16 Agosto 2021
O recente caso envolvendo a Polônia e a Alemanha deve nos fazer refletir sobre a relevância pública das revistas teológicas, que evidentemente tocam e abordam assuntos que não deixam indiferentes a sociedade civil, a cultura em geral e a opinião pública.
A opinião é de Giuseppe Lorizio, professor de Teologia Fundamental da Pontifícia Universidade Lateranense, em Roma. O artigo foi publicado em Settimana News, 13-08-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Nos últimos dias, junto com um amigo polonês – pois eu não conheço a língua – repassamos o último livro de Dariuzs Oko, professor da Faculdade de Teologia de Cracóvia e formador nos seminários poloneses.
O livro aborda os temas de dois artigos que o mesmo professor publicou nas edições de janeiro/fevereiro e março/abril da revista Theologisches, que se intitulava: “Sobre a necessidade de resistir aos lobbies homossexuais na Igreja” (“Über die Notwendigkeit homosexuelle Cliquen in der Kirche zu begrenzen”), enquanto o título do livro é “Lawendowa mafia” [literalmente: “A máfia da lavanda”] (Cracóvia: Wydawnictwo AA, 2020).
Seria possível pensar no habitual panfleto repleto de veemência contra a comunidades LGBTQ+, se os artigos não foram hospedados por uma revista com veleidade de cientificidade teológica e o seu autor não fosse um acadêmico da Pontifícia Universidade de Cracóvia.
O tom decisivo e às vezes violento de algumas expressões induziu um presbítero de Munique – muito ativo na pastoral com as pessoas e os casais homossexuais e que, em contraste com a recente disposição da Congregação para a Doutrina da Fé, abençoou alguns deles –, Wolfgang F. Rothe, a denunciar o autor ao tribunal de Colônia por incitação ao ódio contra uma minoria e atentado à dignidade humana.
No dia 6 de julho, o tribunal condenou, em primeira instância, o autor do artigo e o editor da revista a uma multa de 4.800 euros [30.000 reais], e agora está em curso o processo de recurso.
A notícia foi dada pelo jornal La Repubblica no dia 2 de agosto, e uma análise atenta e documentada do caso nos foi oferecida por Lorenzo Prezzi em Settimana News do dia 4 de agosto [traduzida e publicada pelo sítio do IHU no dia 5 de agosto].
Não é da minha responsabilidade entrar no mérito, enquanto, como teólogo, pretendo me interrogar e interrogar o método até aqui adotado nesse caso e, como professor e pesquisador, procurar compreender a acusação feita pela associação polonesa Ordo Iuris contra a justiça alemã de ferir a liberdade de pesquisa acadêmica.
Para além da contraposição cultural, teológica e pastoral entre alguns países do Leste Europeu e a própria Comunidade Europeia, à qual, contudo, pretendem pertencer, não se pode deixar de captar uma visão/interpretação do mundo ocidental como radicalmente corrupto por parte dos defensores das políticas, por exemplo, polonesa e húngara, que se erguem como defensores e apoiadores dos valores sagrados e invioláveis que a tradição nos dá.
Ao mesmo tempo, não se pode deixar de notar uma notável analogia entre esse modo de ler a cultura ocidental e aquele que de vez em quando é expressado pelo islamismo mais radical e, muitas vezes, também por amplas alas da ortodoxia intransigente.
E, enquanto estamos rodeados em nível propriamente cultural e antropológico, não podemos, no entanto, simplesmente ignorar e descartar essas posições críticas, quando expostas com respeito e devidamente documentadas; não podemos deixar de nos interrogar sobre o nosso modo, por exemplo, de considerar a mulher, a corporeidade, os objetos, nós mesmos; não podemos deixar de percorrer o longo e fatigante caminho de uma reflexão antropológica a partir das perspectivas subjacentes aos projetos de lei que são discutidos e aprovados nos nossos parlamentos. E isso para evitar o tão evocado e deplorável “conflito de civilizações”.
Sobre o método, em primeiro lugar, deve-se destacar que o tribunal alemão baseou a condenação não tanto na lei contra a homofobia (que entrou em vigor no dia 18 de agosto de 2006), nem naquela que proíbe a “conversão” com métodos violentos (exorcismos, eletrochoques, feitiçarias, doutrinação etc.) de homossexuais (7 de maio de 2020), mas sim no artigo 130 do Código Penal alemão (no qual se enquadra a discriminação com base na orientação sexual).
Ele dispõe que quem, de modo a perturbar da paz pública, incita ao ódio ou à violência contra elementos da população ou fere a dignidade de outrem por meio de insultos ou ofensas é punido com pena de três meses a cinco anos de prisão, no horizonte do artigo 1 da Constituição (Grundgesetz), que afirma a intangibilidade da dignidade humana.
E essa escolha nos interpela, por motivos óbvios, e nos convida a encontrar nos textos fundadores e no Código Penal as motivações de condenação de quem incita à violência e ao desprezo contra pessoas e grupos.
Entrando no caso concreto, acho que a história deve nos fazer refletir sobre a relevância pública das revistas teológicas, que evidentemente, pelo menos na Alemanha, tocam e abordam assuntos que não deixam indiferentes a sociedade civil, a cultura em geral e a opinião pública.
Talvez não seria possível um caso semelhante na Itália, porque – e a longa experiência gerencial nesse âmbito me confirma isto – as revistas nas quais os teólogos escrevem quase não têm nenhum seguidor no mundo “secular” nem na comunidade eclesial e permanecem fechados nos círculos acadêmicos e nas bibliotecas, em vez de serem lidos e discutidos publicamente. Isso induz a uma reflexão sobre os assuntos tratados nesses órgãos e, eu diria sobretudo, sobre a linguagem autorreferencial e enigmática que é adotada na maioria dos casos.
Se, por um lado, a iniciativa do Pe. Rothe teve o mérito, correndo também o risco de fazer publicidade e de desencadear um efeito bumerangue, de chamar a atenção para a questão, por outro lado, não podemos deixar de nos perguntar por que o debate não foi conduzido em primeiro lugar por meio de uma discussão teológica voltada a refutar as teses do Pe. Dariusz Oko, em vez de deferi-lo a um tribunal secular.
Não lemos, talvez, na Primeira Carta de Paulo aos Coríntios que “quando alguém de vocês tem uma questão com outro, como ousam levar o caso para ser julgado pelos pagãos e não pelos membros da comunidade? Então vocês não sabem que os cristãos é que vão julgar o mundo? E se é por vocês que o mundo vai ser julgado, seriam vocês indignos de julgar coisas menos importantes? Vocês não sabem que nós haveremos de julgar os anjos? Quanto mais as coisas da vida cotidiana!” (1Cor 6,1-3)?
No entanto, mesmo sem a referência à Palavra de Deus, parece-me que posso defender que, excluindo-se as expressões particularmente fortes e ofensivas, cuja avaliação continua sendo corretamente da competência do tribunal secular, as teses expostas nos dois os artigos de referência não são, aos olhos de quem exerce a profissão científica de teólogo, nada irrefutáveis.
Por exemplo, o parágrafo sobre as fontes (“Zu Quellen des Wissens und der Verteidigung”) contém uma série de autocitações, que deixam muitas dúvidas justamente sobre o caráter científico e acadêmico das argumentações. Além disso, a questão a se fazer é se, com base no que é relatado nas notas e nas referências do texto, é possível chegar a conclusões tão generalistas e a expressões tão duras quanto as relatadas em particular no parágrafo que associa a homossexualidade com a pedofilia e a efebofilia, no quadro daquilo que o autor define como parasitismo do lobby gay na Igreja.
A gratuidade de afirmações recorrentes não se sustenta cientificamente pela abundância das notas unilaterais e selecionadas de acordo com as preliminares das teses que se pretende sustentar. A cientificidade de um texto não é verificada pelo número de notas (70 em 56 páginas), mas pela qualidade delas.
Chama a atenção que tais falhas epistêmicas e científicas não tenham sido percebidas pelos pareceristas dos artigos, já que, pelo menos de nossa parte, uma revista teológica científica é obrigada a submeter a uma revisão por pares os escritos que lhe são propostos. Evidentemente (e também por isso, com razão, o editor da revista é questionado) quem avaliou o trabalho é conivente com aquilo que nele é afirmado e sustentado. Da mesma forma, eu considero evasiva a crítica de quem vê na sentença do tribunal um atentado à “liberdade acadêmica”, e estamos bem distantes da sentença sobre um “crime de opinião”.
Por outro lado, não me parece pertinente aquilo que é representado pela direção da Theologisches, segundo a qual o conteúdo dos dois artigos diria respeito a um problema de política intraeclesiástica, ou seja, a questão do poder de que o lobby gay tenderia a se apossar, e não a questão moral e teológica da homossexualidade.
Se isso fosse verdade, o caso não seria de competência de um tribunal secular. A leitura dos textos me convenceu do contrário: segundo quem os escreveu, a tomada do poder não ocorre porque estamos diante de um lobby, mas porque este seria constituído por pessoas homossexuais. Caso contrário, as próprias críticas deveriam ser dirigidas necessariamente a outros lobbies diferentes, também presentes no panorama eclesial.
Depois de consultar alguns dos meus ex-alunos (agora doutores) provenientes da Polônia e lá residentes, encontrei uma ampla confirmação e consenso com aquilo que Prezzi escreve com razão, com as devidas distinções, apontando para a distância entre as posições adotadas pelo Pe. Oko e a Igreja Católica polonesa:
“O texto aprovado pelos bispos poloneses e intitulado ‘Posição da Conferência Episcopal Polonesa sobre os temas LGBT’ em 2020 é mais matizado e atento. Em todo o caso, eles estão muito longe da interpretação que, a partir da dimensão histórica da moral bíblica, liga os sinais dos tempos à história comum, com um olhar mais disponível ao debate na cultura contemporânea (um texto de referência é ‘O que é o homem’, da Pontifícia Comissão Bíblica, de 2019).”
Para concluir, talvez seja oportuno, à espera da sentença do recurso, refletir sobre o que o Papa Francisco afirmou na sua viagem de volta do Rio de Janeiro (28 de julho de 2013), do qual não encontrei nenhum vestígio no aparato crítico produzido pelo Prof. Oko.
O Papa Francisco vai além da expressão mais citada, quando se refere à distinção entre ser gay e fazer lobby:
“Muito se escreve sobre o lobby gay. No entanto, eu não encontrei ninguém que me mostrasse uma carteira de identidade que diga ‘gay’ no Vaticano. Dizem que elas existem. Acredito que, quando alguém se encontra com uma pessoa assim, é preciso distinguir o fato de ser uma pessoa gay e o fato de fazer um lobby, porque nenhum lobby é bom. São ruins. Se uma pessoa é gay e busca ao Senhor e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la? O Catecismo da Igreja Católica explica isso de uma maneira muito bonita e diz: ‘Não se deve marginalizar essas pessoas por isso, elas devem ser integradas na sociedade’. O problema é não ter essa tendência; não, devemos ser irmãos, porque esse é um, mas se houver outro, outro. O problema é fazer lobby dessa tendência: lobby de gananciosos, lobby de políticos, lobby dos maçons, muitos lobbies. Esse é o problema mais grave para mim”.
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Um caso emblemático: sobre a homo-heresia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU