Por: André | 25 Fevereiro 2015
O cardeal australiano George Pell rodeado pelos adversários. Santo Egídio que eclipsa a Secretaria de Estado. Um novo vigário argentino para a Opus Dei.
Fonte: http://bit.ly/1MPN08B |
A reportagem é de Sandro Magister e publicada no sítio italiano Chiesa, 24-02-2015. A tradução é de André Langer.
Nestes últimos dias, um observador vaticano não desatento teve que fazer algumas anotações em seu diário. Na sequência apresentamos algumas folhas dispersas.
Quando Santo Egídio obscurece a Secretaria de Estado
No sábado, 21 de fevereiro, a chanceler alemã Angela Merkel encontrou-se durante 40 minutos com o Papa Francisco e durante uma longa hora com o cardeal secretário de Estado, Pietro Parolin, acompanhado pelo ministro de Assuntos Exteriores do Vaticano, o arcebispo Paul R. Gallagher. Falou com eles sobre a próxima reunião do G7, a Ucrânia e outros assuntos.
Posteriormente, Angela Merkel visitou a sede da Comunidade de Santo Egídio, e também neste caso a visita durou pouco mais de uma hora. Entretanto, graças a uma eficaz gestão da comunicação relativa a esse último acontecimento, o encontro com a instituição fundada por Andrea Ricardi dominou, midiaticamente, o encontro que ela teve com a cúpula da diplomacia vaticana. Basta pensar que o Corriere della Sera, o grande jornal italiano lido em todas as chancelarias, deu muito mais espaço à visita a Santo Egídio do que a visita de Merkel ao Vaticano, sem fazer a mínima menção aos encontros com Parolin e Gallagher. Um golpe não negligenciável para os altos responsáveis da diplomacia vaticana, que tradicionalmente veem como cortina de fumaça as invasões de campo da ponderada “diplomacia paralela” de Santo Egídio.
Mas, por outro lado, esta busca de uma ostentação midiática de seus competidores talvez possa não desagradar os eclesiásticos que colaboram com o Papa em suas iniciativas diplomáticas, visto como o próprio Papa a estigmatizou na homilia da Quarta-Feira de Cinzas.
“Quando se faz algo bom, quase instintivamente nasce em nós o desejo de ser estimados e admirados por esta boa ação, para ter uma satisfação. Jesus nos convida para fazer estas obras sem nenhuma ostentação, e a confiar unicamente na recompensa do Pai ‘que vê no secreto’”.
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Malleus (aliquorum) cardinalium
Os tempos são duros para os cardeais considerados “dissidentes” em relação às linhas diretrizes do atual pontificado. Exemplo disso são as três marteladas que o portal ultrabergogliano Vatican Insider deu, no espaço de poucos dias, em três cardeais não bem vistos por essa publicação.
No dia 14 de fevereiro, publicou novamente, pondo em evidência o nome do destinatário, um artigo do blog do cardeal de Washington, Donald Wuerl, no qual o cardeal, sem dizer o nome, recrimina o seu irmão Raymond L. Burke por sua traição ao Papa.
No dia 16 de fevereiro informou, com uma grande quantidade de novos detalhes, os movimentos que o Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, por mandato pontifício, colocou em ação para limitar os poderes que o cardeal George Pell queria atribuir-se como prefeito da Secretaria da Economia, nos estatutos que estão sendo redigidos.
Por último, no dia 19 de fevereiro, deu amplo espaço às críticas, também sarcásticas, que um sacerdote blogueiro chinês dirigiu ao cardeal Joseph Zen, bispo emérito de Hong Kong, acusando-o de boicotar toda hipótese de “apaziguamento” entre Pequim e a Santa Sé.
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Grande caça ao “canguru” Pell
Depois do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, também o Fundo de Aposentadorias vaticano entrou em campo contra o cardeal australiano George Pell. Fê-lo com um comunicado de 20 de fevereiro, no qual são oferecidos dados tranquilizadores do próprio Fundo, para contrastar os “dados alarmantes” que circulam “há alguns meses” e que foram “também amplificados por notícias publicadas na imprensa”.
O comunicado oferece uma profusão de números para demonstrar esta afirmação. Mas, mais além dos aspectos contábeis, o que é importante é o dado “político”. Há tempo que o cardeal Pell lança sinais de alarma sobre o equilíbrio das contas a médio prazo do Fundo de Aposentadorias vaticano. Fê-lo em julho de 2014, quando anunciou nada menos que a criação de um comitê técnico – comportando um grande número de nomes – para estudar a questão. Fê-lo em um artigo que apareceu em dezembro no Catholic Herald e o reiterou no dia 13 de fevereiro no sítio Crux do Boston Globe.
Estas são efetivamente as exteriorizações “alarmantes” de Pell contra as quais reagiu o conselho de administração dos Fundos de Aposentadorias, que é presidido pelo cardeal Domenico Calcagno, presidente da APSA, e que tem como membros os representantes de organismos vaticanos como a Fábrica de São Pedro (o bispo Vittorio Lanzani), Propaganda Fide (dom Ermes Giovanni Viale), a Secretaria de Estado (os monsenhores Alberto Perlasca e Tullio Poli), a Rádio Vaticano (Alberto Gasbarri) e o Governadorado (Antonio Chiminello): em síntese, os representantes de todos esses organismos que empreenderam uma queda de braço com Pell para conservar a própria autonomia econômico-financeira.
Prossegue então a manobra de envolvimento sobre quem os meios de comunicação anglossaxões se obstinam em chamar de “czar” das finanças vaticanas, mas que dentro dos Muros Sagrados, inclusive “in altissimis”, é mais prosaicamente chamado de “canguru”.
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Bispos eméritos no Sínodo? Agora pode
Entre os eclesiásticos eleitos pelas respectivas conferências episcopais para participar do próximo sínodo sobre a família há também dois prelados já aposentados. Um é o cardeal lituano Audrys Backis, de 78 anos, arcebispo emérito de Vilnius. O outro é o coetâneo grego Franghiskos Papamanolis, bispo emérito de Syros, que, em todo o caso, é o presidente do episcopado católico helênico.
Outrora isto não era permitido. Permanece na memória o caso de dom Luigi Bettazzi, eleito pela Conferência dos Bispos da Itália em novembro de 1998 para participar do sínodo especial consagrado à Europa, realizado em outubro do ano seguinte. Com efeito, sua nomeação não foi ratificada pelo Vaticano porque nesse meio tempo – em fevereiro de 1999, quando tinha 75 anos e três meses – foi aceita a sua renúncia como bispo de Ivrea e passou a ser emérito.
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Vanitas vanitatum
No dia 02 de fevereiro, durante uma conferência que aconteceu na Sala de Imprensa vaticana para apresentar a plenária do Pontifício Conselho para a Cultura sobre o tema das “culturas femininas”, suscitou curiosidades e polêmicas o fato de que no documento preparatório a cirurgia estética fosse definida como uma “burca de carne”. A casualidade quis que no dia seguinte, na mesma Sala de Imprensa, outra conferência oficial tenha visto a presença, no pódio, de muitas pessoas consagradas com cabelos visivelmente tingidos.
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Lugar para os jovens
Em uma recente entrevista, o cardeal Tarcisio Bertone revelou que foi confirmado para um biênio como membro da Propaganda Fide, o dicastério vaticano que auxilia o Papa na nomeação dos ordinários de quase 40% das circunscrições eclesiásticas católicas que estão em terras de missão. Além dele, foram confirmados como membros da congregação, apesar de maiores de 80 anos, também os cardeais Giovanni Battista Re e Franc Rodé. Segundo as normas vigentes, os membros do dicastério caducam automaticamente ao chegar aos 80 anos. No futuro se saberá se se trata de simples derrogações “ad personam” ou de uma antecipação da reforma da cúria.
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A jogada argentina da Opus Dei
Pela primeira vez em sua história a prelazia da Opus Dei elegeu um não espanhol para um cargo em sua cúpula, a de vigário-geral. E a eleição recai sobre um argentino, dom Mariano Fazio, muito conhecido por Jorge Mario Bergoglio. Uma eleição que parece estudada precisamente para consolidar e melhorar as relações com o Papa Francisco.
Nestes dois primeiros anos de pontificado as relações entre o Papa e a Opus Dei foram formalmente excelentes, graças também às audiências concedidas a dom Carlos María Nannei, predecessor de Fazio como vigário na Argentina. Mas houve também muitos sinais no sentido contrário.
Em um caso, para a cerimônia de beatificação de Álvaro del Portillo, sucessor do fundador São Josemaría Escrivá, não houve a esperada dispensa para celebrá-la em Roma. Por isso, a cerimônia foi realizada em Madri em 27 de setembro passado, embora o novo beato tenha morrido na Urbe, onde viveu as últimas décadas da sua vida.
Também chamou a atenção que, no sínodo sobre a família passado, nenhum membro da Opus Dei – entre os quais não faltam corajosos teólogos e canonistas – tenha sido escolhido como membro, experto ou auditor por nomeação pontifícia. E posto que não havia nenhum presidente de conferência episcopal ou chefe de dicastério que fosse da Opus Dei, esteve totalmente ausente dos trabalhos sinodais. [Para a memória, entre os membros escolhidos pelas conferências episcopais para o próximo sínodo e ratificados pelo Papa, há três prelados da Opus Dei: o arcebispo José H. Gómez, de Los Angeles (Estados Unidos); o arcebispo Antonio Arregui Yarza, de Guayaquil (Equador) e o bispo Jaime R. Fuentes Martin, de Minas (Uruguai).]
Enfim, a Opus Dei recebeu um golpe suplementar no Peru, onde nos últimos meses se aposentaram dois de seus prelados, o arcebispo de Cuzco e o bispo de Chiclayo, sem serem substituídos por outros membros da prelazia. Isto moveu ainda mais em sentido contrário à Opus Dei um episcopado no qual o cardeal de Lima e membro da Opus Dei, Juan L. Cipriani, embora no cargo desde 1999, ao contrário de seus predecessores, nunca foi escolhido como presidente da Conferência Episcopal.
A nomeação de Mariano Fazio como vigário-geral da Opus Dei foi anunciada no dia 12 de dezembro passado; ele foi recebido pelo Papa Francisco na tarde de 30 de setembro. Essa audiência foi anunciada no boletim da Santa Sé de 01 de outubro e publicada no L’Osservatore Romano de 02 de outubro. Curiosamente, tanto no boletim como no jornal vaticano o sobrenome apareceu de maneira errada – Fassio.
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Paradoxos e estrabismos ecumênicos
No dia 09 de fevereiro passado, a Basílica de São João de Latrão, a catedral do Papa, recebeu a peregrinação de agradecimento da congregação dominicana do Santíssimo Nome de Jesus de Fanjeaux (França), pelos 40 anos da fundação. Participaram da peregrinação, além de 200 religiosos, 950 de seus alunos, assim como uma centena de pais e professores. Mas não foi possível a essas dominicanas celebrarem a missa em nenhuma igreja de Roma. O fato é que as irmãs em questão pertencem ao ramo feminino da comunidade lefebvriana, e a missa que queriam celebrar era do rito pré-conciliar. Não serviu de nada – informam as irmãs – a intervenção com “reiterados pedidos” da Pontifícia Comissão Ecclesia Dei.
O fato é absolutamente singular em uma diocese como a de Roma, onde importantes igrejas, como a do Santo Teodoro no Palatino ou os Santos Vicente e Anastácio em Fontana de Trevi, foram confiadas a comunidades ortodoxas, e onde paróquias acolheram os ritos das comunidades não católicas coptas ou romenas. Mas não deve surpreender este estrabismo ecumênico, se se pensa que, no campo católico haja pessoas que – como o prior de Bose, Enzo Bianchi, ou o teólogo Gianni Gennari – aplicam despectivamente a qualificação de “cismáticos” apenas aos lefebvrianos (que não estão mais excomungados, mas que ainda não têm um status canônico na Igreja católica), ao passo que os cristãos de outras confissões que formalmente não são menos “cismáticos” que os lefebvrianos são todos chamados amigavelmente de “irmãos”.
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Nada de núncios leigos no horizonte
Com a nomeação do prelado espanhol Fernando Arellano Chica como observador permanente na FAO, em Roma, parece ter declinado a hipótese, muitas vezes ventilada, de nomear leigos para as sedes em que o representante pontifício não tem como interlocutores bispos, como acontece, ao contrário, com os núncios espalhados nos diferentes países do mundo. Com efeito, além da nomeação para a FAO, com o Papa Francisco foram renovadas as representações pontifícias nas sedes da ONU em Nova York e em Viena, além do Conselho da Europa, em Estrasburgo. Para todas foram designados eclesiásticos. O Vaticano segue evidentemente considerando que, nos organismos internacionais, a presença de um ministro ordenado segue sendo mais significativa e eficaz que a de um leigo.
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Salesianos são maior número entre os cardeais, mas na Comissão Teológica vencem os jesuítas
Após o último consistório, a congregação religiosa mais representada no colégio dos eleitores do Papa é a dos salesianos, com seus cinco expoentes, ao passo que os jesuítas têm agora o Papa, mas não têm nenhum cardeal eleitor. No entanto, na Comissão Teológica Internacional, renovada no ano passado pelo Papa Francisco, os filhos de Dom Bosco, que com quatro membros eram os mais numerosos no quinquênio anterior, agora desapareceram. Ao contrário, os filhos de Santo Inácio, não presentes nos cinco anos passados, são agora os mais representados, com três membros.
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Caça ao canguru e outras histórias - Instituto Humanitas Unisinos - IHU