09 Fevereiro 2021
O historiador da Igreja Hubert Wolf explica como se chegou à definição de infalibilidade papal, como o catolicismo do século XIX foi inventado e o que o incomoda no Caminho sinodal.
Hubert Wolf, nascido em 1959, é professor da Universidade de Münster. Em seu último livro Der Unfehlbare (O infalível [em tradução livre] - ed. CHBeck, München) fala sobre o pontificado de Pio IX e analisa "a invenção do catolicismo" no século XIX.
A entrevista é de Michael Schrom e Christoph Fleischmannin, publicada por Publik-Forum, 29-01-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
O senhor escreveu recentemente que a Igreja Católica está se movendo na direção de uma seita fundamentalista. O que quis dizer com isso?
A Igreja se apresenta com o pretexto de partilhar as preocupações e alegrias das pessoas e interpretá-las à luz do Evangelho. Mas atualmente a Igreja está se concentrando em si mesma. E também não o faz corretamente, porque não está pronta para reconhecer suficientemente os crimes encobertos e pedir que os bispos culpados dos escândalos de abuso sejam responsabilizados. O que resta então? Uma forma de religião inclinada ao fundamentalismo, mas que nada tem a ver com o verdadeiro catolicismo. Catolicismo significa abertura, vastidão.
O catolicismo fundamentalista não começou há 150 anos com o pontificado de Pio IX?
Certamente uma tendência nasceu então. Mas a história mostra que mesmo assim não devemos falar de um catolicismo unitário, mas de catolicismos no plural. É como uma roda onde forças divergentes interagem e forças empurrando em direção ao centro. Em 1870, muitas forças estavam empurrando em direção ao centro; tentavam concentrar a Igreja em Roma. Ocorre até certo ponto com a dogmatização da infalibilidade papal com o Concílio Vaticano I e se expressa com a frase emblemática de Pio IX: "A Igreja, a tradição sou eu".
Seu novo livro começa com a Revolução Francesa e seus ideais. Em resposta, vemos o desenvolvimento da Igreja em direção ao absolutismo. Ter-se-ia alcançado a infalibilidade papal se não fosse pela Revolução Francesa?
A Igreja Católica, devido à Revolução Francesa, entra em uma grave crise, pois a filosofia do Iluminismo não se baseia nas religiões, mas cada vez mais na razão. A este ataque, a Igreja e os católicos reagiram de forma diferente. Que possibilidades havia? Havia os Iluministas católicos, que diziam que era necessário enfrentar as críticas das religiões e encontrar argumentos plausíveis para a fé e para a Igreja. Os eclesiásticos do Estado pragmáticos encontraram um modus vivendi com os novos políticos poderosos e tentaram, como bispos católicos, conviver com os novos protestantes poderosos na Alemanha e obter a maior liberdade possível para os católicos. Havia os românticos que se refugiavam na mística e em mundos opostos à dura realidade, e havia os ultramontanos que dirigiam seu catolicismo inteiramente para Roma e projetavam suas nostalgias reacionárias sobre o papa.
E estes últimos no final venceram.
Sim, de fato, no Concílio Vaticano I os ultramontanos se impuseram. Desta forma, no entanto, eles reinventaram a tradição da Igreja, pois agiram como se sua Igreja papal tivesse sido assim instituída por Jesus Cristo. Em vez disso, não há aquela continuidade sustentada pelos fundamentalistas entre o Concílio de Trento no século XVI e o Concílio Vaticano I em 1870. É interessante, porém, que precisamente aqueles bispos que eram contra o dogma da infalibilidade se reportassem ao Concílio de Trento. Trento evitou qualquer determinação dogmática sobre a relação entre a Igreja do Oriente e a Igreja do Ocidente, entre papa e bispos.
Do ponto de vista dos modernos estrategistas de marketing, Pio IX fez de tudo: criou uma marca forte e fechou as fileiras por dentro. Make catholicism great again.
Os "managers da tradição" de 1870 estabilizaram a Igreja, transformando-a em uma unidade de combate e tentando manter o pluralismo na Igreja o mínimo possível. Desta forma, do seu ponto de vista, conseguiram repelir o ataque maciço da Revolução Francesa. É um sucesso incrível dos ideólogos que focalizaram a Igreja no papa, de modo que até hoje os movimentos populares da Igreja ou Maria 2.0 se dirigem apenas ao papa se querem obter reformas.
Portanto, é um legado que permanece desde o século XIX.
Sim, mas não devemos dizer muito superficialmente que a Igreja Católica é uma Igreja Papal. Se era legítimo que a Igreja naquele tempo atualizasse as tradições de maneira inovadora, então as atualizações para responder aos desafios do presente também são legítimas hoje. Mas mesmo o Concílio Vaticano II não conseguiu limitar a plenitude dos poderes do Papa.
Na verdade, o que muitas vezes é esquecido, o Vaticano II confirmou expressamente a infalibilidade e o primado jurisdicional do papa.
E isso poderá ser alterado novamente?
Uma corrente muito poderosa na Igreja parte do pressuposto que a Igreja não pode ensinar uma coisa e então mudar tal ensinamento. O que era verdade ontem não pode estar errado hoje. Se assim fosse, seria possível mostrar a continuidade ininterrupta do ensinamento na história da Igreja. Mas isso é facilmente refutado com base em muitos exemplos. Há cinquenta anos, as cremações eram totalmente inimagináveis para os católicos, hoje são quase a regra. A pena de morte estava prevista no catecismo e depois foi retirada. A antiga doutrina da guerra justa não existe mais. A liberdade de consciência - banida por Pio IX como "erro pestilento" - agora é defendida pela Igreja. Esses exemplos demonstram que mudanças são possíveis na Igreja Católica.
Mas só se o papa quiser!
Como teólogo, devo dizer que um ensinamento que não é recebido é posto à prova. Tomemos a encíclica Huamae Vitae. A proibição da pílula não foi ouvida pela maioria dos católicos e católicas. Os bispos alemães na Declaração de Königstein de 1968 reconheceram e estabeleceram que os cônjuges que tomam a pílula por decisão de consciência amam a Igreja não menos do que os outros. Os bispos com o cardeal Döpfner, portanto, reinterpretaram muito claramente uma declaração feita pelo papa no mais alto nível. Raramente acontece, mas acontece.
Portanto, os bispos de hoje deveriam ser mais corajosos?
Sempre se afirma que nada pode ser feito em nível nacional, porque tudo deve ser regulado em nível de Igreja universal. Mas o próprio Francisco se manifestou contra essa opinião, já que realizou um Sínodo especial para a Amazônia. Embora o documento final seja um tanto nebuloso, Francisco confirmou, pelo menos indiretamente, que é competência e responsabilidade dos bispos brasileiros decidir se ordenar os viri probati (homens de fé comprovada, mesmo casados) como presbíteros. Portanto, mesmo na interpretação papal, parece legítimo que os bispos tomem decisões para uma região específica.
Dê-nos alguns exemplos da Alemanha.
O que há em contrário em deixar a soberania fiscal nas dioceses para comissões de leigos eleitos por todos? Não vejo nenhum dogma contrário. É assim que funciona na Suíça também. Ou por que os bispos não podem se impor e dizer: queremos consagrar mulheres-diácono? Estudos históricos mostram que havia mulheres-diácono consagradas que, pelo menos parcialmente, haviam sido consagradas no mesmo rito que seus colegas homens.
Quanto à consagração das mulheres: a proibição da ordenação feminina não foi afirmada por João Paulo II por meio da função da infalibilidade do papa?
Não, ele não se sentou na cátedra e não declarou: no exercício de meu alto poder formulo o seguinte dogma. João Paulo II se referiu ao Concílio Vaticano II e à extensão ali expressa da infalibilidade para todos os bispos quando o papa se torna seu porta-voz. E como ninguém entendeu que a proibição da ordenação de mulheres seria uma declaração final, a Congregação para a Doutrina da Fé mais tarde teve que explicar que o papa havia aproveitado a nova forma colegial de infalibilidade.
Então ele decidiu infalivelmente?
Só posso avaliar isso de uma maneira formal e não dogmática. Deveria ver as fontes que comprovam a unanimidade dos bispos sobre esse assunto. Se houver essa lista, eu diria que sim.
O senhor escreveu que são necessárias reformas efetivas e que não se trata de ter falsas esperanças sobre o Caminho Sinodal. O que tem contra o Caminho sinodal?
Absolutamente nada. Mas o problema básico está no fato de que há bispos que já estão dizendo: "Não podemos fazer nada". Não há competência e estrutura clara do ponto de vista jurídico como no Sínodo. O que então pode resultar de um processo de discussão de anos senão decepção? E os fiéis não concordarão em participar novamente dessa decepção.
Dever-se-ia renunciar ao Caminho Sinodal apenas porque falta a unanimidade dos bispos alemães?
Chegamos ao problema de quem escolhe os bispos. Precisamos de bispos que tenham apoio nas comunidades e ao mesmo tempo sejam confirmados pelo Papa. Caso contrário, os bispos são simplesmente apresentados aos fiéis.
As mudanças decisivas na Igreja Católica não vêm sempre de fora? Por exemplo, quando o dinheiro é retirado da Igreja ou quando a pressão política é forte o suficiente? Era assim no século XIX, ou hoje na China: lá o partido ateu escolhe os bispos e o papa só tem direito de veto, do qual evidentemente faz pouco uso.
Prefiro acreditar que as reformas na Igreja só funcionam quando a pressão é forte o suficiente de dentro e de baixo. Por exemplo, a reforma litúrgica não teria sido concebível sem o movimento litúrgico. Evidenciou-se na base e, em seguida, suas ideias foram bem-vindas no topo. A recente declaração de Roma de que as mulheres podem ler oficialmente do lecionário: aqui na Alemanha chega a ser cômico, há décadas isso é praticado em quase todos os lugares. Mas o mecanismo é sempre o mesmo: uma práxis que se impõe contra uma proibição é depois legitimada.
Essa declaração chega tarde demais; para as mulheres de Maria 2.0 é ridícula.
E elas estão certas. Porém, que em um documento romano as mulheres apareçam como sujeitos da liturgia, embora sempre tenha sido feito como se as mulheres não existissem, acho isso uma coisa notável. Temo outra coisa: que em nossa Igreja alemã não haja mais pressão de baixo suficiente, porque as pessoas preferem ir embora. Conheço muitas pessoas que antes estavam envolvidas em conselhos paroquiais e que nesse meio tempo foram embora.
Tente olhar para o futuro. Você mostrou que com Pio IX começou um processo de centralização no papa. O que deveria mudar? Estou muito dividido sobre isso. Por outro lado, o papa é muito importante como "porta-voz" do cristianismo. Mas qual é a tarefa do sucessor de Pedro? Testemunhar a morte e ressurreição de Jesus Cristo. Se fosse possível garantir que o seu magistério estivesse novamente ao serviço dessa função central de testemunho da fé cristã, então seria mais fácil alcançar a unidade ecuménica. Isso é o que eu espero.
O senhor está pensando então em uma espécie de presidência honorária do papa?
Numa época como a atual, a unidade não deveria ser posta em risco. Só não sei como é possível conciliar monarquia e colegialidade. Esse é o grande problema do futuro para a Igreja Católica. A história da Igreja oferece uma série de modelos interessantes. Apenas é preciso que sejam levados a sério.
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Precisamos de bispos corajosos. Entrevista com Hubert Wolf - Instituto Humanitas Unisinos - IHU