16 Dezembro 2020
“Às vezes dizemos a Deus, talvez por hábito, 'seja feita a tua vontade', mas raramente dizemos a um doente ‘se você quiser'. Muitas vezes os momentos de oração são totalmente ocupados por nós mesmos, pelos nossos pensamentos, pelas nossas preocupações, em vez de serem tomados pelo Senhor, pelo momento e pela sua presença”. Assim começou a carta de Natal enviada a amigos espalhados por todo o mundo pelos monges e monjas de Deir Mar Musa, a comunidade monástica fundada na Síria pelo jesuíta romano Paolo Dall'Oglio, que desapareceu em julho de 2013 enquanto estava em Raqqa, na época reduto das milícias jihadistas do Estado Islâmico (Daesh).
A reportagem é publicada por Agenzia Fides, 14-12-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Como todos os anos, a carta traça um breve relato das alegrias e vicissitudes que marcaram a vida dos membros da comunidade no último ano, olhando com um olhar de fé também para as tribulações, expectativas e consolações que cadenciaram o tempo em 2020 dos povos do Oriente Médio - a começar por aquele sírio - e de toda a humanidade. “Nosso mundo” escreve na introdução a irmã Houda, que vem liderando a comunidade nos últimos três anos, “precisa urgentemente de oração, porque é a única tábua de salvação para evitar que, devido à exploração da natureza e relações humanas ruins, se chegue a um fim catastrófico e destrutivo de tudo o que é belo.
A pandemia, que aterrorizou as pessoas e causou tantas vítimas - acrescenta a irmã Houda, introduzindo a primeira referência à infecção de Covid-19 - nada mais é do que um dos resultados de nossa abordagem irresponsável para com o mundo e para com a natureza. Mas a pandemia mais perigosa - acrescenta a irmã Houda - é aquela que atinge as almas e os corações, que contamina nossa relação com Deus e com o próximo, nas nossas comunidades, famílias, igrejas e no mundo”. Uma doença galopante "por causa da arrogância, da autossuficiência e do egocentrismo". Para aqueles que encontraram a graça de Cristo – ressalta a carta dos monges e monjas de Deir Mar Musa - “só existe um remédio eficaz: a reabilitação como discípulos de Jesus e o retorno ao amor genuíno somente por ele, um amor taumatúrgico que cura e repara as feridas da humanidade e restaura sua humanidade primordial”.
A carta dos irmãos e irmãs de Deir Mar Musa, entre outras coisas, contém o relato do retorno do Padre Jacques Mourad ao mosteiro de Mar Elian, de onde o monge sírio havia sido levado por um grupo de sequestradores jihadistas em 2015: “Pela primeira vez depois de ser libertado após o sequestro, o frei Jacques foi em junho com a irmã Deema e o frei Yause visitar o mosteiro de Mar Elian. O choque foi enorme; todas as oliveiras e outras árvores de fruto, plantadas há 20 anos, haviam sido arrancadas ou cortadas.
Essas plantas formavam um oásis que cercava o mosteiro para onde os habitantes de Qaryatayn, muçulmanos e cristãos, vinham com seus filhos que podiam brincar alegremente ali. Muitos são os obstáculos que impedem a retomada dos trabalhos em Qaryatayn, principalmente o número pequeno de paroquianos. Poucos deles, menos de 15 pessoas e a maioria solteiros, voltaram à cidade. No entanto, eles formam uma esperança concreta para o regresso de outros cristãos que desejam encontrar ao seu lado uma Igreja que os ajude na restauração das suas casas e a encontrar um trabalho que lhes permita uma vida digna. De vez em quando, a Comunidade vai celebrar a missa nas casas dos paroquianos ali presentes. No dia 9 de setembro celebramos a festa de Mar Elián de forma coletiva na igreja queimada do mosteiro, com a presença do pároco de Nebek e de um bom número de paroquianos”.
A carta dos monges e monjas de Deir Mar Musa também fornece detalhes impressionantes sobre os novos sofrimentos e também sobre as contradições que afligem o presente do povo sírio: "A situação econômica na Síria" relata-se na mensagem "está gradualmente piorando, no ano passado um dólar valia cerca de 540 liras sírias, hoje vale quase 3.000. O trabalho é precário para todos e um só emprego não é suficiente para sustentar uma família, mesmo que de forma nada digna. Também sofremos com a falta de gás e de diesel para aquecimento e para fazer funcionar as fábricas, incluindo os fornos; a fila dos pobres para comprar o pão pode durar meio dia, a do combustível pode, em determinados momentos, chegar a quilômetros e durar duas noites de espera no carro no caminho para o posto de gasolina. Nem se fala de remédios e cuidados médicos: tem agricultores que precisam vender suas terras para não deixar morrer um filho ou uma mãe doentes de câncer ou porque tem que fazer diálise...
Apesar disso, porém, tem quem pode comprar o pão em padarias particulares, quem pode comprar diesel, gás e gasolina a preços absurdos sem ter que esperar e fazer filas humilhantes, e se ficar doente pode buscar clínicas de luxo onde, inclusive, continuam sendo feitos também tratamentos de beleza”.
No final da carta, os monges e monjas de Deir Mar Musa expressam mais uma vez o desejo e a esperança de continuar a trilhar o caminho que começaram a percorrer junto com o Padre Paolo Dall'Oglio, seu fundador, apesar da dor de sua ausência: “O horizonte da amizade com o Islã e com os muçulmanos” consta na carta enviada aos amigos e benfeitores “está diante de nossos olhos e está presente em nossa oração; é dali que Cristo nos atrai para si. E nós, este pequeno rebanho, temos um pequeno desejo: que nos lembrem em vossas orações, para que Deus nos confirme na nossa vocação e nos dê paz e unidade sempre n'Ele”.
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Síria. Monges e monjas de Deir Mar Musa: entre guerras e pandemias, o amor de Cristo pode curar a humanidade ferida - Instituto Humanitas Unisinos - IHU