Boff, o abismo climático e o Brasil

Fonte: PxHere

Mais Lidos

  • Esquizofrenia criativa: o clericalismo perigoso. Artigo de Marcos Aurélio Trindade

    LER MAIS
  • O primeiro turno das eleições presidenciais resolveu a disputa interna da direita em favor de José Antonio Kast, que, com o apoio das facções radical e moderada (Johannes Kaiser e Evelyn Matthei), inicia com vantagem a corrida para La Moneda, onde enfrentará a candidata de esquerda, Jeannete Jara.

    Significados da curva à direita chilena. Entrevista com Tomás Leighton

    LER MAIS
  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

24 Abril 2021

 

“A emergência climática clama por uma rápida negociação, na qual é vital a advertência de Boff: enquanto houver pobres, especialmente na medida em que seu número aumenta, mais é necessária uma teologia da libertação”, escreve John Saxe-Fernández, coordenador do Programa O Mundo no Século XXI, do Centro de Pesquisas Interdisciplinares em Ciências e Humanidades, da Universidade Nacional Autônoma do México, em artigo publicado por La Jornada, 22-04-2021. A tradução é do Cepat.

 

Eis o artigo.

 

Toda filosofia, ciência social ou teologia da libertação requerem, como disse Leonardo Boff, um diálogo profundo com a nova visão do mundo, das ciências da vida, da Terra, do cosmos. Foi como se manifestou em uma esclarecedora entrevista com Annachiara Sacchi, do Corriere della Sera. A reflexão de Boff é de alta relevância. Chegou até nós quando a ONU entregou ao público mundial um relatório sobre o clima em 2020, detectado por seus especialistas, pela comunidade científica e por uma crescente população atingida e expulsa por fortes furacões e imensos incêndios florestais na América Central e na Califórnia. São catástrofes cada vez mais intensas, frequentes e mortais à biosfera e a humanidade.

Junto com a covid-19, mal administrada por supremacistas brancos, Trump e Jair Bolsonaro, abundam as críticas por ser inadmissível a inação climática dos Estados diante dos riscos existenciais de enorme proporção. Um fenômeno nefasto vinculado a pressões dos grandes interesses fáticos, também promotores do negacionismo climático e da postergação a qualquer regulamentação e contenção das emissões de gases do efeito estufa (GEE), dióxido de carbono e metano.

No orbe, existem mais de 1,5 bilhões de motores de combustão interna entre automóveis, caminhões, navios, aviação civil e militar, massacres, guerras e sanções econômicas ilegais realizadas pelos Estados Unidos contra o Iraque, Cuba, Venezuela, Irã, Afeganistão, Líbia, Síria, etc. Em meio a esta arruaça, enfrentamos um Colapso Climático Capitalogênico (CCC). Não é assunto para neomalthusianos. A população não é o problema. É o capitalismo realmente existente.

Abastecer este grande parque veicular, terrestre, marítimo, aéreo, civil e militar é o negócio e o Pentágono lidera no consumo de combustíveis fósseis.

No relatório da ONU sobre o clima em 2020 e em outros estudos, adverte-se que “foi um dos três anos mais quentes já registrados, marcado por incêndios florestais, secas, inundações e derretimento de geleiras da Groenlândia, Ártico e Antártida, o que levou António Guterres, secretário-geral da ONU, a alertar que o mundo está à beira do abismo. Ninguém o qualificaria de alarmista, como outrora, dada a dimensão catastrófica de eventos que anunciam mudanças abruptas e irreversíveis.

A emergência climática clama por uma rápida negociação, na qual é vital a advertência de Boff: enquanto houver pobres, especialmente na medida em que seu número aumenta, mais é necessária uma teologia da libertação. Marx nunca foi o pai ou padrinho da teologia da libertação.

A observação merece atenção pelo abissal aumento da pobreza mundial frente à pandemia e, além disso, pelo aumento da dívida global da covid-19, acentuando em ambos os casos a pobreza, a desigualdade e o caráter de classe do CCC.

Em uma amostra do Instituto Internacional de Finanças de 61 países, a covid-19 acrescentou 24 trilhões de dólares à dívida mundial (Nos Estados Unidos, seria de 24 trilhões, um valor imenso, um pouco superior ao seu PIB), chegando a dívida aos 281 trilhões. Dado o peso do ultraliberalismo, contemplam-se aumentos colossais e brutais na desigualdade, tanto na renda por pessoa, como em emissões de GEE.

No caso da negociação planetária sobre as emissões de carbono, a abordagem de Boff sobre a pobreza diz respeito a qualquer tratado vinculante sobre o clima que, diz a Oxfam (2015): “[...] deve antepor os interesses das pessoas mais pobres, vulneráveis e que geram menos emissões de carbono”. Seus dados: a metade mais pobre da população mundial gera apenas cerca de 10% das emissões em nível mundial e, no entanto, sua maioria vive nos países mais vulneráveis à mudança climática, ao passo que os 10% mais ricos da população são responsáveis por cerca de 50% das emissões globais. Além disso, a pegada média de carbono de uma pessoa que faz parte do 1% da população mundial mais rica pode ser até 175 vezes superior à de alguém que esteja nos 10% mais pobres.

Quando foi perguntado a Boff se era otimista, respondeu: “Na verdade, estou preocupado. A situação no Brasil é trágica: o ultraliberalismo de Jair Bolsonaro, a extrema direita política que faz apologia à violência e aos regimes ditatoriais, que exalta os torturadores como heróis nacionais... Nunca vivemos nada semelhante”.

Qual é a explicação? Respondeu que “por trás disso, está o projeto de recolonizar a América Latina e a obrigar a ser somente exportadora de commodities (carne, alimentos, minerais...). Nessa estratégia perversa, o Brasil é central”.

Por quê? Porque é um país riquíssimo, uma reserva de bens naturais que faltam no mundo. Como disse várias vezes o prêmio Nobel Joseph Stiglitz, nos próximos anos, toda a economia dependerá da ecologia. E o Brasil terá um papel primordial nesse jogo.

 

Leia mais