26 Mai 2021
Francisco atordoa os jornalistas do Vaticano ao lhes perguntar se alguém os está lendo ou ouvindo.
A reportagem é de Loup Besmond de Senneville, publicada por La Croix International, 25-05-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
“Há muitas razões para se preocupar sobre a Rádio Vaticano, sobre L’Osservatore Romano – mas uma toca meu coração: quantos escutam a rádio, e quando leem o Osservatore Romano?”.
O Papa Francisco atordoou os jornalistas do Vaticano com essas palavras em uma transmissão ao vido da rádio durante esta terça-feira, na sua primeira visita ao quartel-general das suas multimídias.
Os empregados, a maioria deles ligados ao jornal da Santa Sé e às operações de rádio e internet, aguardavam há muito a visita do papa.
Mas muitos ficaram atordoados porque levaram como uma crítica severa a seus esforços para comunicar as atividades e palavras do papa aos ouvintes e leitores de todo o mundo.
“Nosso trabalho é alcançar as pessoas”, Francisco disse na transmissão ao vivo.
“Todos os dias, perguntem a si esta questão: quantas pessoas nós alcançamos? Quantas pessoas recebem a mensagem de Jesus pelo L’Osservatore Romano?”, ele disse aos apresentadores da rádio.
O papa apontou que a central das mídias, a qual está localizada no edifício que foi a casa da Rádio Vaticano, foi lindamente remodelada desde que ele ordenou uma reforma no departamento de comunicações, no início de seu pontificado.
Mas ele disse que “tal beleza organizacional” arrisca ser como “a montanha que pariu um rato”.
“A questão que vocês devem fazer é: quantos? Quantas pessoas isso alcança? Porque há o perigo – para todas as organizações – que apesar de uma boa organização, bom trabalho, não chegue onde é necessário”, ele insistiu.
Pouco depois, Francisco continuou seus comentários críticos enquanto falava com um grupo de funcionários da mídia e jornalistas.
“Tenho visto este edifício bem organizado e gosto disso”, começou, após agradecer aos presentes pelo empenho.
Mas então ele os advertiu.
“A questão é se esse sistema vasto e complicado funciona”, disse ele.
“O grande inimigo de funcionar bem é o funcionalismo”, disse o papa, repetindo uma preocupação que expressou em relação a todos os setores da burocracia do Vaticano.
“Por exemplo, eu sou chefe de seção, sou secretário dessa seção, o líder. Mas tenho sete subsecretários”, começou.
“Está sempre tudo bem, ótimo. Se alguém tem um problema, vai até ao subsecretário que tem que resolver. O subsecretário diz: ‘Espere um momento; eu lhe retorno depois’. E a pessoa vai chamar o secretário... Quer dizer, eles são inúteis, incapazes de tomar decisões, incapazes de tomar iniciativas”, continuou o papa.
“O funcionalismo é letal. Coloca uma instituição para dormir e a mata. Cuidado para não cair nessa armadilha”, alertou.
“Não importa quantos lugares existem, se o estúdio é bonito ou não. O que importa é que funcione, que é funcional, e não uma vítima do funcionalismo”, insistiu Francisco.
“Para que uma estrutura seja funcional, todos devem ter liberdade suficiente para funcionar... que tenham a capacidade de assumir riscos e não pedir permissão, permissão, permissão... isso paralisa”, acrescentou, antes de instar os jornalistas do Vaticano a serem “corajosos”.
O papa concluiu seus comentários e, sem abrir a palavra às perguntas como muitos haviam previsto, ele passou a saudar e abençoar individualmente os presentes.
Jornalistas e outros funcionários do setor de mídia do Vaticano com quem La Croix conversou disseram que ficaram chocados com as críticas do papa.
“Foi muito desagradável”, disse um deles.
“Estávamos esperando uma mensagem de encorajamento e ele vem e nos bate, na rádio e na frente de todos”, disse a mesma fonte.
“Todo mundo está em choque. As pessoas estão chocadas”, disse outro funcionário ao La Croix.
Outros preferiram não comentar, mesmo anonimamente, as palavras do papa, tamanha foi a surpresa.
“O problema é que não sabemos realmente a quem isso se dirige”, disse um funcionário.
“Aos nossos chefes? A todos os jornalistas? À estação de rádio? Ou, mais amplamente, a toda a burocracia do Vaticano?”, a pessoa se perguntou.
O Dicastério para a Comunicação – como é oficialmente chamado o setor da mídia – é o segundo maior do orçamento da Santa Sé. Fica atrás apenas do serviço diplomático do Vaticano e de suas nunciaturas.
O papa lançou a reforma das comunicações em 2014 para fundir e consolidar o que eram vários escritórios de mídia distintos.
Um site multilíngue chamado, simplesmente, “Vatican News”, é um dos principais frutos da reforma da mídia. Atrai cerca de 680 mil leitores por dia.
O jornal, L’Osservatore Romano, recebe cerca de 20 mil visualizações online todos os dias. Apenas cerca de mil exemplares da edição impressa do jornal são vendidos diariamente.
A Rádio Vaticano continua sendo a ferramenta mais massiva, uma vez que é transmitida por mil estações de rádio em todo o mundo.
Esta não é a primeira vez que o Papa Francisco abala as pessoas que trabalham no Vaticano com suas palavras extremamente fortes.
Um dos exemplos mais memoráveis e chocantes foi durante suas saudações antes do Natal de 2014 aos chefes dos principais escritórios do Vaticano.
O papa jesuíta aproveitou a ocasião para recitar uma lista de “15 doenças” que ele acreditava estarem dominando a Cúria Romana.
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