordam em defini-la como “revolucionária”, como o fez também Bruno Forte, no domingo passado, em “Sole 24 ore”. Com efeito, as novidades procedurais introduzidas no Código de Direito Canônico não são nem marginais nem privas de significativos efeitos sobre a práxis judiciária do futuro. Em particular, o cenário que introduz a reforma do Código sublinha o desejo de coliga mais estritamente o exercício do poder judiciário ao ministério episcopal, radicando na Igreja local a competência originária sobre as causas. Não se cansa em colocar esta grande reforma no interior do percurso que vai das primeiras palavras pronunciadas por Francisco após a eleição, através da Evangelii Gaudium e da Misericordiae Vultus e que espera um ulterior desenvolvimento no próximo Sínodo ordinário e no subsequente Jubileu da misericórdia. De outra parte, a reforma entrará em vigor precisamente aos 8 de dezembro de 2015, dia de abertura do Jubileu.
É preciso, todavia, observar que esta reforma poderá assumir o seu pleno valor somente no interior de um movimento necessariamente mais amplo. Com efeito, é preciso considerar uma dupla distinção que nos permite entender este Motu próprio “Mitis ludex Dominus Iesus” no seu pleno alcance: é preciso distinguir em primeiro lugar entre sua necessidade e sua insuficiência e, em segundo lugar, entre os seus efeitos direitos e os seus efeitos indiretos.
A.- Uma Reforma necessária, mas não suficiente.
Há tempo a própria base dos tribunais e dos advogados considerava necessária uma simplificação e uma agilização do mecanismo processual voltado a garantir a nulidade do vínculo matrimonial. A reforma tem, portanto, uma razão intrínseca que brota de sua história e de suas lógicas internas.
Mas, de outra parte, resulta ser ingênuo pensar que os problemas da pastoral familiar possam ser resolvidos simplesmente através de uma reforma procedural que considera exclusivamente a nulidade do vínculo. Tudo o que é reformado se refere somente à hipótese de que um matrimônio resulte não ter jamais existido. Nada diz, nem pode dizer, de todos aqueles casos nos quais um matrimônio, que realmente existiu, chega a falir.
Para enfrentar pastoralmente os matrimônios que vão à falência toda esta reforma resultará em todo caso marginal. Francisco fez bem em liberar o campo de toda ambiguidade: o próximo Sínodo dos bispos não poderá esconder-se por trás desta reforma e deverá enfrentar a outra parte da questão.
Ou seja, o acompanhamento das vivências que experimentam a crise de um vínculo existente e do qual não é posta em questão a existência originária. Uma pastoral das crises matrimoniais que se reduzisse somente a uma aceleração das práticas judiciárias seria somente um remédio muito parcial e unilateral.
B.- Efeitos diretos e indiretos, desejados e indesejados.
Não se deve transcurar, em segundo lugar, a diferença entre os efeitos imediatos da reforma e os efeitos indiretos da mesma. É preciso, de fato, recordar que toda lei, também a lei canônica, não responde somente a exigências ou interesses legítimos, mas abre uma via, se torna uma pedagogia e faz escola. No momento em que o processo direcionado à declaração da nulidade do vínculo se torna breve, gratuito e é celebrado junto aos sujeitos, corre-se o risco de orientar todas as questões que consideram a crise do matrimônio para esta solução. Se entrementes não se procurar articular adequadamente uma pastoral matrimonial que se ocupe das famílias feridas, se correrá o risco de persuadir o inteiro corpo eclesial de que um matrimônio difícil é um matrimônio simplesmente nulo.
A este efeito indireto, mas provável, pode remediar somente uma ulterior conversão pastoral, que o Sínodo de outubro próximo deverá assumir com determinada resolução. Sem uma grande reforma da disciplina de uma “pastoral não judiciária”, esta reforma dos procedimentos poderia transformar-se num boomerang.
No interior de uma revisão mais complexiva da inteira pastoral familiar esta reforma será, ao invés, o primeiro passo significativo e esperado para uma conversão evangélica e misericordiosa, capaz de reconhecer no Senhor não só um juiz manso, mas também um mestre paciente, um companheiro do sofrimento e um profeta da novidade de vida. Assim como a Igreja não exerce somente o poder de julgar, mas também aquele de perdoar, de acompanhar e de alegrar-se com clarividência.
A grande reforma do processo – que deve ser reconhecida como um objetivo avanço da cura pastoral para as crises familiares – adquirirá o seu verdadeiro valor somente no interior desta figura mais completa de Cristo e de Igreja, para a qual se encaminhou com determinação a ação reformadora, fortissimamente desejada, desde o início, pelo Papa Francisco.
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Simplesmente nulo: reforma do processo canônico e reforma da Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU