22 Setembro 2021
A pesquisa “O chamado de Nugkui” resgata as estratégias de mitigação e adaptação frente às ameaças das mulheres awajún através da sabedoria ancestral e biojoias.
A reportagem é de Beatriz G. Blasco, publicada por Centro Amazônico de Antropologia e Aplicação Prática – CAAAP e Jesuítas da América Latina, 16-09-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
A apresentação do livro “Nugkui Untsumau” (“O chamado de Nugkui”) ocorreu na comunidade nativa Shimpiyacu, na região San Martín (Peru), fruto de pesquisa realizada entre 2020 e 2021 pela antropóloga Ximena Flores Rojas, através da coordenação em San Martín do Centro Amazônico de Antropologia e Aplicação Prática – CAAAP.
“Buscou-se identificar as estratégias que comunidade awajún, neste caso as mulheres awajún, tem para mitigar ou se adaptar à mudança climática”, explica Luna Contreras, coordenadora do CAAAP San Martín, “e se encontrou que as práticas de bio-joalheria tem uma potência impressionante para ajudar na recuperação e valorização da floresta, assim como a preservação cultural e para o impulso de uma iniciativa produtiva em harmonia com a natureza”.
Disto parte “Nugkui Untsumau / O chamado de Nugkui”, uma pesquisa que já está disponível em versão digital web e que, ademais, pode ser publicada e devolvida às duas comunidades e, especialmente, às 87 mulheres que com seus conhecimentos compartilhados a fizeram realidade, em forma de livro impresso. Desde a Organização Mulheres Artistas Nugkui, de Shimpiyacu, e da Associação Florestas das Nuwas, de Shamuyacu, todas elas são as autoras coletivas de um material que, sem elas, não teria sido possível.
A publicação foi apresentada em Moyobamba, na presença do ministro do Meio Ambiente, Rubén Ramírez, e outras autoridades regionais; e também nas próprias comunidades nativas. “Devolver-lhes seu conhecimento em forma de livro nas próprias comunidades é, ademais de contribuir na revalorização de suas práticas, honrar sua memória e suas lutas por defender suas florestas e territórios”, considera Contreras.
Quando a investigação já havia avançado, quando o documento já havia tomado forma, foi durante uma das reuniões de validação com as comunidades, quando foi definido o título. “Deve se chamar ‘O Chamado de Nugkui’, porque Nugkui é o espírito da Mãe Terra, o espírito que veio das profundezas para ensinar agricultura e canções mágicas às mulheres Awajún”. A proposta recebeu aprovação do grupo. E, como também é lembrado no livro, “para promover e fortalecer estratégias de mitigação e adaptação às mudanças climáticas precisamos de Nugkui, que ensinou as mulheres a cuidar, a conservar, a valorizar práticas que, como as biojoias, nos ensinam para se conectar com sementes, plantas, árvores, animais e vida”.
Para a antropóloga Ximena Flores, passar quase um mês em trabalho de campo compartilhando o cotidiano das mulheres Awajún de Shimpiyacu e Shampuyacu não é apenas um enorme aprendizado, é também uma das chaves deste livro. Desde o resgate da memória das avós, como Lucila Pijush ou Roxana Wajajai, (grandes mestras que explicaram detalhadamente a elaboração e o significado profundo de cada ornamento, alguns até desconhecidos das mulheres mais jovens), até identificar com elas as 24 espécies de plantas que são utilizadas no trabalho das biojoias Awajún ou para conversar com as mulheres enquanto elas teciam, cozinhavam e, até mesmo, acompanhá-las às suas chácaras.
No caminho para a chácara, a presidente da Organização de Mulheres Artistas Nugkui, Nélyda Entsakua, conheceu uma semente misteriosa, a kupat, redonda, preta e vermelha. “Nélyda me disse que ela está nas estradas, mas nem sempre há. É uma semente que os morcegos trazem e espalham e, segundo a mitologia de Awajún, quando é encontrada é um símbolo de que alguém vai engravidar”, diz a antropóloga. Curiosamente, durante o trabalho encontraram algumas sementes e, alguns meses depois, uma mulher de cada associação teve seu filho. “Os morcegos também fazem parte da nossa associação. Eles, como nós, são coletores de sementes”, brincou a presidente da associação durante as caminhadas.
“Acho que o que caracteriza as mulheres awajún é o profundo conhecimento que elas têm sobre a chácara, as plantas e os humanos e não-humanos da floresta. As mulheres têm processos contínuos de criação, produção e criatividade que foram e são muito importantes. Por exemplo, no seu dia-a-dia têm demonstrado capacidade de traçar caminhos na floresta, identificar espécies, comunicar-se com elas, gerar aliança e nutrir-se para que seus filhos também cresçam e sejam seres cheios de conhecimento, como bem como eles são”.
Para Ximena Flores, a força da mulher awajún é inquestionável, bem como a sua capacidade criativa, pois “souberam regressar à floresta, procurar as espécies que faltam” e adaptar-se “ao novo contextos de perigo trazidos por doenças, perda de matas e invasões de seu território. As mulheres awajún são capazes de criar novas vidas, novos mundos possíveis”. E é porque analisam continuamente o que precisam e, a partir disso, surgem novas mulheres awajún que, a partir da herança de suas avós, iniciam outros caminhos de resistência.
Percorrer e relembrar, buscar a memória das avós, possivelmente foi a parte mais bonita do processo. Assim aprenderam, por exemplo, o significado da pulseira que a mulher awajún usava no antebraço, a patakumtai. “Vovó Roxana nos disse que era um enfeite dado pelo marido e mostrava a relação que existia entre o marido e a esposa. Só a mulher, usando aquele adorno, cortava a vida do companheiro, para que o marido não morresse rápido”, diz a antropóloga.
Tanto Shimpiyacu como Shampuyacu se mostraram, desde o início, iludidos por esta pesquisa porque, como recordam Contreras e Flores, as duas comunidades através de suas associações querem visibilizar o papel transcendental que as mulheres tem para a conservação das florestas e a luta contra a mudança climática. “Elas são muito incentivadas a se posicionarem como agentes de transformação diante das mudanças climáticas. Muitas lembravam que o clima havia mudado, faltavam alguns animais, os solos não produzem mais os mesmos... nesses novos contextos anima muito que as vozes das mulheres sejam protagonistas de um livro”, diz Contreras, “ademais nessa conversa e descobrimento iam se gerando processos também de aprendizagem no interior das próprias comunidades, algo muito bonito, desde às sábias até as mais jovens”.
Cada semente, tecido, desenho e criação são, em essência, parte do papel que a mulher awajún tem como conhecedora e tutora da floresta. Guardiãs que, desde o anonimato, defendem a Amazônia pensando em sua cultura e tradição, mas, ao mesmo tempo, no futuro de toda a humanidade.
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Peru. Livro de mulheres awajún sobre sua luta contra a mudança climática - Instituto Humanitas Unisinos - IHU