09 Março 2021
Profissionais da medicina querem Avaliação de Impacto à Saúde em licenciamentos de minas de carvão mineral. O grupo “Medicina em Alerta” trabalha a partir de evidências científicas e destaca preocupação especial com as doenças causadas ou agravadas pela poluição do ar.
A reportagem é de Flávia Lima Moreira, publicada por EcoDebate, 08-03-2021.
Profissionais da medicina que há alguns anos estudam os diferentes impactos das mudanças climáticas na saúde humana e do planeta decidiram unir esforços e ampliar sua atuação. Assim nasceu o grupo Medicina em Alerta.
Segundo o grupo, estudos científicos demonstram que é necessário agir imediatamente, sob pena de haver um grave recrudescimento de doenças diretamente provocadas pela poluição do ar. Vale lembrar que a poluição do ar está diretamente ligada às mudanças climáticas e que Porto Alegre, em vários dias, tem níveis de poluição acima do recomendado pela OMS. O que, segundo literatura científica, provoca um número considerável de doenças.
Alguns estudos liderados pela OMS, Breathelife, ONU Meio Ambiente e Coalizão de Clima e Ar Limpo são destacados pelo grupo e mostram que a poluição do ar causa 29% das mortes por câncer de pulmão; 24% das mortes por AVC; 25% das mortes por doenças cardíacas; e 43% das mortes por doenças pulmonares. Mundialmente, a poluição do ar foi responsável por 7 milhões de mortes em 2016, número comparável ao tabaco, que teve o mesmo número de mortes no mesmo ano (fonte: OMS e GBD 2016).
No Rio Grande do Sul, o grupo Medicina em Alerta está de olho nos possíveis impactos que a Mina Guaíba (empreendimento em fase de licenciamento que pretende explorar carvão mineral por mais de duas décadas) pode provocar.
Preocupados com os impactos que a exploração de carvão mineral da Mina Guaíba pode provocar em cerca de 4,5 milhões de pessoas que vivem na região metropolitana de Porto Alegre, os profissionais, diante do que promete ser a maior mina de exploração de carvão mineral a céu aberto da América Latina, alertaram o Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (CREMERS).
Ao CREMERS, médicas e médicos do grupo entregaram pareceres técnicos de seis sociedades médicas e duas sociedades de saúde, solicitando que o Conselho, diante das evidências levantadas e de pesquisas mundialmente reconhecidas, explicite para a sociedade a necessidade fundamental de uma Avaliação de Impacto à Saúde (AIS) da Mina Guaíba. As entidades que assinam os pareceres pedem uma AIS que seja “independente, sem conflitos de interesse e dentro dos padrões definidos pela Organização Mundial da Saúde”.
Assinam o documento: Sociedade Brasileira de Genética Médica e Genômica (SBGM); Sociedade de Neurologia e Neurocirurgia do Rio Grande do Sul (SNNRS); Associação de Psiquiatria do Rio Grande do Sul (APRS); Sociedade Rio-Grandense de Bioética (SORBI), Regional Rio Grande do Sul da Sociedade Brasileira de Bioética (SBB); Associação Gaúcha de Medicina de Família e Comunidade (AGMFC); Sociedade de Cardiologia do Estado do Rio Grande do Sul (SOCERGS); Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul (SPRS); Associação Brasileira de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (ABRASTT).
O mesmo movimento foi feito com a Associação Médica do Rio Grande do Sul (AMRIGS), que manifestou publicamente a necessidade de Avaliação de Impacto à Saúde (AIS) no projeto de instalação de minas de extração de carvão na região.
Segundo a AMRIGS, “a especialidade de Medicina de Família e Comunidade tem cada vez mais chamado a atenção sobre os efeitos das mudanças ambientais em relação à saúde, tendo em vista evidências robustas sobre o aumento de poluentes no ar que as minas de carvão a céu aberto acarretam na morbimortalidade das populações próximas”.
De acordo com um dos pareceres, “a poluição tem um impacto significativo na incidência de doenças neurológicas de uma maneira geral, merecendo destaque as doenças cerebrovasculares e neuropsiquiátricas. A exposição a substâncias particuladas resulta em dano ao sistema nervoso central, (…) aumentando o risco populacional de doenças como AVC, Doença de Parkinson, distúrbios do desenvolvimento, comprometimento cognitivo, depressão, etc”.
Outro parecer diz que a instalação da mina “provavelmente acarretará aumento de demanda por serviços médicos ambulatoriais e de emergências, bem como aumento de doenças crônicas a longo prazo e aumento de mortalidade a curto prazo”.
De acordo com o que pedem as entidades, a Avaliação de Impacto à Saúde deverá estimar os efeitos da poluição do ar e demais riscos produzidos pela mina, como a provável contaminação de água doce/potável, possíveis abalos sísmicos e o volume sonoro/barulho, produzindo estimativas baseadas na ciência sobre os principais impactos à saúde de toda população que vive e pode ser atingida pelas ações previstas nesse projeto. O que torna essencial um sistema de vigilância em saúde decorrente desse empreendimento.
A AIS deverá, também, esclarecer os impactos na saúde esperados em todos os estágios do desenvolvimento da mina de carvão e do Polo Carboquímico incluindo prospecção, escavação, extração (explosões), demais operações, transporte do carvão por veículos a diesel, desativação da mina, assim como os impactos do processamento do carvão.
As médicas e os médicos defendem, ainda, que a AIS deverá esclarecer a intensidade e o risco associado à exposição de diferentes grupos populacionais, incluindo trabalhadores e pessoas que vivem em Porto Alegre e na sua região metropolitana, como crianças, idosos, portadores de comorbidades cardiovasculares, pulmonares, entre outras.
A AIS deverá especificar em que tempo os efeitos na saúde serão esperados, levando em consideração janelas de exposição e time-lag entre a exposição e a manifestação das doenças para as diferentes populações e contaminantes específicos.
Outro ponto fundamental que as entidades pedem que conste na AIS é uma análise de custos para o sistema público de saúde decorrentes do diagnóstico e do tratamento de doenças causadas ou que tem sua evolução piorada pela poluição do ar e/ou pela contaminação da água resultantes do empreendimento na população da área metropolitana de Porto Alegre. O tempo de exposição deve ser incorporado na análise. Os custos por doença ocupacional (trabalhadores da mina) e de populações de áreas localizadas próximas à mina, cuja exposição é maior, devem ser individualizados. Custos indiretos como absenteísmo ao trabalho, invalidez, aposentadoria precoce ou morte prematura também devem ser considerados na estimativa. Os médicos sugerem que seja incluída uma análise do impacto em DALYs/Disease Adjusted Life Years.
Por isso entendem que as entidades representativas dos profissionais da saúde devem apresentar claramente à sociedade os riscos e os possíveis impactos à saúde de um empreendimento como este.
A Avaliação de Impacto à Saúde deverá contemplar, entre outros aspectos, o seguinte:
– Efeitos da poluição do ar;
– Efeitos da contaminação de águas;
– Efeitos sonoros;
– Segmentação dos impactos em diferentes grupos populacionais afetados;
– Estimativa do tempo de latência dos efeitos populacionais e identificar os fenômenos sentinela;
– Estimativa dos custos aos Serviços Públicos de Saúde;
– Estimativa dos custos em Saúde Ocupacional;
– Estimativa dos custos indiretos e a expectativa de vida corrigida pela incapacidade.
Atualmente, o licenciamento prévio da Mina Guaíba está suspenso pela Justiça Federal em função da exclusão do componente indígena no Estudo e no Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) da Mina Guaíba.
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Mina Guaíba e a necessidade da Avaliação de Impacto à Saúde em licenciamentos de minas de carvão mineral - Instituto Humanitas Unisinos - IHU