27 Abril 2012
Anos atrás, quando lhe perguntaram se era verdade que o fundador do Opus Dei, Josemaría Escrivá, tinha um caráter às vezes brusco, ele respondeu imperturbável: "Ele era um homem, e os homens não são todos feitos de pasta frolla [massa quebrada]". Certamente, ele, o cardeal Julián Herranz (foto), exímio jurista e homem de ponta da Obra, também não o é – por 22 anos, viveu ao lado de São Escrivá e foi seu secretário pessoal –, ao qual Bento XVI confiou a tarefa de presidir a comissão que deverá jogar "plena luz" sobre os chamados "corvos" que sobrevoaram o Vaticano nos últimos meses.
A reportagem é de Gian Guido Vecchi, publicada no jornal Corriere della Sera, 26-04-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O papa fala a sério: os venenos e o vazamento de documentos confidenciais da Santa Sé não ficarão sem conseqüências. E e a "comissão cardinalícia", desejada pelo pontífice depois da "recente divulgação na televisão, nos jornais e outros meios de comunicação de documentos cobertos pelo sigilo de ofício", terá plenos poderes.
A "notificação" publicada pela Secretaria de Estado nessa quarta-feira é um ato formal: informa prelados ou empregados – no caso de os convocarem para serem ouvidos – que a comissão "atuará sob a força do mandato pontifício em todos os níveis".
Os três cardeais que a compõem – além do presidente Herranz, o prefeito emérito da Propaganda Fide Jozef Tomko, e Salvatore De Giorgi, ex-arcebispo de Palermo – são aposentados e, portanto, hoje já não têm cargos na Cúria, mas a conhecem muito bem. Eles já se reuniram na última terça-feira "para estabelecer o método e o calendário dos trabalhos".
Que o papa esteja "entristecido", mas "sereno" e bem "determinado a olhar para a frente", e quisesse instituir uma comissão cardinalícia há havia sido anunciado no mês passado pelo arcebispo Angelo Becciu, sostituto da Secretaria de Estado e, portanto, vice do cardeal Tarcisio Bertone, um dos principais alvos dos "corvos".
O governo vaticano, de cujos próprios escritórios foram divulgados muitos documentos, já havia dispostos dois níveis de investigação: "Em nível penal, foi conduzida pelo Promotor de Justiça do Tribunal Vaticano e, em nível administrativo, foi realizada pela própria Secretaria de Estado". O "terceiro nível", a "comissão superior", liderada pelo purpurado espanhol, também poderá ter acesso a esses trabalhos e responderá diretamente a Bento XVI.
A escolha do papa, além disso, é significativa. O cardeal Herranz, considerado um dos "grandes eleitores" do último conclave, presidiu o Conselho Pontifício para os Textos Legislativos e liderou, dentre outros, a comissão disciplinar da Cúria. Filho de um médico, nascido há 82 anos na diocese de Córdoba, em Baena, é membro do Opus Dei desde 1949, quando estudava medicina em Madri (ele se especializou em psiquiatria), antes dos estudos teológicos em Roma.
Ele conhece a Cúria Romana há mais de meio século: foi chamado em 1960 e, durante o Concílio, colaborou, dentre outros, com a comissão que preparou o decreto Presbyterorum Ordinis, sobre a responsabilidade (incluindo a "união fraterna") dos sacerdotes.
Enfim, ele é um dos cardeais mais influentes, ao qual os "rumores" vaticanos haviam atribuído, durante a reunião pré-consistório de fevereiro, uma forte preocupação sobre o governo da Cúria. Ele, muito reservado, não respondeu: mas deixou escapar um certo desconforto, porque, disse, na realidade, não havia intervindo no consistório.
Certamente, Herranz está preocupado com a situação. Quem o conhece bem o descreve como um homem de grande espiritualidade e rigor, e de grande firmeza. Não uma pasta frolla, em suma.
A sensação do outro lado do Tibre é que, para os "corvos" e para quem falhou nos controles, preveem-se tempos difíceis. Como disse o cardeal em 2005, em uma entrevista ao vaticanista Marco Politi: "Os homens, como Jesus Cristo que era verdadeiro homem, também têm a necessidade de tomar atitudes fortes. Cristo expulsou os mercadores do templo, mas era um exemplo de mansidão".
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Um cardeal do Opus Dei na chefia das investigações - Instituto Humanitas Unisinos - IHU