20 Março 2011
Pouco mais de um ano depois do golpe de estado que sofreu, Honduras ainda vive uma situação de grandes conflitos. Porfírio Lobo continua no poder e, segundo Roque Rivera, fundador do Partido Republicano Ortodoxo, “é a cabeça visível de um sistema de governo que se impôs com um golpe de estado e como tal está muito longe do modelo que o povo encontrou nos últimos anos do governo Zelaya”. Em entrevista à IHU On-Line, concedida por e-mail, Rivera fala de como está Honduras hoje, que dificuldades vive o país, politica e economicamente, e faz apontamentos sobre a posição que a Igreja vem tomando em relação ao governo golpista. “As cúpulas, governos e círculos minúsculos da Igreja estão abertamente apoiando o regime de Lobo. Vemos claramente que depois do golpe, o exército e a polícia estão guardando e protegendo as hierarquias da Igreja Católica e os pastores da comunidade evangélica”, afirmou.
Roque Jacinto Rivera fez parte do Partido Liberal até 1962 quando foi expulso. Fundou o Partido Republicano Ortodoxo e é diretor executivo da Fundação Popol Nah Tun, uma organização não governamental que trabalha com o movimento campesino de Honduras e que está sofrendo dura repressão por parte do governo.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Depois do golpe ocorrido em 2009, como está a situação política de Honduras neste momento?
Roque Rivera – Podemos dizer que o bipartidarismo está passando por um cenário complicado. O Partido Liberal (o maior de Honduras) está seriamente desestruturado pela fuga dos filiados que esperam outras opções que podem surgir da Frente Nacional de Resistência – FNR. Há quem ainda tenha esperança em relação à recuperação do Partido Liberal, mas estes não são bem vistos pela Frente porque esta não aprecia a ideia de remontar uma cúpula liberal do pensamento mais conservador e de ultradireita. Esta situação é positiva para o Partido Nacional, que é menos popular do que os liberais. É claro que o Partido Liberal seguirá usando os fios mais escuros da política ao “estilo honduras” para ficarem no poder durante o próximo período (2014-2018) e continuar consolidando a agenda do golpe por mais quatro anos.
O cenário político está dominado por um enorme, porém passivo, descontentamento popular que tem demonstrado maior capacidade de denúncia e crítica nestes anos do que em toda a história democrática do país. Podemos dizer que este descontentamento tem como principal fonte a Frente de Resistência que segue aglutinando diversos setores da sociedade e é considerada a verdadeira força opositora para o regime de Porfírio Lobo.
É esta força a única que poderia, e tem potencial para isso, converter-se em governo nas próximas eleições e, então, provocar as mudanças sociais necessárias. Quer dizer, desde a tomada do poder político se poderia executar o plano de refundação do país a partir da reformulação da Constituinte. Através das incidências nas ruas, com anarquia, a insurreição popular jamais poderá chegar a provocar mudanças; estas rotas só consolidam e armam muito mais ao estilo do governo repressivo.
No entanto, a frente deve lidar não somente com um regime repressor e ultraneoliberal como também contra suas próprias forças internas. A FNR é uma besta de várias cabeças. Ela é ainda uma pesada força que busca encontrar a si mesma e que deve lidar com uma intolerância natural de forças que, historicamente, têm estado desvinculadas.
O fenômeno interessante é que a maioria do povo hondurenho agora acredita numa possibilidade real de tomar o poder através da Força Nacional de Resistência. O povo está reclamando e propondo alternativas. Há uma infinidade de formas de manifestação popular que coincidem com uma onda de movimentos camponeses para reivindicar terras. Esta atitude coletiva é nova e pode evoluir numa plataforma política que rompa com o bipartidarismo e se constitua no motor das mudanças sociais e democráticas do país para os próximos anos. No pior dos casos, se a FNR não consegue fazer isso, então uma crise social e política se aprofundará, o que irá fazer com que o país mergulho na anarquia e na miséria durante os próximos 30 anos.
IHU On-Line – Como a Igreja vem trabalhando e participando da política de Honduras?
Roque Rivera – As cúpulas, governos e círculos minúsculos da Igreja estão abertamente apoiando o regime de Lobo. Vemos claramente que, depois do golpe, o exército e a polícia estão guardando e protegendo as hierarquias da Igreja Católica e os pastores da comunidade evangélica.
Nos últimos anos, têm sido evidente as manobras dos líderes das igrejas para participar do poder político e do compartilhamento dos benefícios econômicos. Por isso, eles têm forte influência na reforma e aprovação das leis que melhoram seus privilégios. Além disso, estão fazendo uso de sua influência para gozar da impunidade estatal contra delitos que vão desde violência até assassinatos.
As igrejas estão numa campanha aberta através de seus púlpitos contra as reformas políticas e demandas sociais da população hondurenha. A tendência obvia é o retrocesso de um sistema de governo laico até uma plutocracia eclesial.
IHU On-Line – Como você analisa o governo de Porfírio Lobo?
Roque Rivera – Lobo é a cabeça visível de um sistema de governo que se impôs com um golpe de estado e, como tal, está muito longe do modelo que o povo encontrou nos últimos anos do governo Zelaya.
É um governo considerado usurpador e antidemocrático pela forma como chegou ao poder. Lobo não goza da aceitação do povo hondurenho, porque é considerado ilegítimo e totalmente impopular. Estas percepções têm se aprofundado pelas medidas econômicas, políticas e militares que são usadas para se consolidar no poder. Ele ignora o golpe, tem colocado na estrutura do governo os assassinos e golpistas. Lobo está usando a força bruta de um estado repressor para assassinar líderes da oposição popular, está violando direitos fundamentais das maiorias. Além disso, o governo está destruindo as conquistas da luta dos sindicados e dos professores, tem aumentado o valor dos serviços públicos, está acelerando a privatização dos serviços e de empresas estatais, estão acelerando novas formas de neocolonialismo como as cidades modelos, entre outras irregularidades.
O governo está empenhado em proteger os golpistas e, com isso, limitar o retorno de Zelaya e outros exilados. Estão, portanto, consolidando as forças mais antidemocráticas e corruptas de Honduras.
IHU On-Line – Qual é o papel de Manuel Zelaya hoje em Honduras?
Roque Rivera – Zelaya é o maior líder popular da história que Honduras pode contar nos últimos cem anos. Zelaya segue influenciando as decisões das diversas forças que a frente estará tomando nos próximos meses e por isso é considerado um grande aglutinador. Ele é a pessoa que pode conciliar as diferenças da frente de resistência.
Para muitos, ele é um ícone popular e, portanto, é a pior ameaça para as forças obscuras do neocapitalismo que tem se apoderado do país.
IHU On-Line – A Igreja continua dividida?
Roque Rivera – As autoridades e a cúpula não estão divididas; estão claramente alinhadas com o regime golpista e plutocrático de Lobo e Micheletti. Os párocos, sim, estão divididos: uns estão de acordo com o papel da Igreja e outros justificando a luta popular desde a visão teológica.
IHU On-Line – Qual é o espaço que Honduras ocupa hoje na América Latina?
Roque Rivera – Diante do mundo da ultradireita, somos o baluarte contra a escuridão do comunismo. Ante o mundo civilizado, somos uma democracia em transição que está conseguindo acordar de um sono de séculos contra a opressão e a injustiça.
Em termos de indicadores econômicos, ocupamos uma posição vergonhosa porque estão aprofundando a pobreza e a miséria, as diferenças sociais, a violência e o crime, a vulnerabilidade ambiental, a repressão, a violação dos direitos humanos, os valores antidemocráticos, ou seja, somos um país caótico.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A repressão em Honduras continua. Entrevista especial com Roque Rivera - Instituto Humanitas Unisinos - IHU