24 Agosto 2021
“Cada um de nós deve jejuar de carne às sextas-feiras, em todas as semanas do ano. Tirar a carne de nossos cardápios de sexta-feira tem o duplo benefício de reduzir nossas pegadas de carbono (embora minimamente) e nos aproximar do Senhor. Aqueles de nós que puderem, podem até pensar em mudar para uma dieta baseada principalmente em vegetais, guardando carne para ocasiões especiais”, escreve Doug Girardot, graduado em História no Boston College, em artigo publicado por America, 23-08-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Quando o Painel Intergovernamental sobre a Mudança Climática (IPCC) publicou seu relatório, no dia 08 de agosto, eu me senti esmagado. Frente à surpreendente notícia que a janela da humanidade para mitigar os piores efeitos do aquecimento global está se fechando a cada ano, isso soou como se eu não tivesse mais nada o que fazer enquanto indivíduo para uma mudança significativa ao nosso planeta.
Mas, no dia seguinte ao relatório, eu vi um tuíte de Alessandra Harris, uma escritora católica, encorajando os católicos para deixarem de consumir carne às sextas-feiras. Eu pensei que esta era uma grande ideia – uma mescla saudável de rigor espiritual e ação ambiental. O consumo de carne, especialmente de gado, era responsável por um décimo dos gases de efeito estufa emitidos em 2019. Mais de 10 milhões de acres de floresta tropical foram arrasados apenas em 2020, principalmente para fornecer pastagens para o gado.
O conceito de não comer carne na sexta-feira foi especialmente novo para mim porque, como a maioria dos católicos hoje, cresci sem essa prática fora da Quaresma. Pelo que eu sabia, a igreja encerrou o jejum anual na década de 60.
Algumas pesquisas no Google depois, porém, descobri que a regra da carne nunca foi embora. Os católicos simplesmente se esqueceram disso.
De acordo com o Código de Direito Canônico, todos os católicos podem jejuar e se abster às sextas-feiras ao longo do ano para comemorar a paixão de Cristo, exceto quando uma solenidade cair nesse dia (nº 1249-53).
Para ser justo, as regras mudaram ligeiramente nos Estados Unidos na época do Vaticano II, mas não tão dramaticamente quanto as pessoas tendem a pensar (se é que pensam sobre isso). Em 1966, a Conferência dos Bispos Católicos dos EUA (USCCB, pelas siglas em inglês) divulgou uma declaração pastoral aconselhando que os católicos dos EUA tinham permissão para buscar formas alternativas de penitência às sextas-feiras, em parte porque a carne se tornou um alimento comum na cultura americana, ao contrário dos séculos anteriores. Ainda assim, os bispos recomendaram muito explicitamente que, sempre que possível, os católicos deveriam continuar a se abster de carne às sextas-feiras durante todo o ano litúrgico. Uma das razões para isso foi garantir que os católicos “preservem uma diferença salvadora e necessária do espírito do mundo” (nº 24b). Assim como a antiga Israel observava restrições alimentares para diferenciar-se de outras nações, o corpo de Cristo deveria omitir a carne de nossas refeições às sextas-feiras para nos destacar em meio à cultura mais ampla.
Nós, como católicos, faríamos bem em ouvir a mensagem dos bispos. É verdade que muitos de nós deixamos de integrar a religião em nossas vidas diárias, seja por negligência, vergonha ou medo. Como Pedro, na véspera da Sexta-Feira da Paixão, estamos mais do que prontos para proclamar que daremos nossas vidas por Cristo. Mesmo assim, parecemos incapazes de fazer sacrifícios simples em nossa vida diária para glorificar a Deus.
Além disso, o Catecismo da Igreja Católica afirma que as penitências, como a abstenção de carne na sexta-feira, “nos ajudam a adquirir domínio sobre nossos instintos e liberdade de coração” (nº 2043). Isso fala diretamente àqueles de nós na sociedade ocidental hoje, que temos apetites vorazes por novos bens materiais e mantemos estilos de vida baseados no consumo de combustível fóssil. Essas extravagâncias só podem começar a ser colocadas em perspectiva quando somos privados de alguma coisa – mesmo que seja apenas não comer carne por um dia.
A declaração da USCCB de mais de 50 anos atrás também diz que cada sexta-feira deveria ser “um tempo em que aqueles que buscam a perfeição estarão atentos aos seus pecados pessoais e aos pecados da humanidade, os quais são chamados a ajudar a expiar em união com Cristo Crucificado” (n. 22). O jejum também é um meio de reconhecer nossa natureza decaída como humanos. Em quase nenhum outro lugar a nossa pecaminosidade coletiva é mais aparente do que nas cenas de destruição ambiental que piscam em nossas telas com uma frequência assustadora: as superfícies dos oceanos em chamas como resultado de um derramamento de óleo; temperaturas 10 graus mais altas do que os registros anteriores no noroeste do Pacífico; incêndios florestais que ameaçam destruir locais de valor inestimável da antiguidade na Grécia.
E tão importante quanto o dano à própria natureza, nossa gestão vergonhosa do meio ambiente continua a deslocar, matar de fome e matar milhões de pessoas em todo o mundo, a maioria das quais vive nas periferias de nossa atenção e de nossa compaixão.
Portanto, concordo plenamente com a sugestão de Harris: cada um de nós deve jejuar de carne às sextas-feiras, em todas as semanas do ano. Tirar a carne de nossos cardápios de sexta-feira tem o duplo benefício de reduzir nossas pegadas de carbono (embora minimamente) e nos aproximar do Senhor. Aqueles de nós que puderem, podem até pensar em mudar para uma dieta baseada principalmente em vegetais, guardando carne para ocasiões especiais.
Além da ação política, precisamos de uma conversão fundamental do coração se quisermos resolver a crise climática. Submeter-nos a Deus por meio do jejum parece uma das melhores maneiras de começar.
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Novo Regime Climático. É tempo para os católicos voltarem a não comer carne às sextas-feiras (não apenas na Quaresma) - Instituto Humanitas Unisinos - IHU