Por: André | 17 Outubro 2013
O cardeal Juan Luis Cipriani levanta a voz, quer ser enfático. A Igreja condena e castiga o crime, e a pedofilia não tem atenuante. Sobre sua polêmica com o responsável pela Doutrina da Fé envolvendo o teólogo peruano Gustavo Gutiérrez, o cardeal insiste: “Creio que se equivocou. Müller é o encarregado de defender a sã doutrina da fé na Igreja, portanto, precisa deixar de lado essa ingenuidade e ser mais prudente”.
Fonte: http://bit.ly/H5F5po |
A entrevista é de Diana Seminario e publicada no jornal peruano El Comercio, 16-10-2013. A entrevista foi reproduzida na íntegra pelo sítio espanhol Religión Digital. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
Os escândalos dos ex-bispos Miranda e Abanto geraram polêmicas e há criticas de que não houve uma atuação transparente da Igreja. Por que este mistério?
Não houve uma boa comunicação, porque há casos em que a Igreja, usando suas próprias normas, pune diretamente os sacerdotes e bispos. Quando um bispo não quer reconhecer um filho, estamos no campo civil; é um crime e tem que prevalecer a lei. No caso da pedofilia, a Igreja imediatamente age e dá a conhecer os fatos com total transparência e contundência e não oculta nada. A pedofilia não tem atenuante; são crimes que clamam ao céu e passa do pecado ao crime. No caso de Abanto, tomou-se a decisão imediata de afastá-lo como bispo, sua situação o obriga a reconhecer o seu filho.
Você disse a ele que deve assumir as fragilidades com hombridade.
A lei não vai obrigar a reconhecer essa criatura inocente com direito a ter um sobrenome.
Era sua mão direita?
Tive cinco bispos auxiliares, mas não cinco mãos direitas. Se pudesse falar de uma mão direita, este seria Adriano Tomasi. Creio que há uma intencionalidade de esquecer os danos com a intenção de criticar o Cipriani.
No caso do ex-bispo de Ayacucho, acusado de pedófilo, ele, em carta, garante que não cometeu crime. Cometeu pedofilia? Chegaremos a sabê-lo?
Ele afirma que não cometeu pedofilia. Se o fez, não sei. Neste caso, não apenas se deve aplicar a lei canônica e sua respectiva pena, mas também a lei civil e a pena que esta contempla. Eu rechaço qualquer atenuante. Quem abusa de uma menor deverá ser castigado com toda a força da lei, seja sacerdote ou leigo, sem nenhuma consideração. Nem a Santa Sé nem ninguém, até agora, apresentou uma denúncia de pedofilia. Bambarén falou de pedofilia. Digo-lhe que vá à promotoria e faça a denúncia. García Sayán também mencionou a pedofilia, também a ele peço que faça a denúncia.
Luis Bambarén, no La República de 01 de outubro, precisou que não atribuiu o crime de pedofilia a Miranda. Parece que se retificou.
Pode retificar-se e dizer que se disse e que agora não disse. Ele disse o que disse e causou escândalo.
Foi dito – depois da revelação do caso Miranda – que você é muito crítico em muitos temas, mas que neste não foi, e sua frase “não fazer lenha da árvore caída”, escandalizou a muitos.
Agora estou dizendo que o crime de pedofilia merece a maior condenação sem atenuantes e com tolerância zero. Não me preocupa o fato de que tomem isso como uma retificação, mas nunca quis dizer que aceitava o crime de pedofilia como uma coisa mais ou menos mediana, não. Quando falei da árvore caída é porque se fez uma denúncia pública de pedofilia contra Gabino Miranda sem apresentar, até o dia de hoje, denúncia.
O arcebispo de Ayacucho, Salvador Piñeiro, insiste em que não houve crime e seu comunicado fala de um segredo pontifício. Saber-se-á um dia que crime Miranda cometeu? Excluí-lo do ministério sacerdócio é uma pena drástica, algo muito grave deve ter cometido.
A Igreja jamais vai cobrir nem ocultar os crimes. É muito diferente de uma pessoa que vai e fica bêbada, isso é um pecado; mas se, estando bêbada, atropela e mata uma pessoa, isso é um crime. Uma pessoa que teve uma relação sexual cometeu um pecado grave; mas outra coisa é que seja uma falta contra um menor de idade, uma violação ou ter um filho e não reconhecê-lo, isso é um crime. No tema que estamos vendo, a pedofilia sempre será um crime e a tolerância sempre será zero. Não se vai permitir que isto fique na obscuridade ou na dúvida.
Mas com esta questão do segredo, parece que foi apanhado em algo.
Nunca se vai esconder nenhum crime. Quando falamos de segredo pontifício, estamos falando do foro interno. Por exemplo, eu faço um juramento de viver a castidade, de obedecer ao Santo Padre, que permanece no interior da minha alma, ninguém pode me violentar. Mas quando isto extrapola para uma grave conduta, converte-se em crime. Além do dano que lhe causa em sua própria instância espiritual, está indo contra as normas elementares da sociedade.
O segredo pontifício obriga Miranda, você e Piñeiro a não revelar as causar pelas quais Miranda foi destituído?
Eu não estou sob nenhum segredo pontifício, porque não estou envolvido neste processo. Segundo Miranda, foi-lhe imposto um segredo pontifício que o impediu de se defender.
Piñeiro disse que desconhece a causa da destituição.
É preciso acreditar nele. E não é pouca coisa, pois é seu arcebispo.
Miranda é da Opus Dei?
Não. Recebeu formação espiritual da Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz.
Que pertence à Opus Dei.
Não. A Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz está intrinsecamente unida à Opus Dei. Os sacerdotes da Opus Dei tem como seu superior o prelado da Opus Dei. Os sacerdotes que participam da Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz têm como superior o seu bispo, mas recebem a formação espiritual da Opus Dei e são sócios da Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz.
Destacou-se que é um sacerdote da Opus Dei e que a Opus Dei não teria agido.
Nego taxativamente que Gabino Miranda esteja sob a autoridade do prelado da Opus Dei. Seu superior, como todo bispo, é o Papa, e sendo auxiliar, seu superior imediato era o arcebispo de Ayacucho. Teve direção espiritual da Opus Dei, a quem ocultou tudo, pois ninguém soube do que poderia ocorrer.
Você mencionou que as acusações converteram-se em um circo. Trata-se de um circo?
Sou fanático para buscar a verdade e aqui não havia interesse em buscá-la, mas em provocar o maior prejuízo possível, não apenas a quem o merecia, porque se há um crime de pedofilia merece, e se não reconhece a um filho, o merece. Em ambos os casos, havia uma clara intencionalidade de criar um cenário para prejudicar o Cipriani.
Há uma crise? São dois casos graves em um período curto de tempo.
Há uma falta de respeito às normas morais, à pessoa, à intimidade, à verdade. Há alguns moralistas que se dedicam a desqualificar os demais. Se não estou de acordo com Diego García Sayán, me chama de intolerante. A única intolerância é que não concordo com seu pensamento e certamente nossas mães eram primas irmãs. Minha avó e sua avó eram irmãs, mas ele prefere renunciar a essa relação pela defesa de uma ideologia.
O que disse aos fiéis depois destes escândalos?
Que cuidem mais dos seus sacerdotes, que rezem mais por eles, que confiem em que a Igreja é de Jesus Cristo, não desta ou daquela pessoa, nem de partidos nem de grupos. A unidade com Cristo.
Você se reuniu com o Papa. Quais são os temas que interessam ao Peru?
As coisas que se conversa com o Papa não são ocasião para comentários com os jornais. O Papa conhece a situação destes bispos [Miranda e Abanto]. O Papa sabe da situação da Universidade Católica e está a par do que acontece na América Latina. Está muito bem informado.
Por que aconteceu esta espécie de enfrentamento entre o Papa e você?
É uma mesquinharia que, creio, origina-se em algumas mentes eclesiásticas e que tem rebote em um grupo que está associado a uma universidade.
Antes de viajar referiu-se ao arcebispo Müller, com quem Gustavo Gutiérrez foi ver o Papa. Você o qualificou de ingênuo.
E volto a qualificá-lo de ingênuo. Gustavo Gutiérrez concelebrou missa com o Papa junto com outros 25 sacerdotes. Ao final da missa, o Papa saudou-os a todos, e foi o que fez com Gustavo Gutiérrez. Não inventemos audiências e reconciliação.
Müller lhe respondeu. Não me importa muito ser ingênuo, mas é necessário reconciliar os partidos que existem dentro da Igreja. Todos aceitamos a sã doutrina da Igreja, é possível ter um certo pluralismo no estilo da piedade da veneração a Deus.
Não concordo com a afirmação de que na Igreja há partidos. Creio que se equivocou. Müller é o responsável pela defesa da sã doutrina da fé na Igreja, portanto, precisa deixar essa ingenuidade de lado e ser mais prudente. Digo isso com toda a humildade.
O Papa o ratificou [a Müller].
Efetivamente. Sabe de teologia e está fazendo as obras completas de Ratzinger, é um homem acadêmico que esteve unido ao mundo universitário. Ninguém duvida da sua capacidade intelectual.
Como vê este novo tom que o Papa imprime à doutrina da Igreja?
Provoca entusiasmo no mundo inteiro, está levando uma esperança nova. Volto muito reconfortado da acolhida tão carinhosa que me deu e de ver como na Praça São Pedro há uma multidão que cada semana está indo rejuvenescer-se com suas palavras.
Há pessoas que dizem que se reconciliaram com a Igreja a partir do Papa Francisco.
Que Deus os abençoe. Ele está fazendo um esforço muito grande para estender a mão aos que estão mais afastados.
Você o convidou para visitar o Peru?
Sim, várias vezes. Tem uma agende muito carregada, e sabemos que não é muito de viajar. A esperança não se perde. Além disso, a Conferência Episcopal e o presidente da República convidaram-no oficialmente.
Você e o Papa foram nomeados cardeais juntos, sempre foram próximos?
Sim. O Papa sempre me disse: “Há algo que gosto de ti, que aquilo que pensas, dizes”. O que é uma vantagem e um problema, e ele sabe disso.
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Cipriani volta a chamar Müller de “ingênuo” e lhe pede para “ser mais prudente” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU