14 Julho 2021
Assistimos realmente à proliferação de profissões que, aos olhos de quem as ocupa, não têm utilidade? Três pesquisadores britânicos colocaram a tese de sucesso do antropólogo David Graeber à prova das estatísticas.
A reportagem é de Romane Sauvage, publicada por Alternatives Économiques, 02-07-2021. A tradução é de André Langer.
Um em cada dez assalariados descobre que seu trabalho perdeu sentido com a pandemia, indica um estudo publicado no início desta semana pelo Centro de Estudos do Emprego e do Trabalho (CEET). Mas esse sentimento de inutilidade no trabalho não teve origem na pandemia, e todo o mérito é de David Graeber. Em 2013, ele apontou a proliferação dos “bullshit jobs”, ou “empregos de merda”, para qualificar esses empregos considerados inúteis pelos trabalhadores que os desempenham.
Segundo o antropólogo, esses empregos concentram-se nas finanças, no direito e na administração. Ao contrário, outras profissões, como os lixeiros ou as profissões da saúde, não podem desaparecer sem colocar em risco a sociedade: são, segundo ele, áreas onde os trabalhadores raramente acham inútil a sua ocupação, mas onde a remuneração raramente está à altura da tarefa.
O ano de 2020 pode ter dado crédito a essa teoria... Mas o professor da London School of Economics, que morreu no ano passado aos 59 anos, não teve tempo de colocar seu conceito à prova da crise da Covid-19.
No entanto, com base nos depoimentos que solicitou, bem como nas reações a um primeiro artigo que publicou sobre o assunto, David Graeber não afirmou ter atendido a todas as exigências da ciência rigorosa. É nessa direção que três pesquisadores das universidades inglesas de Cambridge e Birmingham queriam avançar, tentando verificar estatisticamente se esses “bullshit jobs” existem e a real extensão do fenômeno.
Levando a sério a teoria do antropólogo, eles a confrontaram com os números do European Working Conditions Surveys (EWCS) de 2005, 2010 e 2015. Em particular, os pesquisadores analisaram a proporção de europeus que responderam “nunca” ou “raramente” à seguinte afirmação: “Sinto que estou fazendo um trabalho útil”. Eles seguem, portanto, a intuição de Graeber de que os empregados são os mais adequados para qualificar sua ocupação como um bullshit job.
Surpresa: enquanto David Graeber evocou a taxa de 20% a 50%, até 60%, de “empregos de merda”, a equipe de pesquisadores ingleses detectou apenas 4,8%! Variações podem ser observadas dependendo do país, mas essa proporção nunca ultrapassa os 8%.
Outra suposição de David Graeber é que o número desses empregos de merda estava aumentando ligeiramente, devido à financeirização e à burocratização da economia. Aqui, novamente, os pesquisadores ingleses contradizem o antropólogo, pois descobrem que “nos países da União Europeia, a porcentagem de empregos de merda caiu de 7,8% em 2005 para 5,5% em 2010 e até 4,8% em 2015”.
Ainda assim, esse tipo de média pode esconder o aumento dos empregos de merda em determinados setores. De acordo com David Graeber, na verdade, eram principalmente setores como as finanças, o direito, a administração ou o marketing que estavam recheados de empregos inúteis. Mas os sociólogos não encontram vestígios desse fenômeno: “Não há evidências da existência de profissões de merda nas quais a maioria dos trabalhadores acredita que seu trabalho não é útil”.
“No entanto, nossos resultados sugerem que Graeber tem razão ao afirmar que os trabalhadores em certas ocupações, como os professores (1,7% acha seu emprego inútil) e as enfermeiras (1,3%), geralmente consideram seu trabalho útil, enquanto os vendedores estão acima da média em termos da proporção de empregos considerados inúteis (7,7%)”, observam.
Apesar de tudo, a maioria dos resultados obtidos pelos pesquisadores invalida o trabalho de David Graeber. No topo das profissões percebidas como inúteis por quem as exerce, em vez dos profissionais jurídicos e administrativos, encontramos... os lixeiros (9,7%)!
Seriam as intuições do antropólogo apenas um monte de bullshit? Contra todas as expectativas, esta não é de forma alguma a conclusão a que chegaram os autores desta contrapesquisa:
“Embora os dados nem sempre confirmem as afirmações de David Graeber, seu trabalho perspicaz e imaginativo desempenhou um papel importante na conscientização sobre as consequências dos empregos inúteis”, disse Brendan Burchell.
Portanto, não cabe a eles rejeitar as teses de Graeber, mas precisá-las.
Detalhando o sentimento de inutilidade no trabalho, os pesquisadores britânicos mostram, por exemplo, que existe uma forte correlação entre a qualidade da gestão e o fato de se sentir útil. Independentemente de sua ocupação, as pessoas que se sentiam respeitadas e encorajadas pela gerência eram menos propensas a declarar seu trabalho como um bullshit job.
“Por outro lado, eles observam que, quando os funcionários se deparam com uma administração desrespeitosa e ineficiente, que tem dificuldade em fornecer retornos aos funcionários, é menos provável que eles considerem seu trabalho útil.”
O bem-estar no trabalho e o sentimento de utilidade estão, portanto, intimamente ligados, ainda que esse sentimento nada diga sobre a utilidade da profissão em si, antes refletindo a realização do trabalhador. Assim, entre os trabalhadores que se sentem úteis estão aqueles que têm oportunidade de transmitir as suas próprias ideias, que têm tempo para fazer bem o seu trabalho e contam com o apoio dos seus colegas e das chefias.
“Inspirando-nos nos escritos de Marx sobre a alienação, sugerimos em vez disso (...) que a má gestão e ambientes de trabalho tóxicos podem impedir os funcionários de ver sua verdadeira utilidade”, afirmam os pesquisadores.
Se Graeber encontrou tanto eco para a sua teoria nas experiências dos trabalhadores, é, portanto, segundo os autores do estudo, porque muitas pessoas podem, em algum momento da vida, não ter sido valorizadas em sua função. Assim, como os bullshit jobs não existem em si mesmos e são apenas consequências de um ambiente nocivo no trabalho, os três pesquisadores destacam a importância da implementação de políticas públicas para erradicá-los. E reiteram a utilidade dos sindicatos na defesa dos trabalhadores diante desses ambientes de trabalho tóxicos.
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Os “bullshit jobs”, uma teoria de merda? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU