02 Junho 2012
Fim da energia nuclear, Ato 2. Um ano após a votação, em junho de 2011, da lei que prevê o fechamento progressivo até 2022 de usinas nucleares que fornecem 22% de sua eletricidade, a Alemanha está passando à prática.
A reportagem é de Frédéric Lemaître e publicada pelo jornal Le Monde, 02-06-2012.
Nos últimos meses, proliferavam críticas de todos os lados, de tão estagnada que parecia a questão, em razão principalmente das divergências entre o Ministério da Economia e o do Meio Ambiente, os dois copilotos do projeto. Angela Merkel, após o revés eleitoral sofrido no dia 13 de maio pelo ministro do Meio Ambiente Norbert Rottgen, candidato derrotado à presidência da Renânia do Norte-Vestfália, o substituiu por um de seus aliados, Peter Altmaier, até então secretário da bancada da CDU [União Democrata-Cristã] no Bundestag, o parlamento alemão.
Para mostrar a importância que ela tem dado a essa questão, a chanceler fez uma visita na terça-feira (29) à agência reguladora da rede elétrica em Bonn, em companhia de seu novo ministro. E, na quinta-feira (31), este apresentou seu plano de ação. Em ambos os casos, os dois dirigentes políticos quiseram calar as críticas que estavam sendo feitas até mesmo entre a maioria. “A transição energética é factível da forma como decidimos um ano atrás”, declarou Angela Merkel. “O abandono do setor nuclear é definitivo e inegociável”, confirmou o ministro.
Essa decisão continua a suscitar inúmeras questões, técnicas e financeiras. Para os alemães, a principal é o encaminhamento da eletricidade. Para compensar o fechamento de usinas nucleares presentes em sua maior parte no sul e no oeste do país, a Alemanha aposta na energia solar, mas, sobretudo, na energia eólica. Só que os principais centros industriais estão no Sul (na Baviera e no Bade-Wurtemberg), e o vento sopra principalmente no norte. Imensos parques eólicos estão sendo construídos ao largo das costas. É preciso então conectá-los ao sul do país.
“Provavelmente esse é o ponto decisivo da transição energética”, acredita Martin Fuchs, presidente da Tennet, uma das quatro operadoras das redes elétricas. Junto com as três outras redes, 50Hertz, Amprion e Transnet, Martin Fuchs apresentou, na terça-feira (30), seu projeto de desenvolvimento. Para limitar os incômodos e a oposição das populações afetadas, as quatro empresas propõem modernizar 4.400 quilômetros da rede existente e construir 3.800 quilômetros de novas linhas, essencialmente de alta tensão (1.700 quilômetros de corrente alternativa trifásica clássica, mas também 2.100 quilômetros de corrente contínua de alta tensão, uma técnica nova que permite transportar a corrente com menos perdas).
O custo desse projeto que é alvo de um debate público até meados de julho é de 20 bilhões de euros. “Nós sempre soubemos que a virada energética não sairia de graça”, reconhece Peter Altmaier. Os alemães já pagam mais caro por sua eletricidade do que os outros europeus, com exceção dos dinamarqueses: 25,3 centavos de euro por quilowatt/hora na Alemanha contra 18,4 em média na União Europeia e 14,2 na França. Segundo a Federação de Energias Renováveis, sua conta poderá aumentar em 0,5 centavo de euro o quilowatt/hora, ou seja, 15 euros por ano para uma família de quatro pessoas. Esse cálculo parece otimista para muitos. Além dos 20 bilhões devidos à ampliação da rede terrestre, a conexão dos campos eólicos ao largo das costas custaria cerca de 12 bilhões de euros e apresenta desafios complicados. “Em diversas questões técnicas, somos os pioneiros”, reconhece o presidente do Tennet.
O desenvolvimento da rede é somente um dos problemas levantados. A participação das energias renováveis no consumo de eletricidade deve passar de aproximadamente 20% hoje para 35% em 2020, 50% em 2030 e pelo menos 80% em 2050. Mas as energias solar e eólica dependem do clima. Para garantir uma produção constante, o país não poderá dispensar as energias fósseis, entre elas novas usinas de gás ou até de carvão. Estas últimas não só são poluentes, como sua rentabilidade está longe de ser garantida. Como as energias renováveis têm um acesso prioritário à rede, ninguém pode garantir vendas aos proprietários de usinas clássicas.
É um daqueles assuntos mais delicados que Peter Altmaier terá de decidir junto com seu colega da Economia. Ele espera mesmo resolver “antes do verão” duas outras questões espinhosas: quem, do Estado federal ou dos Estados-regiões, pagará o 1,5 bilhão de euros prometidos aos cidadãos para isolar suas casas? E em que ritmo as subvenções à indústria solar deverão diminuir? Se o ministro do Meio Ambiente pode comemorar o fato de que as instalações solares alemãs produziram, no último dia 25, 22 mil megawatts/hora (o equivalente a 20 usinas nucleares), um recorde mundial, seu colega encarregado das Finanças só consegue lamentar o custo para a coletividade.
Pelo menos Altmaier, que irá com Angela Merkel à cúpula Rio+20 em junho, poderá se orgulhar do relatório da OCDE publicado no dia 31 de maio, que acredita que, “em matéria de crescimento verde, a Alemanha está mostrando o caminho a ser seguido”.
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Alemanha se prepara para abandonar o setor nuclear - Instituto Humanitas Unisinos - IHU