Por: Jonas | 06 Março 2014
Subtraiu-se da Secretaria de Estado o novo ministério das finanças, dirigido pelo cardeal Pell. Também foi redimensionado o predomínio italiano em cargos administrativos. Uma objeção do cardeal Kasper e um elogio do Papa ao cardeal Siri.
A reportagem é publicada por Sandro Magister, 05-03-2014. A tradução é do Cepat.
A reforma global da Cúria Romana ainda não chegou à esquina. Foi o que manifestou, no final de fevereiro, o coordenador do conselho de cardeais, instituído pelo papa Francisco, também com essa finalidade.
Na edição de “Avvenire”, do dia 25 de fevereiro, o cardeal Óscar Andrés Rodríguez Maradiaga disse: “As reformas da Cúria requerem sempre muito tempo. Vivemos na era do imediato e muitos querem respostas. Estão sendo examinados os cargos nos dicastérios, seguirão depois os dos conselhos. Tenham paciência”.
Contudo, enquanto se espera esta anunciada reforma global, o papa Francisco não está quieto, uma vez que continua com suas ações reformadoras, com golpes provenientes de sua própria iniciativa.
Exatamente no mesmo dia em que o purpurado de Honduras pedia paciência, no dia 24 de fevereiro, Jorge Mario Bergoglio deu efetivamente um imediato aceleramento para a mudança das estruturas econômico-financeiras da própria Cúria.
Agiu assim com o motu proprio “Fidelis dispensator et prudens”, partindo do versículo 42, do capítulo 12 do evangelho segundo São Lucas, que fala justamente de um “administrador fiel e prudente”.
Com esse motu proprio, o Papa instituiu três novos organismos. O mais importante é um novo dicastério, o esperado “superministério” das finanças vaticanas, dirigido por um cardeal prefeito, cargo que nesse mesmo dia Francisco confiou ao cardeal australiano George Pell.
Ao ser dirigido por um cardeal, o novo ministério vaticano será, então, de primeira categoria, mas não se chamará Congregação. Efetivamente, seu nome é “Secretaria para a economia” e em sua cúpula terá também – sempre por nomeação pontifícia – um “prelado”, ou seja, um eclesiástico não necessariamente bispo, com as funções de secretário geral.
A novata secretaria – lê-se no motu proprio – “responde diretamente ao Santo Padre e efetua o controle econômico e a vigilância” sobre os dicastérios da Cúria Romana, sobre as instituições vinculadas à Santa Sé e sobre o Estado da Cidade do Vaticano.
Também serão de sua competência “as políticas e os procedimentos referentes às aquisições e adequada atribuição dos recursos humanos, respeitando as competências próprias de cada organismo”.
O novo cardeal secretário para a economia – especifica o motu proprio – “colabora com o secretário de Estado”.
O motu proprio institui também, sempre por nomeação pontifícia, a figura de um “revisor geral”, com as tarefas de “revisão contábil (auditoria)” dos mencionados organismos vaticanos ou vinculados à Santa Sé. Nesse caso, ao não se ter especificado que se trata de um cargo reservado a eclesiásticos, é óbvio que poderá ser atribuído a um leigo ou uma leiga.
Por último, o documento cria um novo conselho para a economia, que tem a tarefa de “oferecer orientações sobre a gestão econômica e vigiar as estruturas e atividades administrativas e financeiras dos mencionados organismos”. Orientações que a novata “Secretaria para a economia” deverá levar em conta.
Esse novo conselho assume o controle do conselho de cardeais para o estudo dos problemas organizativos e econômicos da Santa Sé, instituído por João Paulo II em 1981. Este último era constituído por quinze cardeais residenciais de vários países e era convocado e presidido duas vezes por ano pelo cardeal secretário de Estado, em colaboração com o cardeal presidente da Prefeitura dos Assuntos Econômicos da Santa Sé.
O novo conselho conserva o perfil internacional, mas junto aos oito eclesiásticos – que poderão ser também bispos sem a púrpura cardinalícia – incluirá sete “especialistas leigos, de várias nacionalidades, com idoneidade financeira e reconhecido profissionalismo”.
Em um comunicado da sala de imprensa vaticana, antes da publicação do motu proprio, especificou-se que à direção da Secretaria o Papa nomeou o cardeal Pell, “atual” arcebispo de Sydney, sede que de qualquer modo deixará no final de março para se estabelecer totalmente em Roma.
Além disso, no mesmo comunicado se confirma, explicitando-se pela primeira vez, que a APSA, a Administração do Patrimônio da Sé Apostólica, continua sendo o “banco central do Vaticano, com todas as obrigações e as responsabilidades das instituições análogas em todo o mundo”. E se manifesta que a AIF, a Autoridade de Informação Financeira, mantém o “atual e fundamental papel de vigilância prudencial e disciplina das atividades no interior da Santa Sé e do próprio Estado da Cidade do Vaticano”.
No motu proprio, o papa Francisco explica que as decisões tomadas e explicitadas no documento chegam após ter “considerado atentamente” as conclusões da comissão referentes às estruturas econômico-administrativas da Santa Sé e após ter consultado os cardeais do conselho dos oito e do conselho para o estudo dos problemas organizativos e econômicos da Santa Sé, este último agora privado de autoridade.
Sempre no motu proprio, confia-se ao cardeal prefeito da nova Secretaria a tarefa de redigir os estatutos da própria Secretaria – o que na realidade parece um pouco anômalo – como também os dos outros dois novos organismos instituídos, o Conselho para a Economia e o revisor geral.
Naturalmente, o alcance efetivo do motu proprio, de 24 de fevereiro, somente poderá ser avaliado plenamente após a publicação dos estatutos e depois que os novos organismos encontrarem seu lugar na reforma global da Cúria que está por vir.
Porém, nesse intervalo se pode formular a hipótese – como já se fez – que a criação dessa nova Secretaria e a decisão de confiá-la a um australiano são um golpe infligido à centralidade da Secretaria de Estado e ao predomínio histórico italiano na Cúria Romana.
No âmbito de língua francesa, por exemplo, o vaticanista Sebastien Maillard escreveu em “La Croix” que a criação da Secretaria para a economia significa “o fim” da figura do “número dois” do Vaticano, ou seja, do secretário de Estado. Ao passo que o escritor Nicolas Diat – autor de um debatido livro, “L’homme qui ne voulait pas etre pape”, que mereceu uma resenha com um desmentido anexo, mas apenas em francês, do padre Federico Lombardi – disse que “a nomeação de um cardeal da Oceania é o símbolo mais chamativo da des-italianização da Cúria Romana”.
De fato, com a nomeação de Pell para dirigir a “Secretaria para a economia” se relativiza a figura do responsável da outra e até agora única “Secretaria” vaticana, a “de Estado”, geralmente confiada a um eclesiástico italiano.
É preciso ter presente que na prática das últimas décadas a verdadeira sala de controle da política econômico-financeira da Santa Sé tornou-se um escritório administrativo da Secretaria de Estado, cujo responsável continua, até o momento, sendo recebido em audiência diária pelo substituto.
Historicamente, esse escritório sempre foi dirigido por eclesiásticos italianos. Os dois últimos foram o prelado piemontês Gianfranco Piovano (que durante sua regência o escritório assumiu uma importância tal que poderia ser visualizado quase como um “terceiro setor” da Secretaria de Estado) e, desde 2009, o lombardo Alberto Perlasca.
Porém, nesse momento, essa sala de controle parece que será transferida para um novo dicastério, colocado em direta dependência do Papa e em um aparente plano de igualdade com a Secretaria de Estado, com a qual é chamado a “colaborar”, mas sem estar subordinado a ela.
E essa sala de controle não foi confiada a um italiano, mas a um australiano, ao mesmo tempo em que para o número dois do novato organismo se prevê a nomeação – ainda não publicada formalmente, mas já audazmente anunciada aos meios de comunicação pelo interessado – do monsenhor espanhol Lucio Ángel Vallejo Balda, da Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz, vinculada ao Opus Dei, e também secretário da comissão referente às estruturas econômico-administrativas da Santa Sé e caçador de talentos de Francesca Immacolata Chaouqui, discutida componente dessa comissão.
No que diz respeito à Prefeitura dos Assuntos Econômicos da Santa Sé, cujas atribuições de fato são absorvidas pela novata Secretaria, parece que está destinada a desaparecer, mesmo que nada tenha sido escrito sobre isso no motu proprio e na nota que o acompanhou.
A Prefeitura, desde sua fundação, em 1967, geralmente também era dirigida por um eclesiástico italiano, o último foi o cardeal Giuseppe Versaldi. A única exceção foi o estadunidense Edmund C. Szoka, de 1990 a 1997.
Uma observação crítica de Kasper a Francisco
O papa Francisco o escolheu como relator único no último consistório e o elogiou publicamente por sua intervenção sobre a comunhão aos divorciados em segunda união. Porém, agora, o cardeal Walter Kasper veio a campo para dizer o que pensa sobre a reforma da Cúria.
Fez isso em uma longa entrevista publicada na edição de “Avvenire”, de 2 de março, premiada com uma ampla ressonância nos meios de comunicação, em razão da proposta de oferecer postos de responsabilidade para mulheres nas cúpulas dos Conselhos pontifícios, dos tribunais e dos escritórios administrativos da Cúria.
Contudo, na entrevista também há uma interessante observação teológica, que assinala um problema que se acrescentou na Cúria depois do Concílio Vaticano II.
Sustenta Kasper:
“O bispo é um pastor. A consagração episcopal não é uma honra, é um sacramento, remete à estrutura sacramental da Igreja. Por que, então, é necessário um bispo para desempenhar funções burocráticas? Aqui, parece-me, corre-se o risco de incorrer em um abuso dos sacramentos. Nem sequer era bispo o cardeal Ottaviani, o histórico secretário da Congregação do Santo Ofício; tornou-se depois, com João XXIII”.
Foi com o papa Angelo Roncalli que começou a prática de elevar ao episcopado dignitários curiais que até a época de Pio XII não eram. Prática que também nos pontificados posteriores, incluindo o atual. Basta pensar, em relação ao papa Francisco, no caso do novo secretário geral do governatorato, Fernando Vérgez Álvaga, e em outro caso análogo, embora não vinculado à Cúria Romana, do reitor da Universidade Católica de Buenos Aires, Víctor Manuel Fernández.
Honra a Siri, mas não aos seus discípulos
No dia 27 de fevereiro, o papa Francisco presidiu a reunião dos membros da Congregação para os Bispos. Tratou-se, como disse o cardeal prefeito Marc Ouellet, de uma “presença inédita”. Não se recorda um precedente análogo.
Na ocasião, o Papa pronunciou um longo discurso sobre os critérios a ser seguidos para se escolher um bom bispo.
Entre outras coisas, disse Bergoglio:
“A Igreja não tem necessidade de apologistas das próprias causas, nem de cruzados das próprias batalhas, mas de semeadores humildes e seguros da verdade... Bispos também conscientes de que mesmo quando anoitece e as fadigas do dia os encontrem cansados, as sementes estarão germinando no campo. Homens pacientes porque sabem que a cizânia jamais será tanta a ponto de cobrir o campo. O coração humano é feito para a semente, foi o inimigo que secretamente arremessou a má semente. Porém, o tempo da cizânia já está irrevogavelmente fixado”.
E acrescentou imediatamente depois:
“Quero destacar bastante isso: homens pacientes! Dizem que o cardeal Siri costumava repetir: ‘Cinco são as virtudes de um bispo: a primeira é a paciência, a segunda a paciência, a terceira a paciência, a quarta a paciência e por último a paciência com os que nos convidam a ter paciência’”.
A respeito do cardeal Giuseppe Siri (1906-1989), único eclesiástico citado nessa ocasião pelo Papa, foi uma referência de sabor paradoxal.
Essa citação “ad honorem” veio exatamente depois que o próprio papa Francisco removeu da Congregação para os Bispos dois cardeais que foram ordenados padres por Siri – Angelo Bagnasco e Mauro Piacenza – e depois que outro eclesiástico sobre o qual Siri impôs as mãos – Francesco Moraglia – foi apagado da lista dos novos cardeais, apesar de ser o titular desse patriarcado de Veneza, que no século passado concedeu três Papas à Igreja.
Para a crônica, permanece em seu cargo de mestre de cerimônias litúrgicas pontifícias o último “diácono caudatário” de Siri, dom Guido Marini, mas que foi ordenado padre pelo sucessor, Giovanni Canestri.
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A Secretaria de Estado perdeu o controle sobre a economia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU