Os atores da comunidade do futuro

Foto: Cathopic

17 Agosto 2021

 

"Para evitar um declínio que nos leva à morte, é preciso investir, recomeçar com novas propostas. Esta é a verdadeira resiliência! Haverá sempre uma extrema necessidade de voluntários, eles continuarão a fazer parte integrante do tecido eclesial", escreve Gigi Maistrello, sacerdote da diocese de Vicenza, em artigo publicado por Settimana News, 16-08-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.

 

Eis o artigo.

 

No artigo anterior falamos sobre como reconstruir as comunidades cristãs atualmente em crise. O sistema pastoral adotado até agora mostra todos os seus limites. O futuro das nossas comunidades está na força das relações. O presente artigo responde à pergunta: quem terá que assumir as comunidades”.

 

Na reflexão anterior propus aquela que poderia ser a comunidade cristã do futuro e agora ilustro os papéis dos atores protagonistas nesse cenário de paróquia.

 

Se o coração do futuro é a relação, direta consequência é a "presença". O papel atual do padre não é concebível: uma presença/ausência, por ser obrigado a se desdobrar e se multiplicar entre as várias paróquias.

 

Cada comunidade deverá ser presidida por pessoas capazes e presentes. É o passo decisivo na "visão": se queremos que a Igreja possa continuar sua missão evangélica, terá que procurar outros protagonistas. É preciso coragem, mas não há alternativa. Se não escolhermos esse caminho com determinação, poderemos nos deparar com um cenário catastrófico.

 

Até hoje, o único verdadeiro ator no panorama eclesial sempre foi o sacerdote. Os voluntários sempre estiveram ao redor do padre: dos catequistas aos animadores, sem esquecer as centenas de pessoas que ainda dão vida às nossas comunidades. Aqui está a passagem decisiva: entre o presbítero (cada vez menos presente por motivos evidentes) e os voluntários, deve haver novas figuras, pessoas que deverão entrar no cenário com sua humanidade, profissionalismo e fé.

 

Para evitar um declínio que nos leva à morte, é preciso investir, recomeçar com novas propostas. Esta é a verdadeira resiliência! Haverá sempre uma extrema necessidade de voluntários, eles continuarão a fazer parte integrante do tecido eclesial.

 

Detenhamo-nos, portanto, nestas novas figuras profissionais, que representam a verdadeira novidade: o guia de cada comunidade paroquial e o responsável do Centro Comunitário (o meu lema é: “uma comunidade, uma cabeça”).

 

O cura / a cura

 

O guia em primeiro lugar. Proponho chamá-lo com um nome antigo e ainda muito significativo: o/a cura. Uma figura que poderíamos escolher entre os diáconos permanentes, entre as religiosas ou aqueles leigos que possuam as características necessárias. Terá que ser uma pessoa que resida na casa paroquial (pelo menos de manhã à noite) e daí poderá gerir a paróquia, uma comunidade que é na realidade uma rede de relações.

 

Deverá se valer de toda a experiência acumulada pelas paróquias e repropor um coração no centro de cada cidade e de cada bairro: um rosto que acolhe, uma voz que atende ao telefone, uma resposta às perguntas dos voluntários que operam e se dedicam, uma companhia nas fases cruciais da vida dos fiéis.

 

O/a cura terá que viver esse serviço de forma exclusiva e por isso deverá ser reconhecido com um salário adequado. Até agora pescamos entre os recém-aposentados, mas teremos que escolher certamente entre pessoas maduras, mas em idade de trabalho. Deverá animar os momentos litúrgicos, em particular a celebração dominical e os encontros semanais de oração.

 

Uma pessoa que possua principalmente as qualidades reconhecidas: empatia, equilíbrio, sensibilidade, saber trabalhar em equipe, desapego do dinheiro. Também terá que ser formada nos fundamentos da nossa fé, embora não seja obrigatório ter participado de todos os cursos institucionais. Um/a cura proposto pelo presbítero e escolhido ao final pelo bispo, com mandato por tempo determinado e renovável.

 

O cura é a figura central na "visão" e deverá ser escolhido de acordo com critérios que coloquem a capacidade relacional em primeiro lugar. Não é uma transição fácil, porque viemos de uma cultura cristã voltada para a formação e a celebração.

 

Mesmo o diaconato permanente não está isento desse problema e, muitas vezes, se apresentam como candidatos ao primeiro grau da ordem sagrada pessoas que têm uma atração especial pela liturgia e estão dispostas a anos de estudo para poder sentar-se ao lado do celebrante principal.

 

O discernimento deve ser feito colocando a maturidade humana e as habilidades relacionais da pessoa em primeiro plano. Esta é a etapa mais delicada e esse juízo deve ser atribuído a pessoas capacitadas para a escolha. Não basta a opinião do pároco da comunidade de origem, nem mesmo do responsável diocesano pelos diáconos permanentes. É necessária a avaliação de pessoas que estão fora do mundo eclesial, psicólogos qualificados, especialmente mulheres, que sejam particularmente idôneos e focar na personalidade dos candidatos.

 

Vamos imaginar uma religiosa que se torna "cura". Uma verdadeira revolução! Estamos acostumados a ver as mulheres consagradas se movendo em grupos, em uma comunidade. Não quero entrar nesse tema tão delicado, mas para o futuro é necessário que a pessoas encarregada pela direção de uma comunidade não esteja necessariamente acompanhada por outras coirmãs semelhantes.

 

Poderia, inclusive, ser um grande impulso da vida consagrada no feminino. Prever essa oportunidade poderia realmente levar a uma mudança radical no papel das mulheres dentro da Igreja.

 

Nas vestes de cura, pode perfeitamente estar um leigo ou uma leiga, aplicando todos os critérios já delineados. Existem, nas nossas paróquias, pessoas que possuem todas as características que procuramos realçar, mas que nunca irão se candidatar. É preciso que ocorra a chamada certa. Aquelas que se autocandidatam, por outro lado, provavelmente não são adequadas!

 

O animador do Centro Comunitário

 

Outra figura profissional é o animador do Centro Comunitário.

 

Essa proposta coloca no centro o papel do Centro Comunitário, comumente chamado, ainda que impropriamente, de “oratório”. Quase todas as nossas paróquias possuem esse local, quase sempre localizado no centro da cidade ou do bairro.

 

Infelizmente, nestes últimos anos, o “oratório” perdeu seu significado, porque faltou uma verdadeira programação e, sobretudo, porque faltaram animadores capacitados. Existem associações (ver o “Noi”) que têm contribuído muito nos últimos anos para manter esses espaços abertos e nasceram experiências significativas, mas o declínio não parou, até porque são experiências que dependem exclusivamente do voluntariado. Ai de nós se faltarem os voluntários, mas deve haver uma figura central que atue como responsável e que viva esse papel como próprio trabalho.

 

Estamos sempre na lógica dos investimentos, elemento determinante para o enfrentamento dos desafios.

 

Nossos “centros comunitários” são o ambiente ideal para ajudar crianças, adolescentes, jovens, famílias, idosos a se encontrarem e, acima de tudo, a se integrarem. A parte da população (atualmente em torno de 10%) que vem da imigração precisa de um lugar assim. Onde poderíamos, melhor do que no centro comunitário, propor nossos valores como o acolhimento, o respeito mútuo, o diálogo, a atenção às regras, o conhecimento, o desejo de cultura, o espaço de criatividade, a confiança? Este é o preâmbulo para começar a falar sobre Deus!

 

Alguém irá objetar: "mas é um custo!". Claro, e sobre o tema econômico vamos refletir em um próximo artigo. Mas permitam-me que diga desde já que este é o âmbito em que as paróquias devem atuar em sinergia com as administrações municipais e com todos os representantes cívicos das cidades. Nessa frente, falta uma verdadeira programação e há um desperdício de energias, principalmente econômicas. O futuro obrigará o cura a sentar-se à mesa com o prefeito e dizer: “vamos entrar em sinergia, vamos fazer um projeto juntos, vamos escolher as pessoas mais adequadas e vamos trabalhar em harmonia!”.

 

O presbítero

 

(O “pievano”, padre reitor de uma circunscrição eclesiástica, termo italiano antigo, substituído atualmente por pároco. NT)

 

O modelo de padre que hoje opera em nossas dioceses está fadado ao fracasso.

 

As Unidades Pastorais, orientadas com os critérios atuais, não têm amanhã, porque não enfrentam o problema da falta de presbíteros e estão condenadas a se confrontar com a triste realidade. Seremos condenados a Unidades Pastorais cada vez maiores, quase como dioceses, com métodos de gestão iguais aos utilizados na condução de uma única paróquia.

 

O pároco continua a ser o centro, mas obrigado a diluir cada vez mais a sua presença, e os leigos estão destinados a serem abandonados à própria boa vontade, inventividade ou originalidade (cada vez mais espaços são liberados para quem tem vontade de ser protagonista sem, no entanto, possuir as qualidades adequadas!) ou (justamente aqueles que teriam as qualidades) a abandonar.

 

Temos o resultado diante de nossos olhos: igrejas vazias, igrejas fechadas, canônicas fechadas, canônicas à venda, canônicas usadas para outros fins (nobres, mas ainda assim "outros").

 

Atualmente, os párocos e os padres que cuidam das almas podem ser descritos e divididos, a meu ver, em três grupos, todos os três sem futuro.

 

Muitos párocos, os mais idosos e formados imediatamente após o Concílio, são obedientes e heroicos. Eles aceitaram o desafio da Unidade Pastoral assim orientada e se desdobram como loucos. Os empenhos pastorais não mudaram, apenas se multiplicaram: celebrações, reuniões, conselhos ... Não vou me alongar mais, porque esse cenário é facilmente compreensível.

 

Depois, há os padres, da geração sucessiva, que poderíamos chamar de "os informáticos - celebrativos". São aqueles que gostam das celebrações e que não vivem com constrangimento o fato de ter que celebrar quatro/cinco missas num domingo normal. Você também pode encontrá-los na frente de um smartphone ou de um teclado, conversando com os amigos e os fiéis virtuais, ou escrevendo sermões e reflexões para enviar urbi et orbi. Algo está errado.

 

Enfim, há outros padres - poucos na verdade - que "entenderam" e jogam com as contradições do cenário eclesial para sobreviver. De fato, aproveitam o fato de estarem em vários lugares ao mesmo tempo para obter um espaço pessoal e reservado. Em uma paróquia dizem que estão na outra e nesta dizem que estão em outra ainda. Na realidade, estão na casa canônica assistindo a um filme ou dando um belo passeio nas colinas! Como não os entender?

 

Em todos esses modelos de padre falta o coração do Evangelho: a relação. Um padre atarefado não tem o tempo material para entretecer relações profundas. Um padre informático e celebrativo não tem interesse pelas relações e prefere o sermão sem contraditório ou o teclado onde pode escolher seus amigos. O terceiro ... simplesmente desistiu!

 

Qual poderia ser o papel do padre na "visão" que proponho? Usei um termo - "o pequeno bispo" - e agora gostaria de o enquadrar melhor, indo desencavar uma palavra italiana antiga, embora ainda atual: "o pievano".

 

O “pievano” era antigamente um presbítero que tinha autoridade sobre as outras igrejas do território (as capelas) e residia na “pieve”, a igreja central de todo o território. O mesmo esquema não é possível hoje, mas existem alguns elementos que podem nos ajudar nas escolhas futuras.

 

O presbítero pode ser denominado “pievano”, porque reside na cidade ou no bairro central, tem a sua própria comunidade de pertença, ainda que não possa exercer a função de cura e a sua pertença a um território terá de ser melhor explicitada.

 

Sua tarefa central será a "sinodalidade". Terá que garantir que todas as paróquias que dependem da “pieve” caminhem em sintonia, na mesma estrada. Para tal manterá um contato semanal com os vários curas. Ele será responsável pelo discernimento para escolher os novos curas e propô-los ao bispo que tomará a decisão final.

 

Presente na história da Igreja, o “pievano” celebrará a Eucaristia e o pão consagrado será distribuído nas várias capelas. Ele preparará os pontos centrais da reflexão que o pároco fará em cada celebração festiva. Enfim, ele se encarregará da gestão econômica no que diz respeito à parte mais delicada, a do pessoal.

 

O padre do futuro também deverá ser um pequeno empresário e não poderá se escandalizar por essa tarefa.

 

Bastariam cinquenta padres (incluindo aqueles dos serviços diocesanos) para gerir uma diocese como Vicenza de cerca de seiscentos mil habitantes.

 

O número assim reduzido nos permitirá ir mais a fundo no discernimento e não ter medo se, por um ano, não haverá novas ordenações presbiterais. Um único seminário será suficiente para várias regiões.

 

Nota do Instituto Humanitas Unisinos – IHU

 

De 04 de junho a 10 de dezembro de 2021, o IHU realiza o XX Simpósio Internacional IHU. A (I)Relevância pública do cristianismo num mundo em transição, que tem como objetivo debater transdisciplinarmente desafios e possibilidades para o cristianismo em meio às grandes transformações que caracterizam a sociedade e a cultura atual, no contexto da confluência de diversas crises de um mundo em transição.

 

XX Simpósio Internacional IHU. A (I)Relevância pública do cristianismo num mundo em transição

 

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