24 Janeiro 2012
O último mártir pela liberdade do Tibete se chama Losang Jamyang. Tinha 20 anos. Ele ateou fogo em si mesmo em uma rua de Ngaba, capital do protesto extremo, do suicídio como testemunho do desespero de um povo oprimido. Em Ngaba, queimaram 11 das 16 tochas humanas que, desde março passado, iluminaram macabramente a cotidiana desolação do povo tibetano acorrentado.
A reportagem é de Gabriel Bertinetto, publicada no jornal L'Unità, 22-01-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Mas a vários dias desde o seu gesto de heroica automutilação, ninguém sabe ao certo se Losang morreu pelas queimaduras ou pelos golpes de cassetete dos policiais que se lançaram em cima dele assim que o viram se banhando com querosene e ateando fogo às roupas. Antes mesmo de se preocupar em apagar o fogo – contam fontes citadas por um movimento internacional de solidariedade com os tibetanos – os agentes agrediram com raiva o pobre homem, réu daquilo que para eles era um intolerável ato de insubordinação, ao qual têm a ordem de impedir de qualquer forma.
"Os presentes – dizem as testemunhas oculares – ficaram chocados ao ver os homens fardados batendo no jovem com os seus cassetetes pontiagudos. Logo, centenas de pessoas acorreram para uma manifestação improvisada, enquanto o corpo de Losang era removido". A polícia respondeu com violência. Quatro mulheres ficaram feridas, duas com ferimentos de arma de fogo.
Ngabasi se encontra na província chinesa de Sichuan, na fronteira com o Tibete, a região que o Exército Popular ocupou em 1950, forçando muitos locais a fugir e ao exílio, incluindo o Dalai Lama. Enquanto Lhasa e o resto do Tibete parecem paralisados pela repressão e pelos sufocantes controles impostos pelas autoridades depois da revolta de 2008, o espírito de contestação ressurge nas áreas adjacentes habitadas por grandes comunidades tibetanas. À frente do protesto estão os monges budistas.
Pequim está tão consciente disso que, precisamente contra eles, orientou a maior parte dos procedimentos antiliberdade civil dos últimos tempos. Chegaram até a colocar os militares dentro dos conventos, e câmeras para controlar os bonzos nos locais de oração. O poder sabe como os religiosos têm influência sobre as pessoas comuns, e que veneração une monges e leigos com relação ao seu líder espiritual em exílio, o Dalai Lama.
Losang também tinha cortado o cabelo e usava há algum tempo a túnica de cor açafrão. Depois, havia retornado para Shewa, seu vilarejo natal, decidido a dedicar sua vida à causa nacional. Estava comprometido com uma associação para a difusão da língua tibetana. Atividade subversiva, segundo o poder comunista, que quer impor a supremacia da etnia Han. A "chinesização" forçada do Tibete passa pelo afluxo de colonos de outras partes da República Popular, até o ponto em que os tibetanos são hoje uma minoria em sua própria terra.
À reivindicação de identidade cultural e política por parte da população autóctone, Pequim contrapõe doses maciças de propaganda comunista, juntamente com as supostas vantagens do desenvolvimento econômico promovido pelo governo central. O Dalai Lama e seus seguidores são contrabandeados como defensores nostálgicos de privilégios de casta e tradições obscurantistas. Se, do exílio em Dharamsala, na Índia, ele propõe um plano de convivência harmoniosa entre as duas comunidades, baseado na concessão de amplas autonomias para o Tibete, mesmo no respeito da unidade estatal chinesa, o governo responde retratando-o como um "lobo em pele de cordeiro", um separatista oculto, que fala de não violência enquanto se alia com o separatismo terrorista.
De atividades terroristas, na realidade, o Tibete não tomou conhecimento. Mas certamente as novas gerações estão impacientes. Aos dirigentes mais velhos que insistem em continuar no caminho pacífico, muito caro aos ensinamentos budistas, os jovens apresentam os escassos resultados obtidos até agora desse modo.
O contraste surgiu há um ano na assembleia dos exilados em Dharamsala, em que o Dalai Lama abandonou o papel de líder político nas mãos de um leigo, Lobsang Sangay, primeiro-ministro do governo provisório. Mas, para todos os tibetanos, Tenzin Gyatso continua sendo o farol espiritual, a pessoa da qual Losang Jamyang e os outros 15 mártires invocavam o nome e o retorno à pátria no momento em que ateavam fogo em si mesmos. Mártires quase todos monges, incluindo duas mulheres.
Steven Marshall, conselheiro do Congresso dos EUA para assuntos chineses, acredita que o rastro de suicídios de protesto está destinado a se alongar. E ressalta que os manifestantes que às vezes encontram a coragem para sair às ruas para honrar a sua memória, proferem cada vez mais frequentemente as palavras com as quais a língua tibetana expressa o conceito de liberdade. Não só aquela que se refere aos direitos individuais da pessoa, mas também aquela que designa a ideia de independência nacional.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Tibete: o infinito martírio dos pequenos monges contra o gigante chinês - Instituto Humanitas Unisinos - IHU