11 Novembro 2021
"Para reduzir a Pegada Ecológica, os países ricos precisam reduzir o consumo conspícuo e os gastos militares e os países pobres não podem emular o estilo de desenvolvimento do Norte Global", escreve José Eustáquio Diniz Alves, demógrafo e pesquisador em meio ambiente, em artigo publicado por EcoDebate, 10-11-2021.
Eis o artigo.
Para reduzir a Pegada Ecológica, os países ricos precisam reduzir o consumo conspícuo e os gastos militares e os países pobres não podem emular o estilo de desenvolvimento do Norte Global.
“As autoridades dizem que uma recuperação global da pandemia deve estar
enraizada no crescimento verde. Mas não existe crescimento verde.
O crescimento está apagando o verde da Terra”
George Monbiot (04/10/2021)
O hemisfério Ocidental – fundamentalmente a Europa e os Estados Unidos (EUA) – foi o grande emissor histórico de CO2, em decorrência da queima de combustíveis fósseis. Mas este quadro mudou no século XXI e o hemisfério Oriental – especialmente a China e a Índia – passou a ocupar o posto de maior poluidor do mundo.
O gráfico abaixo mostra que em 1959 os EUA respondiam por 32% das emissões globais, a União Europeia (27 países) respondiam por 21,9%, a China por 8,1% e a Índia por somente 1,1% das emissões globais. Mas em 6 décadas tudo mudou. Em 2019, a China passou a ocupar o primeiro lugar no ranking das emissões fósseis de CO2, com 30,6% das emissões globais.
Em segundo lugar os EUA com 13,5% do total, a União Europeia (27 países) com 7,5% do total e a Índia com 7% das emissões globais. Outra característica que solta aos olhos é que os EUA e a Europa27 apresentam emissões em queda nos anos 2000, enquanto a China e Índia apresentam tendência de alta. O mapa da poluição mudou, com o crescente peso da Ásia, que é o continente mais populoso do mundo.
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Emissões fósseis de CO2: EUA, Europa27, China e Índia: 1959-2019 (Fonte: BP 2020; Global Carbon Project 2021)
O gráfico abaixo apresenta a soma das emissões da China e da Índia e dos EUA e a Europa27. Em 1959, os EUA e a Europa27 eram responsáveis por mais da metade das emissões globais (53,9%), enquanto os dois países mais populosos do mundo eram responsáveis por somente 9,2% das emissões. Em 2019, o quadro se inverteu e China e Índia passaram a emitir 37,6% do total mundial e a soma de EUA e Europa27 caiu para 21%. No século XXI, os dois grandes países asiáticos apresentam tendência de alta das emissões enquanto os países ocidentais apresentam tendência de redução das emissões.
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Emissões fósseis de CO2: China + Índia e EUA + Europa27: 1959-2019 (Fonte: BP 2020; Global Carbon Project 2021)
Evidentemente, as emissões per capita são maiores nos países ocidentais. Porém, o maior volume de população e uma matriz energética mais sustentada no carvão mineral, fazem da China e da Índia os maiores emissores de emissões fósseis de CO2. Os gráficos abaixo mostram que China e Índia são mais dependentes do carvão, enquanto os EUA e a Europa27 mais dependentes do petróleo e gás. As energias renováveis são as que mais crescem atualmente, mas ainda possuem um baixo percentual na geração da energia de cada país ou região.
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Uso de energia nos principais países emissores de CO2: 2000-2020 (Fonte: BP 2020; Global Carbon Project 2021)
Na COP26, em Glasgow, mais de 40 países se comprometeram a eliminar gradualmente o uso do carvão mineral, considerado uma das fontes mais poluentes. A ideia é reduzir as emissões para manter o aquecimento global abaixo de 1,5º C, em relação ao período pré-industrial. Alguns dos principais produtores e exportadores de carvão, como Canadá, Chile, Polônia, Vietnã e Ucrânia, assinaram o compromisso.
Todavia, os 4 maiores usuários de carvão – China, Índia, EUA e Austrália não assinaram o documento. Além disto, a maioria dos países prometem a neutralidade de carbono para 2050, a China promete a neutralidade apenas para 2060 e a Índia para 2070. Portanto, o mundo vai continuar consumindo carvão e demais combustíveis fósseis e vai continuar emitindo CO2, apesar de todo o discurso a favor do controle do aquecimento global. Os países ricos justificam as emissões pois não querem ficar pobres e os países pobres querem emitir para manter o crescimento econômico, acabar com a pobreza e, preferencialmente, ficarem ricos.
Evidentemente, o mundo precisa de maior equidade social, mas também precisa reduzir a capacidade de carga da Terra. Por exemplo, os países da OTAN continuam investindo trilhões de dólares para manter a segurança e a hegemonia Ocidental. Os países orientais também investem somas cada vez mais vultosas para se defenderem e para combater o colonialismo que já provocou grandes danos ao Sul Global.
Assim, os gastos militares continuam alimentando o uso de combustíveis fósseis e elevando as despesas inúteis do ponto de vista social. O correto seria acabar com a corrida armamentista e promover o desarmamento, garantindo a paz e a solidariedade nacional e internacional, junto com a redução da Pegada Ecológica.
O relatório de 2020 do Instituto Internacional para a Investigação da Paz de Estocolmo (SIPRI – Stockholm International Peace Research Institute), publicado em 21/04/2021, mostra que os gastos militares no mundo, no ano passado, chegaram à impressionante cifra de US$ 1.981.000.000.000,00 (um trilhão e novecentos e oitenta e um bilhão de dólares).
Os cinco maiores gastadores em 2020, que juntos responderam por 62% dos gastos militares globais, foram os Estados Unidos, China, Índia, Rússia e Reino Unido. Enquanto isto faltam recursos para reduzir a dependência dos combustíveis fósseis.
Contudo, como escrevi recentemente: “Se os diversos governos do mundo cortarem pela metade os gastos militares e investirem este dinheiro na descarbonização da economia seria possível evitar um colapso ambiental global. Reduzir os gastos de guerra de US$ 2 trilhões para US$ 1 trilhão e investir estes recursos na mudança da matriz energética poderia contribuir substancialmente para um mundo mais pacífico e com mais sustentabilidade ambiental” (Alves, 27/09/2021).
Para reduzir a Pegada Ecológica, os países ricos precisam reduzir o consumo conspícuo e os gastos militares e os países pobres não podem emular o estilo de desenvolvimento do Norte Global.
Se o mundo continuar emitindo gases de efeito estufa, o efeito será devastador e pode gerar um colapso climático sem precedentes na história humana. Além do decrescimento demoeconômico, a comunidade das nações precisa mudar a matriz energética e substituir o uso do carvão, do petróleo e do gás.
Como disse George Monbiot: “Quase tudo o que está sendo dito por governos poderosos na COP26 é uma distração da tarefa central: manter os combustíveis fósseis no solo”.
Referências
ALVES, JED. Vamos nos preparar para o fim do mundo (do petróleo), Ecodebate, 27/07/2010. Disponível aqui.
ALVES, JED. Corte das despesas militares e descarbonização da economia, Ecodebate, 27/09/21. Disponível aqui.
George Monbiot. Groundtruthed, 05/11/2021. Disponível aqui.
Global Carbon Budget (04/11). Disponível aqui.
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China e Índia são dois grandes emissores globais de CO2. Artigo de José Eustáquio Diniz Alves - Instituto Humanitas Unisinos - IHU