13 Julho 2015
Roma está longe, muito longe da América Latina profunda visitada em uma semana pelo Papa Francisco. Montanhas e florestas tropicais, desertos, indígenas, camponeses, cidade marginais nos cenários contemporâneos como Quito, La Paz, Assunção, capitais que raramente, como se diz, geram notícia. No entanto, é nessa porção de mundo em que se falam dezenas de idiomas, em que coexistem grupos étnicos diferentes, mas se entendem universalmente em espanhol, em que a natureza conhece variedades surpreendentes, que o papa rompeu definitivamente as barreiras da clausura europeia para a Igreja, uma Igreja de rosto sombrio e hierático, nostálgico e triste, de quem vive a época do declínio e da nostalgia.
A reportagem é de Francesco Peloso, publicada no sítio Internazionale, 12-07-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Francisco foi ao coração do "Cone Sul", aquele mais pobre e periférico, e o descreveu como um modelo para "a pátria grande", o sonho bolivariano da integração latino-americana, e para o mundo globalizado. Povos, culturas e natureza vivem em um delicado e precioso equilíbrio entre si – é o caso da Bolívia e do Equador –, e os líderes filhos dessas terras, os políticos anormais Morales e Correa, são interlocutores reais e, mesmo que cometam erros ou encontram dificuldades na tentativa de construir uma sociedade mais justa – foi a mensagem de Francisco –, eles têm a mesma dignidade dos políticos dos países ricos e devem ser ouvidos, porque representam o mundo novo que surgiu progressivamente nessas décadas, em que a democracia e, portanto, a voz dos excluídos, ou dos "descartados", para usar as palavras de Bergoglio, começou a abrir caminho na América Latina depois da época das ditaduras impiedosas, como a do Paraguai também visitado pelo papa.
E, se agora Francisco, inevitavelmente, voltará para um Vaticano que, desde o início do seu pontificado, ele deu a entender que ama pouco, os efeitos dessa viagem sul-americana estão destinados a deixar um sinal também dentro da Igreja. Se, em suma, por um lado, o pontífice argentino tornou-se um ponto de referência para uma ampla área de movimentos e personalidades da cultura críticos contra um modelo econômico incapaz de compreender no seu interior as comunidades, a terra, o senso de solidariedade, a pluralidade das culturas e a biodiversidade entendida como bem comum e, portanto, direito humano não alienável por sujeitos privados, por outro lado, o de catolicismo, estamos diante de um momento de reviravolta.
O duplo "mea culpa"
Foi durante o encontro com os movimentos populares ocorrido na Bolívia que o papa disse palavras importantes sobre o papel e a história da Igreja. Reconectando-se ao "mea culpa" de Wojtyla, Bergoglio pediu perdão "pelos crimes cometidos contra os povos originários durante a chamada conquista da América".
Nesse ponto, porém, acrescentou uma observação significativa: "Junto com esse pedido de perdão, e para sermos justos, também quero que recordemos milhares de sacerdotes e bispos que se opuseram fortemente à lógica da espada com a força da Cruz. Houve pecado, e abundante, mas pedimos perdão, e peço perdão. Mas ali também, onde houve abundante pecado, sobreabundou a graça através desses homens que defenderam a justiça dos povos originários".
Francisco, depois, destacou o compromissos de todos aqueles religiosos, religiosas e leigos "que anonimamente caminham pelos nossos bairros pobres levando uma mensagem de paz e de bem, que, na sua passagem por esta vida, deixaram comovedoras obras de promoção humana e de amor, muitas vezes junto com os povos indígenas ou acompanhando os próprios movimentos populares, inclusive até o martírio. A Igreja, seus filhos e filhas, são uma parte da identidade dos povos da América Latina".
É possível ler nessas frases uma espécie de segundo "mea culpa", desta vez totalmente interno a uma Igreja que havia negado, ou removido, ou marginalizado os sacerdotes e bispos mortos, porque defendiam os últimos? Estamos, em suma, diante de uma reabilitação de uma história tratada por longas décadas como se fosse um rio secundário e ambíguo do cristianismo moderno?
É recente a beatificação de Dom Óscar Arnulfo Romero, de El Salvador, vítima dos esquadrões da morte e das oligarquias locais, assim como a abertura da causa de beatificação de Dom Enrique Angelelli, morto pelos militares na Argentina.
Mas as palavras do papa dizem, justamente, algo mais: parece emergir e assumir plenitude uma contra-história da Igreja, a daqueles que se inclinaram ao lado dos índios e dos oprimidos. É o impulso a reescrever a história oficial, a definir um novo paradigma dentro do qual se possa colocar a evolução do cristianismo. Não se trata mais, portanto, de enfatizar somente a importância do mártir individual ou do sacrifício de um padre, de uma freira, de um leigo. Ao contrário, é o ingresso, na história do catolicismo moderno, daquela opção preferencial pelos pobres, ponto culminante do reformismo conciliar na América Latina, que quer se colocar não mais abaixo, mas ao lado, com igual dignidade, da tradição europeia.
Portanto, é o "poliedro" bergogliano, preferido à globalização uniformizante, que se torna categoria para ler também a fé católica; fé precisamente universal (ou seja, não só, ou não acima de tudo, europeia).
Fim da Guerra Fria
Muitas outras questões relevantes foram levantadas pelo papa durante a viagem para a América Latina: a denúncia da Igreja "casta", desprovida de misericórdia, que sabe apenas condenar os fiéis e não se identificar com a condição humana; a descrição de um compromisso para colocar "a economia a serviço dos povos" partindo de baixo, dos movimentos populares precisamente, cuja primeira tarefa deve ser a de "defender a mãe Terra"; depois, a referência aos direitos humanos, o diálogo com os não crentes, o reconhecimento das mulheres como sujeito social que soube fazer com que países como o Paraguai, devastados pelas violências políticas internas, sobrevivessem; e ainda, o valor da memória abalada por ditaduras, guerras civis, violações.
"Um povo que esquece seu passado", disse Bergoglio na sua chegada ao Paraguai, "sua história, suas raízes não tem futuro, é um povo seco. A memória, assentada firmemente sobre a justiça, afastada de sentimentos de vingança e de ódio, transforma o passado em fonte de inspiração para construir um futuro de convivência e harmonia, fazendo-nos conscientes da tragédia e do absurdo da guerra. Nunca mais guerra entre irmãos!", disse o papa.
Na Bolívia, ele falou da memória dos povos, uma "memória que passa de geração em geração, uma memória a caminho", dentro da qual também se encontra a expectativa por uma justiça que nunca chega.
Esse modo de falar como filho do continente por parte do Papa Francisco, além de conter uma mensagem pastoral, é a afirmação definitiva de uma liderança que agora coloca à mostra, enfileirado, o seu povo.
Uma passagem de época já se concluiu: o papa latino-americano é o chefe de uma Igreja saída definitivamente da Guerra Fria, dos velhos conflitos ideológicos, que assume, no entanto, o ônus de interpretar criticamente os grandes problemas contemporâneos, a partir da própria biografia reivindicada como biografia coletiva da América Latina.
Aqui, finalmente, emerge um tema que só se pode mencionar: o quanto o Concílio Vaticano II, divulgado e conhecido na Europa como evento eclesial caracterizado por um debate de alto nível entre teólogos e homens da Igreja, principalmente europeus, foi, na realidade, e talvez sobretudo, um evento social latino-americano.
Nessa perspectiva, provavelmente, a história da Igreja moderna ainda deve ser escrita.
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A Igreja de Francisco diz adeus a Roma - Instituto Humanitas Unisinos - IHU