27 Abril 2021
A última vez que eu estive pessoalmente com Frederic Collins, O.C.S.O., foi em dezembro de 2019, alguns meses antes da pandemia paralisar a sociedade, incluindo a Abadia de Getsemâni, no Kentucky, onde o irmão Collins é monge.
O artigo é de Gregory Hills, em artigo publicado por America, 23-04-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Ele estava muito interessado em política e no que está ocorrendo na Igreja, então passamos muito tempo discutindo tanto sobre o Papa Francisco quanto sobre o modelo de discurso político nos Estados Unidos, em meio a algumas taças de vinho. Collins lê vorazmente – mais de um livro por semana – então nós conversamos sobre o que ele estava lendo (na época, ele estava lendo uma grande biografia de Margaret Thatcher porque, como ele disse, discordou fervorosamente dela durante sua vida e queria entendê-la mais profundamente como pessoa).
O único apoio que o irmão Frederic Collins tinha com 97 anos na época era o andador que ele usava para andar. Ele já era o monge mais velho do mosteiro, mas quando fez 98 anos em 31 de março deste ano, tornou-se o monge mais velho na história dos 173 anos da Abadia de Getsêmani, o próprio mosteiro mais antigo ainda em funcionamento nos Estados Unidos.
Getsêmani é um mosteiro da Ordem dos Cistercienses de Estrita Observância, uma ordem religiosa contemplativa que enfatiza o silêncio e a oração. Dado este foco na contemplação, talvez seja surpreendente que, ao longo de seus 67 anos como monge em Getsêmani, Collins experimentasse uma profunda conversão que o levou a devotar grande parte de sua energia à causa dos pobres, uma causa que continua a ser primordial para ele.
Nascido com o nome de Ralph Patrick Collins Jr., em 31 de março de 1923, em St. Joseph, Missouri, era o mais velho de seis filhos. Seu pai era católico irlandês, embora raramente fosse à missa. Sua mãe, uma luterana alemã, concordou em criar os filhos como católicos. Ocasionalmente, havia orações na hora das refeições e as crianças eram todas enviadas para escolas católicas. Mas a religião desempenhava apenas um papel menor na família.
Ele se formou no colégio em 1941 e passou os quatro anos seguintes durante a Segunda Guerra Mundial com a Marinha no Havaí. Após o serviço militar, ele aproveitou a lei de benefícios a veteranos do pós-Segunda Guerra nos EUA, e frequentou a Universidade do Kansas, onde se formou em administração de empresas.
Depois de se formar em 1950, Collins passou os quatro anos seguintes trabalhando em negócios, primeiro para a Prudential Insurance Company e depois para a Ford Motors Company. Durante seus anos na escola e nos negócios, sua fé floresceu. Enquanto estava na escola, ele se envolveu com o Newman Center e ingressou em uma fraternidade católica. Nos anos seguintes, ele se envolveu mais com sua paróquia.
O pároco percebeu o interesse de Collins pela fé e recomendou que ele lesse a autobiografia de Thomas Merton, “A montanha dos sete patamares”. Ele nunca tinha ouvido falar de Merton e nada sabia sobre a vida monástica, mas o livro ressoou tão profundamente nele que em 1954 ele largou o emprego, deu o carro para seu irmão mais novo e pegou o ônibus para Kentucky.
Ele estava entre uma onda de vocações que viu o número de monges em Getsêmani quase dobrar de tamanho na década após a Segunda Guerra Mundial. “Quando cheguei a Getsêmani”, disse Collins, “eles me fizeram duas perguntas: Eu saberia cantar? Não! Eu sabia latim? Não!”. Ele foi, portanto, feito irmão leigo em vez de monge do coro, uma distinção que desapareceu após o Concílio Vaticano II. Os monges do coro eram geralmente ordenados ou buscavam a ordenação, e cantavam os ofícios de oração na igreja em latim. Irmãos leigos viviam e trabalhavam separados dos monges do coro. Eles usavam hábitos marrons e recitavam o Ofício Divino em inglês. Collins estava no noviciado ao lado de outros 40 noviços e recebeu o nome de “Frederic” do abade.
Quando Collins chegou ao mosteiro, ele era fruto de sua educação. Como empresário formado em administração, ele não criticava o capitalismo de livre mercado dos EUA. Graças em grande parte à influência de Thomas Merton, que chegou a Getsêmani em 1941, a compreensão de Collins sobre economia mudaria na próxima década.
Embora o mosteiro estivesse em melhores condições financeiras em meados da década de 1950 do que nas décadas anteriores, o abade, dom James Fox, queria fortalecê-lo. Sabendo que Collins tinha experiência em negócios, Fox pediu-lhe para abrir e administrar um negócio de mala direta, vendendo primeiro queijo e depois bolo de frutas. Collins acabou gerenciando esse aspecto dos negócios do mosteiro por 10 anos.
A decisão do mosteiro de entrar no mundo dos negócios não agradou Merton, que considerou a comercialização do mosteiro uma capitulação ao mundanismo. Merton sentiu que Getsêmani era muito ativo, que não estava suficientemente focado na contemplação e entendeu que o novo negócio era mais uma forma de comprometer a vida contemplativa do mosteiro.
A ira de Merton era muitas vezes dirigida a Collins, que era, afinal, o gerente dos negócios do mosteiro. Ele pregou notas contra os queijos no quadro de avisos do mosteiro, em um ponto postando um poema chamado “CHEE$E” que terminava com os versos: “Poemas nada mais são do que uma brisa aquecida, dólares são feitos por Queijo Trapista”. Ele também enviou notas pessoais a Collins, uma vez que se referia ao negócio como “Queijos para Jesus”.
De sua parte, Collins uma vez aproveitou uma lacuna nas regras do mosteiro em relação ao silêncio para dar a Merton um pedaço de sua mente. A temporada movimentada foi em novembro e dezembro, e Merton veio com os noviços para ajudar. Como gerente, Collins teve permissão para falar, mas aqueles que vieram ajudar não. Collins aproveitou a oportunidade para enfatizar a Merton que os monges fizeram um voto de obediência, que o abade queria um negócio que pudesse sustentá-los, que a concepção de Merton de uma fazenda administrada a cavalo e charrete era romântica e irrealista e que era hora de Merton aceitar a vontade do abade.
Mesmo assim, Merton estava afetando Collins. “Continuei ouvindo o padre Louis [nome monástico de Merton] e lendo alguns de seus livros, e ele continuou me cutucando”, disse Collins. “Eu gradualmente concordava”.
O ex-abade, Timothy Kelly, lembra que, durante esse tempo, Collins estava preocupado que os funcionários leigos do mosteiro fossem respeitados e bem pagos, e ele desenvolveu uma reputação de ajudar os necessitados na área ao redor do mosteiro. Em 1966, o negócio gerava renda suficiente para sustentar as despesas de subsistência dos monges. Collins estava a essa altura cada vez mais preocupado com os negócios do mosteiro e fazia ao abade o tipo de pergunta sobre simplicidade e pobreza que Merton fazia a ele. Quando perguntou a dom James Fox se o negócio poderia parar de se expandir, Fox disse que não.
Desejando uma vida monástica mais simples e pobre, Collins se ofereceu como voluntário em 1966 para ir a um mosteiro no Chile que havia sido dado ao Getsêmani. Embora se tenha descoberto que a vida neste mosteiro era menos austera do que no Getsêmani, foi durante seus três anos no Chile que Collins teve sua “primeira experiência relacionando-se com os mais pobres dos pobres”.
Em 1969, Collins voltou para um Getsêmani mudado; Merton havia morrido e dom James Fox se aposentado. Em 1972, o abade que sucedeu dom James Fox, Flavian Burns, nomeou Collins como o monge de ligação com uma comunidade de famílias católicas formada a cerca de oito quilômetros do mosteiro. Chamada de Famílias de São Bento, essa comunidade contemplativa foi fundada por Carl Mitcham, um objetor de consciência que lecionava no Berea College.
Esta comunidade, e Mitcham em particular, “influenciou muito minha vida”, disse Collins. Merton já havia desafiado a perspectiva de Collins sobre o capitalismo e os militares. Por meio de Merton, Collins foi exposto à não violência de Gandhi, Dorothy Day e Martin Luther King Jr., bem como à não violência pregada pelo próprio Merton. Merton também levantou questões sobre a justiça do sistema econômico americano. Mitcham pressionou ainda mais Collins sobre essas questões e, de acordo com um dos monges de Collins, o padre Michael Casagram, o “contato de Collins com Merton e as famílias de São Bento trouxe uma mudança profunda em sua perspectiva”.
O abade Flavian Burns nomeou Collins tesoureiro do mosteiro em 1973, cargo que ocupou até 2013, quando se aposentou aos 90 anos. Timothy Kelly, que sucedeu a Burns em 1973, foi abade durante a maior parte dos anos em que Collins foi tesoureiro, e ele lembra que Collins era “a força motriz” por trás do mosteiro, dedicando uma parte substancial de sua renda aos pobres nos condados ao redor do Getsêmani. O mosteiro estava ganhando dinheiro mais do que suficiente para sustentar a si mesmo e às casas de suas filhas e, como Kelly disse, Collins achava que “devíamos algo à comunidade local, já que desfrutávamos de seus recursos”.
Em particular, Collins sentiu que o mosteiro, apesar de ser uma comunidade voltada para a contemplação e não para a ação, precisava fazer sua parte para aliviar o sofrimento dos pobres. Sob sua liderança, o mosteiro começou a doar dinheiro para organizações de caridade nas cidades vizinhas, como a missão de São Vicente de Paulo na vizinha Bardstown. O mosteiro também contratou a irmã Judy Popp das Irmãs de Loretto para distribuir fundos diretamente aos pobres rurais, chegando a fornecer-lhe um veículo para que pudesse atender às necessidades do maior número de pessoas possível.
Collins também se envolveu pessoalmente com os pobres. Ele trabalhou com a Habitat for Humanity, servindo no conselho, ajudando a construir casas e visitando famílias ajudadas pela organização. Ele regularmente dava dinheiro do mosteiro diretamente para vizinhos pobres, visitando-os em suas casas e conhecendo-os como pessoas. Ele ainda mantém contato com muitos daqueles a quem ajudou ao longo dos anos.
Hoje em dia, tanto por causa de sua idade quanto da pandemia, Collins não está tão pessoalmente envolvido com os pobres da vizinhança como antes. Ele se levanta às 3 da manhã e passa grande parte da noite em oração e meditação. Depois da missa às 18h15, ele se dedica à lectio divina (leitura meditativa da Escritura). Quando não está orando nos ofícios de oração, que geralmente ora sozinho como irmão leigo, ele passa a maior parte do dia fazendo o que chama de “leitura leve”, embora poucos considerem o material de leitura de Collins “leve” (ele me deu um retrato de sua leitura em uma carta na primavera passada: “Quero que sejas”, do teólogo tcheco Tomáš Halík; o livro monumental sobre a história do capitalismo, “The Enchantment of Mammon: How Capitalism Came to be the Religion of Modernity”, de Eugene McCarraher [“O encantamento dos tesouros: como o capitalismo tornou-se a religião da modernidade”, em tradução livre] e Capital e Ideologia, do economista francês Thomas Picketty).
Os dois últimos livros, em particular, apontam para a preocupação contínua de Collins com a disparidade econômica. Os pobres estão continuamente em sua mente.
“Embora eu seja meio irlandês”, disse ele, “minha devoção mariana é com Nossa Senhora de Guadalupe e com os pobres”.
Assim, ele ora diariamente a Nossa Senhora de Guadalupe pelos marginalizados e, durante o ano passado, concentrou sua atenção naqueles que passaram pela devastação econômica resultada da pandemia. Ele também estudou recentemente sobre o problema do racismo nos Estados Unidos e mencionou que apreciava particularmente o trabalho do padre Bryan Massingale, professor da Fordham University, que trabalha com justiça racial e a Igreja Católica.
Em seu 98º aniversário, Collins, sem dúvida, passou o dia fazendo o que normalmente faz. Ele se exercitou e leu. E ele levantou em oração os pobres e marginalizados que estiveram em primeiro plano em sua mente durante grande parte de sua vida monástica.
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O monge de 98 anos que discutiu com Thomas Merton sobre fazer queijos (e capitalismo). Mas a preocupação com os pobres mudou sua mente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU