03 Agosto 2021
"Para 2021 a situação é ainda mais destacada, pois, pela primeira vez, o número de óbitos superou o número de nascimentos nos primeiros 7 meses de 2021, segundo dados do Portal da Transparência do Registro Civil, apresentados no gráfico abaixo. De janeiro a julho, houve 111.335 nascimentos e 113.495 óbitos, portanto a população fluminense apresentou um decrescimento vegetativo (nascimentos – óbitos) no período, com -2.160 pessoas. Esta redução populacional é inédita na história brasileira e fluminense", escreve José Eustáquio Diniz Alves, demógrafo e pesquisador em meio ambiente, em artigo publicado por EcoDebate, 02-08-2021.
Em algum momento da década de 2030 o estado do Rio de Janeiro deve começar um contínuo e persistente processo de decrescimento demográfico.
O estado do Rio de Janeiro tem uma série de especificidades em relação às demais Unidades da Federação (UF). Nenhum estado brasileiro tem uma história territorial e jurídica tão complexa. Em 1763, a cidade do Rio de Janeiro passou a sediar a capital do Brasil Colônia e, em 1808, com a fuga da Família Real de Portugal e a vinda para o Brasil, foi elevada à condição de capital do Império Português. Em 1834, a cidade do Rio de Janeiro tornou-se Município Neutro e, no ano seguinte, Niterói tornou-se a capital da Província do Rio de Janeiro. Com o advento da República, em 1889, a cidade do Rio de Janeiro passou à condição de Distrito Federal e a cidade de Niterói passou à condição de capital do Estado do Rio de Janeiro. Em 1960, com a transferência da capital federal para Brasília, a cidade do Rio se transformou em Estado da Guanabara. Em 1975, o atual Estado do Rio de Janeiro assumiu as suas feições atuais, quando se deu a fusão dos Estados da Guanabara e o antigo Estado do Rio de Janeiro. A ex-capital federal passou a ser a sede administrativa e política do Estado Fluminense, em substituição à cidade de Niterói.
Apesar das transformações recentes, que têm provocado um certo enfraquecimento da sua dinâmica econômica, o Estado do Rio de Janeiro sempre esteve na ponta dos acontecimentos nacionais. Também do ponto de vista demográfico, o Estado do Rio de Janeiro possui cinco características que o destaca dos demais estados brasileiros, como mostrado em (Cavenaghi e Alves, 2006):
Maior densidade demográfica – a extensão territorial do Estado do Rio (43,9 mil km2) é a terceira menor dentre as demais UFs do país, mas a população de 14,4 milhões, em 2000, era a terceira maior. Desta forma, a densidade demográfica de 327 habitantes por km2 é a mais alta do Brasil.
Maior percentual de população urbana – da população total de 14,4 milhões de habitantes em 2000, o Estado do Rio de Janeiro possuía 13,8 milhões localizados no meio urbano e apenas 569 mil no meio rural. Assim, a população urbana do estado representa mais de 96% da população total, muito acima do segundo lugar em índice de urbanização que era o Estado de São Paulo que, no mesmo ano, possuía um percentual de 93% de população urbana.
Maior concentração populacional metropolitana – a área metropolitana da capital do Estado do Rio de Janeiro, no ano 2000, era composta por 20 municípios e concentrava 75,6% da população total do Estado. Este número é muito superior à concentração metropolitana das capitais dos dois estados mais populosos do Brasil – São Paulo e Minas Gerais.
Maior índice de envelhecimento – o índice de envelhecimento é obtido dividindo-se a população de 65 anos e mais pela população com menos de 15 anos e reflete as mudanças ocorridas na estrutura etária da população. O Estado do Rio de Janeiro apresentava, segundo o censo 2000, 30 idosos para cada 100 crianças e jovens com menos de 15 anos, índice superior ao dos demais estados brasileiros. Este maior índice de envelhecimento é um indicador de que o Estado do Rio de Janeiro, nas décadas passadas, possuía as menores taxas de fecundidade do país.
Menor razão de sexo – a razão de sexo é obtida pela divisão do total de homens pelo total de mulheres, multiplicado por 100. No ano 2000, existiam 92 homens para cada 100 mulheres no Estado do Rio de Janeiro, enquanto a média nacional era de 97 homens para cada 100 mulheres.
Todas estas características ajudaram a fazer com que o Rio de Janeiro fosse o estado mais impactado pela pandemia. O gráfico abaixo, com base nas projeções do IBGE, mostra que o número anual de nascimentos fluminenses estava em 214 mil em 2010, subiu para 235 mil em 2015, caiu para 217 mil em decorrência da epidemia da Zika e voltou a subir em 2017 para 232 mil. Nota-se que a recuperação de 2017 não voltou ao patamar de 2015 e que a partir de 2017 o número de nascimentos iniciou uma trajetória de queda contínua. Já o número de óbitos tem uma tendência continuada de alta devido ao processo de envelhecimento populacional.
Pela projeção do IBGE as duas curvas estão programadas para se encontrar em 2040, com números de nascimentos e óbitos em torno de 180 mil. A partir daí as curvas se invertem e o Estado do Rio de Janeiro iniciará um processo de decrescimento populacional estrutural no restante do século. A estimativa é que haverá 153 mil nascimentos e 231 óbitos, com redução vegetativa anual de 78 mil pessoas em 2060.
Contudo, a pandemia da covid-19 provocou alterações conjunturais que não alteram o rumo geral da transição demográfica fluminense, mas que podem antecipar alguns números da tendência estrutural. Os registros da pandemia mostram que o Estado do Rio de Janeiro já registrou mais de 1 milhão de pessoas infectadas e cerca de 60 mil mortes. Além disto houve uma redução do número de nascimentos, pois muitas mulheres e casais adiaram suas decisões reprodutivas em função da gravidade do quadro pandêmico.
Desta forma, enquanto as projeções do IBGE, para o ano de 2020, indicavam 225.240 nascimentos e 130.064 óbitos (crescimento vegetativo de 95,2 mil pessoas), os registros do Portal da Transparência do Registro Civil registraram 195.206 nascimentos (30 mil menos do que o previsto) e 172.909 óbitos (42,8 mil a mais do que o previsto). Assim, o crescimento vegetativo foi de somente 22,2 mil pessoas em 2020.
Para 2021 a situação é ainda mais destacada, pois, pela primeira vez, o número de óbitos superou o número de nascimentos nos primeiros 7 meses de 2021, segundo dados do Portal da Transparência do Registro Civil, apresentados no gráfico abaixo. De janeiro a julho, houve 111.335 nascimentos e 113.495 óbitos, portanto a população fluminense apresentou um decrescimento vegetativo (nascimentos – óbitos) no período, com -2.160 pessoas. Esta redução populacional é inédita na história brasileira e fluminense.
Com o fim da pandemia haverá, provavelmente, redução dos óbitos e aumento dos nascimentos, mas dentro do marco das projeções do IBGE. Ou seja, o período de crescimento populacional contínuo do Estado do Rio de Janeiro vai, em pouco tempo, ficar para trás. Isto é, nas próximas duas décadas a população fluminense deve continuar crescendo, mas em ritmo cada vez mais lento. Com menores taxas de fecundidade, a base da pirâmide etária vai diminuir e haverá um aumento do envelhecimento populacional. Assim, em algum momento da década de 2030 o Estado do Rio de Janeiro deve começar um contínuo e persistente processo de decrescimento demográfico. Por conseguinte, a situação conjuntural de 2021 é apenas uma pequena amostra do que vai acontecer de forma estrutural em um futuro não muito distante.
Esta nova realidade parece ser inexorável mesmo na hipótese de aumento do fluxo imigratório. Evidentemente, muitas pessoas vão lamentar o passado e estranhar o novo padrão demográfico. Porém, não adianta querer contrariar as opções das pessoas e a nova realidade demoeconômica, mas sim defender políticas públicas que garantam o bem-estar social e ambiental diante de um novo cenário que deverá preponderar nas próximas décadas e séculos.
ALVES, JED. Óbitos podem superar os nascimentos no Brasil pandêmico, Ecodebate, 05/04/21:
Disponível aqui.
ALVES, JED. População e transição demográfica no Brasil: 1800-2100, Ecodebate, 07/07/21:
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ALVES, JED; CAMARANO, AA. Tendências demográficas e pandemia de covid-19, Webinário IPEA, 23/06/:
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ALVES, JED. Três séculos de população no Brasil e os três bônus demográficos, Apresentação Webinário IPEA, 23/06/2021:
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CAVENAGHI, S. ALVES, JED. A Dinâmica da Fecundidade no Rio de Janeiro: 1991-2000. A ENCE aos 50 anos: um olhar sobre o Rio de Janeiro / Escola Nacional de Ciências Estatísticas. – Rio de Janeiro: IBGE, 2006:
Disponível aqui.
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Dinâmica demográfica fluminense, pandemia e o decrescimento populacional. Artigo de José Eustáquio Diniz Alves - Instituto Humanitas Unisinos - IHU