08 Janeiro 2015
As críticas ao Papa Francisco, quando vêm da "direita", são facilmente catalogáveis, às vezes até de modo sumário demais. Mas aquelas que vêm "da esquerda" parecem ser, em alguns casos, inquietantes e levam a pensar.
A opinião é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu S. Anselmo, de Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, de Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Giustina, de Pádua.
O artigo foi publicado no seu blog Come Se Non, 05-01-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Caro Piero [Stefani], obrigado de coração, embora eu não possa compartilhar tudo.
As críticas ao Papa Francisco, quando vêm da "direita", são facilmente catalogáveis, às vezes até de modo sumário demais. Mas aquelas que vêm "da esquerda" parecem ser, em alguns casos, inquietantes e levam a pensar.
Refiro-me, neste caso, àquilo que escreveu, com a costumeira franqueza e lucidez, o amigo Piero Stefani, admirado especialista em judaísmo, biblista de destaque e intelectual pleno, com militância eclesial e gosto cultural notabilíssimos.
Há muito tempo, Stefani mostra-se crítico ao Papa Francisco e o faz sem a "tara" – muitas vezes garantida a priori – de ter sido, antes, defensor radical do Papa Bento XVI. Não é assim. Piero Stefani era crítico do antecessor e continua sendo também em relação ao sucessor, embora sobre aspectos e com relevos diferentes.
O artigo me parece ser um bom exemplo de análise crítica do magistério de Francisco. Especialmente da "desproporção" entre riqueza das denúncias e escassez dos remédios.
Ele examina dois recentes discursos do papa – o da Cúria Romana e a mensagem para o Dia da Paz – para trazer à tona a fragilidade deles, sobretudo no plano teológico.
Aqui, no entanto, parece-me que a análise de Stefani vai além do sinal. Sobre esse "exagero", gostaria de me deter brevemente.
No coração da própria análise do "discurso à Cúria Romana", Stefani detecta uma "mancada" e se admira que nenhum comentarista o notou antes. Ele se diz "desconcertado" com o fato de que Francisco "ousou" aplicar a imagem paulina do "corpo místico" à Cúria Romana. Ele escreve:
"Usar a imagem de Igreja como corpo místico, sem falar da referência paulina, para aplicá-la à Cúria feita de Dicastérios, Conselhos, Escritórios, Tribunais, Comissões beira o incrível. O mesmo vale para a escolha de apresentar a Cúria Romana como modelo da Igreja. Para dizer isso do modo como deveria ser dito, trata-se de verdadeiros erros teológicos e eclesiológicos: assume-se o ponto em que o catolicismo romano contribuiu para iniciar o processo de secularização moderna para apresentá-lo como 'pequeno modelo de Igreja'."
Parece-me que aqui Stefani move uma crítica não justificada e objetivamente injusta. Lendo o texto de Francisco, com efeito, ninguém encontrou o que Stefani denuncia, simplesmente porque não está escrito. Parece-me, se não entendo mal, que o Papa Francisco não quer realmente fazer da Cúria um modelo da Igreja, mas sim quer modelar a Cúria sobre um modelo de relações mais claramente eclesial. Isso me parece razoável, e até mesmo desejável, embora dotado de uma margem não pequena de profecia.
Não vejo aqui erros teológicos e eclesiológicos, mas sim a erupção de uma palavra profética, inesperada, imponente e que é incompreensível tanto para aqueles que pensam que o papa não "deve" ser profeta, quanto para aqueles que pensam que o papa não "pode" ser profeta.
Eu acredito que Francisco, mesmo com todos os seus limites, de fato põe em crise tanto um pensamento "necessariamente papista", como o de [Vittorio] Messori, quanto um pensamento tendencialmente antipapista, como o de Stefani.
Com isso, não quero esquecer a pertinência e a eficácia de algumas das críticas movidas por Stefani a alguns aspectos dos discursos de Francisco. Parece-me, no entanto, que ele também corre aquele risco de mal entendimento que deriva não tanto das palavras do papa, mas do modelo de papa que, sobre essas palavras, põe-se à prova.
Desejo, contudo, agradecer de coração ao amigo Piero, mesmo com essa minha parcial discordância: o fato de ele permanecer lúcido ao assinalar as fraquezas e as fragilidades também nos discursos papais faz parte do grande patrimônio ao qual se vincula todo verdadeiro trabalho teológico, ao qual nunca podemos renunciar. E do qual o próprio Papa Francisco, acima de tudo, sabe que precisa.
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As críticas ''de esquerda'' ao Papa Francisco. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU