18 Novembro 2021
O filósofo italiano Umberto Galimberti convida a meditar sobre os nossos sentimentos para não sermos prisioneiros da rede: “Os antivacina falam de liberdade, mas se tornam escravos das próprias ideias ao não as pôr em discussão”.
A reportagem é de Adalgisa Marrocco, publicada por L’HuffingtonPost.it, 17-11-2021. A tradução é de Anne Ledur Machado.
“As manifestações antivacina são organizadas por pessoas que falam de liberdade, mas se tornam escravas das próprias ideias ao não as pôr em discussão. Os antivacina não saem às ruas para manifestar uma opinião diferente, mas correm o risco de espalhar o vírus, tornando-se um perigo para outros: os dados dos contágios em Friuli Venezia Giulia demonstram isso. É um fenômeno que deriva mais uma vez do colapso da nossa cultura e da nossa escola, que não são mais capazes de formar mentes críticas. É o produto da falta de uma boa educação e de diálogo: elementos sem os quais continuamos sendo ‘valentões’ que se alimentam de informações infundadas.”
Quem conversa com o HuffPost é o professor Umberto Galimberti, filósofo, acadêmico e psicanalista, professor emérito da Universidade Ca’ Foscari, de Veneza.
Galimberti acaba de publicar “Il libro delle emozioni” [O livro das emoções, em tradução livre] (Ed. Feltrinelli, 2021), no qual reflete e nos convida a meditar sobre os nossos sentimentos para não sermos prisioneiros da rede e das mídias sociais. Um incentivo dirigido aos adultos, mas também e sobretudo aos jovens.
Professor, você escreve que, para os jovens, a rede é “um mundo que os codifica sem que o saibam, modificando o seu modo de pensar e de sentir”. Explique isso para nós.
Acima de tudo, a digitalização influenciou na socialização dos jovens, muito antes da pandemia. As pessoas já estão acostumadas a falar por meio da tela dos computadores e dos celulares, em vez de face a face. Os riscos que os jovens correm são efeitos da “desrealização”, razão pela qual nem sempre é fácil distinguir real e virtual, e da “dessocialização”, devido à solidão típica de quem vive e se comunica exclusivamente por meio da rede. A internet é capaz de nos pôr em comunicação com uma pessoa que mora do outro lado do mundo, mas, ao mesmo tempo, nos desacostumou a conhecer o colega de turma ou o vizinho de casa.
E a escola digital?
A digitalização excessiva da escola também pode gerar uma variação na capacidade de pensar dos mais jovens. Sabemos que o computador ensina a raciocinar com o código binário 0/1: talvez seja por isso que os jovens, ao serem confrontados com uma interrogação, só sabem dizer “sim”, “não” ou no máximo “não sei”. Ou, se forem convidados a expressar a sua opinião sobre questões importantes, muitas vezes se declaram simplesmente “a favor” ou “contra”, sem mostrar qualquer esforço de articulação ou de problematização. As respostas deles são dicotômicas, de código binário.
As últimas notícias contam isto: as pessoas parecem assumir cada vez mais posições tout court. Como se pode começar a problematizar?
Para fazer com que as pessoas comecem a problematizar, é preciso que elas assumam uma atitude filosófica, o que pressupõe pôr em discussão as próprias ideias. Só assim pode nascer um diálogo. Tomemos, por exemplo, os antivacina: trata-se de pessoas que não estão dispostas, de modo algum, a questionar as suas próprias convicções. Mas somente o debate com o outro permite receber informações que podem modificar a própria visão de mundo. E, veja bem, “diálogo” não significa “acordo”: “dia-” é o prefixo de muitas palavras compostas, derivadas do grego, que indica separação e distância. É justamente por meio dessa distância que nos enriquecemos, cultivando a própria tolerância.
A escola também deveria ser repensada para ensinar o diálogo?
Se a escola funcionasse, durante 30 anos não teríamos chegado ao populismo. Hoje, os problemas do sistema escolar são principalmente dois. O primeiro é objetivo: as turmas não podem ser compostas por 30 alunos, mas no máximo por 12-15, caso contrário é impossível reconhecer as diferentes inteligências (sempre se privilegia a lógico-matemática, mas existem a artística, a musical, até mesmo a corporal), muito menos os diversos percursos emocionais.
O segundo problema é subjetivo: há a necessidade de professores dotados de uma adequada preparação em psicologia do desenvolvimento, mas também de empatia, que é uma qualidade natural e não pode ser aprendida. Quem não a têm, para o seu próprio bem e o dos estudantes que vivem a delicada fase da adolescência, não deveria estar na cátedra.
No seu último livro, você escreve que a escola se limita a “instruir”, porque, pelas razões objetivas e subjetivas já mencionadas, ela não é capaz de “educar”. O que isso significa?
Educar significa acompanhar um menino ou uma menina na sua passagem do estado pulsional ao estado emocional, de modo que tenha uma ressonância emocional nos seus comportamentos. Um exemplo são os chamados “bullies”: no caso deles, o “sentir” é deficitário, porque nunca viveram momentos educativos que lhes permitissem sentir aquela ressonância emocional imediata que costuma acompanhar os nossos comportamentos. E o que a nossa escola faz em relação a eles? Ela os suspende da frequência escolar e lhes tira mais uma possibilidade de passarem do nível pulsional para o nível emocional, de tomarem consciência das suas ações equivocadas. Kant dizia que poderíamos até nem definir a diferença entre o bem e o mal, porque cada um a “sente” naturalmente por si só, mas hoje isso não é mais verdade. Os jovens devem ser educados para que possam entender e perceber a diferença que existe entre cortejar uma menina e estuprá-la, entre insultar um professor e chutá-lo. Educar, além disso, também significa levar ao sentimento.
O que isso significa?
Os sentimentos são fenômenos culturais, não naturais e, portanto, são aprendidos. Basta pensar nos antigos gregos, que representaram no Olimpo todos os sentimentos, as paixões e as virtudes humanas por meio dos deuses. Hoje, não usamos mais os mitos, mas, por exemplo, temos a literatura que nos conta o que é o amor em todas as suas formas, o que são a dor, a alegria, a angústia, o tédio, o spleen... Assim, graças às páginas literárias, quando a dor tiver que chegar, saberemos como enfrentá-la, teremos em mente a nossa saída. Mas a escola ainda não consegue ensinar tudo isso...
O que uma escola que não sabe educar produz na sociedade?
Vândalos, valentões, pessoas sem ressonância emocional. E, como dizíamos, é também por essa razão que o populismo encontrou espaço na Itália: quando uma pessoa não tem instrumentos para decodificar a realidade em que vive, basta uma simples frase que o toca emocionalmente para fazê-lo tomar partido.
Professor, neste momento, a nossa sociedade está sendo testada pela pandemia. Os contágios estão aumentando, as tensões são muitas. O que devemos esperar?
As pandemias dos séculos anteriores, com as quais se fazem tantas comparações, eram em sua maioria “regionais”. Devemos nos dar conta de que a Covid, por sua vez, é a primeira pandemia da era hiperconectada e globalizada: isso significa que o vírus ainda vai nos acompanhar por muito tempo, o desafio para o ser humano será se adaptar. Estamos acostumados a estar assegurados contra qualquer imprevisto, mas a vida não está assegurada contra nada: deveremos nos entregar à precariedade da existência, aceitando que hoje somos ainda mais precários do que no passado.
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“Os antivacina falam de liberdade, mas são escravos das próprias ideias.” Entrevista com Umberto Galimberti - Instituto Humanitas Unisinos - IHU