Por: André | 10 Outubro 2014
Ludmila e Stanislaw Grygiel ensinam no Pontifício Instituto de Estudos sobre a Família, criado pelo Papa Karol Wojtyla, seu amigo de toda a vida. Não foram convidados para o Sínodo. Mas eles têm muito a dizer aos padres sinodais. E o disseram. Com clareza e coragem.
A reportagem é de Sandro Magister e publicada no sítio Chiesa.it, 09-10-2014. A tradução é de André Langer.
Um sínodo “aberto”, como todos, a começar pelo Papa Francisco, desejam que seja, é um sínodo disposto a ouvir também as vozes que chegam de fora, ainda mais se vêm de pessoas competentes.
Às vésperas do início do Sínodo, a assembleia plenária do Consilium Conferentiarum Episcoporum Europae, que foi realizada em Roma, entre os dias 02 e 04 de outubro, constituiu uma ponte entre o exterior e o interior dos seus muros.
A assembleia estava projetada diretamente sobre o Sínodo, a começar pelo título: “A família e o futuro da Europa”.
Entre os oradores havia padres sinodais de primeiro nível, como o cardeal húngaro Peter Erdò, presidente do CCEE e relator-geral do Sínodo; o cardeal canadense Marc Ouellet, prefeito da Congregação para os Bispos; o cardeal Angelo Bagnasco, presidente da Conferência Episcopal Italiana e Fouad Twal, patriarca latino de Jerusalém.
Mas, sobretudo, havia um casal de filósofos, Ludmila e Stanislaw Grygiel, poloneses, amigos de juventude de Karol Wojtyla sacerdote, bispo e papa, ambos professores do Pontifício Instituto João Paulo II para Estudos sobre Casamento e Família.
O instituto foi criado pelo Papa Wojtyla em 1982, dois anos após um sínodo consagrado à família e um ano depois da publicação da exortação apostólica Familiaris Consortio.
Com sede central em Roma, na Pontifícia Universidade Lateranense, o instituto tem seções em todo o mundo, dos Estados Unidos à Espanha, do Brasil à Alemanha, do México à Índia, do Beni às Filipinas, com um número crescente de estudantes, tanto homens como mulheres.
Entre seus reitores e professores figuram os cardeais Carlo Caffarra, Angelo Scola, Marc Ouellet.
Diante da iminência do Sínodo deste mês de outubro, o instituto produziu uma notável quantidade de contribuições. A última, intitulada O Evangelho da família no debate sinodal. Indo além da proposta do cardeal Kasper, saiu simultaneamente na Itália (publicado pela Cantagalli), nos Estados Unidos (publicado pela Ignatius Press), na Espanha (pela Biblioteca de Autores Cristianos) e na Alemanha (pela Media Maria Verlag).
Seus autores são o teólogo espanhol Juan José Pérez-Soba e o antropólogo alemão Stephan Kampowski, ambos professores na sede romana do instituto.
O prólogo foi redigido pelo cardeal australiano George Pell, um dos oitos cardeais que assessoram o Papa Francisco na reforma da cúria e no governo da Igreja. No dia 03 de outubro, Pell apresentou o livro ao público, na sede do instituto.
Em resumo, é difícil encontrar hoje na Igreja católica um instituto de estudos filosóficos, teológicos e pastorais mais influente e competente sobre isso, os temas do casamento e da família.
E, no entanto, aconteceu o incrível. Nenhum dos professores deste instituto pontifício foi chamado para tomar a palavra no Sínodo sobre a família, que começou no dia 05 de outubro e terminará no dia 19.
Razões demais para ouvir novamente o que disseram Ludmila e Stanislaw Grygiel na assembleia pré-sinodal promovida pelo Conselho das Conferências Episcopais da Europa.
Reproduzimos, na sequência, um extrato de suas intervenções, argumentadas e pronunciadas com a “parrhesia”, isto é, com a franqueza, a clareza, a coragem, a humildade que o Papa Francisco recomendou a todos neste Sínodo.
Reflexões sobre a Pastoral Familiar e o Casamento, de Ludmila Grygiel
[...] Chesterton disse que não necessitamos de uma Igreja movida pelo mundo, mas uma Igreja que mova o mundo. Parafraseando estas palavras, podemos dizer que hoje as famílias, as que estão em crise e as que são felizes, não necessitam de uma pastoral adequada ao mundo, mas uma pastoral adequada aos ensinamentos d’Aquele que sabe o que deseja o coração do homem.
Vejo o paradigma evangélico desta pastoral no diálogo de Jesus com a Samaritana, do qual emergem todos os elementos que caracterizam a atual situação de dificuldade, tanto das pessoas casadas como dos sacerdotes comprometidos com a pastoral.
Cristo aceita falar com uma mulher que vive no pecado. Cristo não é capaz de odiar; só é capaz de amar e, por este motivo, não condena a Samaritana, mas desperta o desejo original de seu coração, confundido pelos acontecimentos de uma vida desordenada. Só depois que a mulher confessa que não tem marido, Cristo a perdoa.
Assim, a passagem evangélica recorda que Deus não dá a sua misericórdia a quem não a pede e que o reconhecimento do pecado e o desejo de conversão são a regra da misericórdia. A misericórdia não é nunca um dom oferecido a quem não o quer, não é um produto rebaixado porque ninguém o quer. A pastoral demanda uma adesão profunda e convencida dos pastores à verdade do sacramento.
No diário pessoal de João Paulo II encontramos esta nota escrita em 1981, terceiro ano do seu pontificado: “A falta de confiança na família é a primeira causa da crise da família”.
Poderíamos acrescentar que a falta de confiança na família por parte dos pastores é uma das principais causas da crise pastoral familiar. Esta não pode ignorar as dificuldades, mas tampouco deve deter-se nelas e admitir, desconsolada, a própria derrota. Não pode acomodar-se à casuística dos modernos fariseus. Ela deve acolher as samaritanas não para dissimular a verdade sobre seu comportamento, mas para levá-las à conversão.
Os cristãos estão hoje em uma situação similar àquela que Jesus se encontrou, que, apesar da dureza de coração de seus contemporâneos, voltou a propor o modelo de casamento que Deus quis desde o princípio.
Tenho a impressão de que nós, cristãos, falamos muito dos casamentos fracassados, mas pouco dos casamentos fiéis; falamos muito da crise da família, mas pouco do fato de que a comunidade constituída pelo casamento e pela família garante ao ser humano não apenas a felicidade terrena, mas também a eterna e do fato de que é o lugar no qual se realiza a vocação à santidade dos leigos.
Assim, obscurece-se o fato de que, graças à presença de Deus, a comunidade constituída pelo casamento e pela família não se limita ao temporal, mas que se abre ao supratemporal, porque cada um dos esposos está destinado à vida eterna e é chamado a viver eternamente na presença de Deus, que os criou dois a dois e os quis unidos, selando Ele mesmo esta união pelo sacramento.
“O futuro da família passa pela família” (Familiaris consortio, 86), de Stanislaw Grygiel
[...] O fato de ignorar o amor “para sempre”, de que Cristo fala à Samaritana como “dom de Deus” (Jo 4, 7-10), faz com que os cônjuges e as famílias, e neles a sociedade, percam a “reta via” e errem “por uma selva escura” como no Inferno de Dante, segundo as indicações de um coração endurecido, “sklerocardia” (Mt 19, 8).
A “misericordiosa” indulgência que alguns teólogos pedem não é capaz de frear o avanço da esclerose dos corações, que não recordam como são as coisas “desde o princípio”. A teoria marxista, segundo a qual a filosofia deveria mudar o mundo mais que contemplá-lo, abriu caminho no pensamento de certos teólogos fazendo que estes, a tal ponto que eles – de maneira mais ou menos consciente, em vez de olhar o homem e o mundo à luz da Palavra eterna do Deus vivo – olham esta Palavra na perspectiva das tendências efêmeras, sociológicas. A consequência é que ele justificam, em função das situações, os atos dos “corações duros” e falam da misericórdia de Deus como se tratasse de uma tolerância tingida de comiseração.
Em uma teologia assim, percebe-se um certo desprezo do homem. Para estes teólogos, o homem ainda não é suficientemente maduro para olhar com coragem, à luz da misericórdia divina, a verdade do próprio converter-se em amor, assim como é “desde o princípio” esta mesma verdade (Mt 19, 8). Não conhecendo “o dom de Deus”, eles adéquam a Palavra divina aos desejos dos corações esclerosados. É possível que não se deem conta de que estão propondo a Deus, inconscientemente, a prática pastoral por eles elaborada, como caminho que poderá levá-Lo às pessoas. [...]
João Paulo II se aproximava de cada casal, também dos fracassados, como Moisés se aproximava da sarça ardente no Monte Horeb. Ele não entrava em sua morada sem ter tirado primeiro as sandálias dos pés, porque vislumbrava que aí estava presente o “centro da história e do universo”. [...] Por isso, ele não se inclinava diante das circunstâncias e não adaptava sua prática pastoral às mesmas. [...] Correndo o risco de ser criticado, insistia no fato de que não são as circunstâncias que dão forma ao casamento e à família, mas que são estes os que a dão às circunstâncias. Primeiro acolhia a verdade e só depois as circunstâncias. Nunca permitia que a verdade tivesse que servir de antecâmara. Cultivava a terra da humanidade em vista não de sucessos efêmeros, mas para uma vitória definitiva. Ele buscava a cultura do “dom de Deus”, ou seja, a cultura do amor para sempre.
A beleza na qual se revela o amor que chama o homem e a mulher a renascer formando “uma só carne” é difícil. O dom exige sacrifício; sem este, não é dom. [...] Os apóstolos, ao não conseguir entender a disciplina interior do matrimônio, dizem abertamente: “Se a situação do homem com a mulher é assim, então é melhor não se casar”. Então, Jesus diz algo que obriga o homem a olhar acima de si mesmo, se quer conhecer quem ele mesmo é: “Nem todos entendem isso, a não ser aqueles a quem é concedido... Quem puder entender, entenda” (Mt 19, 10-12).
Uma noite em sua casa – era nos idos da década de 1960 –, o cardeal Karol Wojtyla havia permanecido durante muito tempo em silêncio enquanto escutava as intervenções de alguns intelectuais católicos que previam uma inevitável laicização da sociedade... [...] Quando esses interlocutores terminaram de falar, ele só disse estas palavras: “Vocês não pronunciaram uma única vez a palavra graça”. Recordo isso que ele disse naquela ocasião cada vez que leio as intervenções de teólogos que falam do casamento esquecendo-se do amor que se manifesta na beleza da graça. O amor é graça, é “dom de Deus”. [...]
Se as coisas estão assim no que diz respeito ao amor, incluir nos argumentos teológicos o adágio, piedoso mas contrário à misericórdia, “nemo ad heroismum obligatur” – ninguém está obrigado a ser um herói – desencoraja o homem. Desencoraja-o contradizendo a Cristo, que disse nas bem-aventuranças: “Sede perfeitos como o vosso Pai do Céu é perfeito” (Mt 5, 48).
É preciso ter compaixão e não piedade dos casais e das famílias que fracassaram. Neste caso, a piedade tem em si mesma algo de depreciativa para o homem. Não o ajuda a abrir-se ao infinito amor ao qual Deus o orientou “antes da criação do mundo” (Ef 1, 4). O sentimentalismo piedoso esquece-se de como são “desde o princípio” as coisas do homem, enquanto a compaixão, ao ser um sofrer com os que se perderam “na selva escura”, desperta neles a memória do Princípio, indicando-lhes o caminho de retorno ao mesmo. Este caminho é o Decálogo observado nos pensamentos e nas ações: “Não matar! Não fornicar! Não te roubes a ti mesmo da pessoa à qual de doaste para sempre! Não desejarás a mulher do teu vizinho!” [...] O Decálogo gravado no coração do homem defende a verdade de sua identidade, que se cumpre no fato de que se para sempre. [...]
Em uma das nossas conversas sobre estes dolorosos problemas, João Paulo II me disse: “Há coisas que devem ser ditas independentemente das reações do mundo”. [...] Os cristãos que por medo de ser condenados como inimigos da humanidade aceitam compromissos diplomáticos com o mundo, deformam o caráter sacramental da Igreja. O mundo, que conhece bem as fraquezas do ser humano, atacou sobretudo o “uma só carne” de Adão e Eva. Em primeiro lugar, tenta deformar o sacramento do amor conjugal e, a partir desta deformação, tentará deformar todos os outros sacramentos. Estes constituem, de fato, a unidade dos lugares do encontro de Deus com o ser humano. [...] Se os cristãos se deixam convencer pelo mundo de que o dom da liberdade que Jesus lhes deu faz com que sua vida seja difícil, até mesmo insuportável, seguirão o Grande Inquisidor de Os Irmãos Karamazov e deixarão de lado a Jesus. Então, o que será do ser humano? O que acontecerá a Deus que se fez homem?
Antes de ser assassinado, Jesus disse aos discípulos: “E vai chegar a hora em que alguém, ao matar vocês, pensará que está oferecendo um sacrifício a Deus... Neste mundo vocês terão aflições, mas tenham coragem; eu venci o mundo” (Jo 16, 2.33).
Sejamos corajosos e não confundamos a inteligência mundana da razão calculadora, com a sabedoria do intelecto que se amplia até os confins que unem o ser humano com Deus. Herodes e Herodíades talvez eram inteligentes; certamente não eram sábios. Sábio era São João Batista. Ele, e não eles, soube reconhecer o caminho, a verdade e a vida.
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Esse casal que chama às portas do Sínodo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU