17 Novembro 2020
"É hora de o Brasil reagir. Deixar a banda ou a boiada passar é enfiar o pescoço (e o bolso) na guilhotina", escreve Frei Betto, frade dominicano, escritor, assessor da FAO e de movimentos sociais e autor de “Sexo, orientação sexual e ‘ideologia de gênero’”, entre outros livros.
Se a sociedade não se mobilizar, a reforma tributária proposta por Bolsonaro-Guedes promete tirar, a cada ano, R$ 32 bilhões dos trabalhadores com carteira assinada ao diminuir, de 8% para 6%, a contribuição patronal para o FGTS. (…) É hora de o Brasil reagir. Deixar a banda ou a boiada passar é enfiar o pescoço (e o bolso) na guilhotina.
A pandemia não apenas provocou crise sanitária no Brasil, mas aprofundou também a social. A pobreza aumenta. Dados divulgados pelo IBGE em 12/11 revelam que, em 2019, 51,7 milhões de brasileiros viviam na pobreza. Na extrema pobreza se encontravam 13,6 milhões de pessoas, com renda per capita inferior a R$ 151 mensais. Somos o nono país mais desigual do mundo.
O governo não tem política econômica, a inflação está de volta, a precarização do trabalho e a perda de empregos causam redução de renda e ampliam a miséria. Nem são precisos dados do IBGE. Basta circular pelas cidades e se deparar com o crescente número de pessoas desamparadas.
Hoje, em nosso país, 45,3 milhões de pessoas vivem em domicílios sem banheiro; 11 milhões dormem com mais de três pessoas no mesmo quarto; 53 milhões não dispõem de saneamento básico; e 76 milhões ganham, no máximo, R$ 534 por mês. Dados dos indicadores sociais do IBGE/2019.
Honra e mérito a Eduardo Suplicy em sua luta incansável, há décadas, em prol da renda básica da cidadania, viável até mesmo como medida global. Se dividirmos o PIB Mundial (calculado em cerca de US$ 84 trilhões) pelos 7,2 bilhões de habitantes do planeta, chegaremos ao valor per capita de US$ 11.667,00.
É possível assegurar a cada brasileiro uma renda básica mensal? Sim, solução existe; não há é vontade política de implementá-la: tributar grandes fortunas, altos rendimentos, e grandes propriedades urbanas e rurais.
Segundo Maria Regina Paiva Duarte, diretora do Instituto Justiça Fiscal, uma reforma tributária solidária, que taxe grandes fortunas e acabe com a desoneração a megaempresas, geraria justiça fiscal e receita anual de R$ 270 bilhões ao país, quantia que poderia ser revertida para a renda básica.
De acordo com a revista Forbes, em 2012 o Brasil tinha 74 bilionários com patrimônio declarado de R$ 346 bilhões; em 2019, eram 206 com mais de R$ 1,2 trilhão. Os 10% mais ricos da população concentram em mãos 43% da riqueza nacional, enquanto os 10% mais pobres apenas 1%. Se esses bilionários forem tributados conforme sua capacidade de contribuir, esses recursos poderiam ser deslocados para políticas públicas de redução de desigualdade.
Dados publicados pela Receita Federal, referentes às declarações do Imposto de Renda das Pessoas Físicas de 2018, mostram que somente 0,2% dos contribuintes (60 mil pessoas) declarou bens acima de R$ 10 milhões. Estimativa conservadora indica que, aplicado o imposto apenas sobre a riqueza que ultrapassar esse limite, seria possível arrecadar aproximadamente R$ 40 bilhões ao ano.
Outra medida que pode gerar recursos e contribuir para reduzir a injustiça tributária é modificar as faixas de alíquotas da tabela do Imposto de Renda das Pessoas Físicas, introduzindo alíquotas de 35%, 40% e 45% para rendas superiores a 40, 80 e 100 salários mínimos mensais, e aumentar o limite inferior de isenção de 2 para 3 salários mínimos mensais, desonerando mais de 10 milhões de contribuintes.
A injustiça tributária no Brasil precisa ser corrigida, o que poderia ser feito com a isenção de impostos sobre lucros e dividendos distribuídos pelas empresas a seus sócios, que vigora desde 1995. Para se ter uma ideia do que esta prática resulta, quem ganha mais de R$ 300 mil por mês tem 70% de sua renda livre de impostos. E a maior parte das rendas muito altas decorre de lucros e dividendos distribuídos. É preciso acabar com essa desoneração, que só existe no Brasil e na Estônia. Esses rendimentos precisam ser submetidos à tabela do imposto de renda de pessoas físicas por isonomia de tratamento com rendimentos assalariados. É uma óbvia questão de justiça.
Duas outras medidas seriam a criação de uma contribuição social sobre rendas altas, de 10%, com incidência imediata sobre os rendimentos das pessoas físicas que ultrapassarem R$ 600 mil mensais, e o aumento da alíquota máxima do imposto sobre heranças e doações para 30%.
Os valores estimados de arrecadação com a adoção de todas essas medidas somariam R$ 270 bilhões. Uma tributação progressiva e, portanto, mais justa.
Focar a diminuição da desigualdade apenas nos gastos com os mais pobres, como o Bolsa Família e o auxílio emergencial, revelou-se insuficiente nos últimos anos, além de não enfrentar a escandalosa concentração de renda e riqueza em nosso país.
Se a sociedade não se mobilizar, a reforma tributária proposta por Bolsonaro-Guedes promete tirar, a cada ano, R$ 32 bilhões dos trabalhadores com carteira assinada ao diminuir, de 8% para 6%, a contribuição patronal para o FGTS.
Propõe ainda acabar com as deduções no imposto de renda com despesas médicas e de educação, para o governo abocanhar, por ano, mais R$ 20 bilhões.
O governo pretende também substituir o PIS/Cofins pelo CBS (Contribuições sobre Operações com Bens e Serviços), o que aumentará a carga tributária da classe média, pois irá onerar sobretudo quem paga escolas e cursos, e profissionais liberais em geral, como terapeutas, advogados, arquitetos, e os que trabalham na área da saúde.
E uma nova CPMF haverá de reduzir o poder de compra do brasileiro e o rendimento das aplicações financeiras. Em 2019, a Receita Federal estimou que os 12,9 milhões de declarantes do imposto de renda deixaram de pagar R$ 4,6 bilhões devido à dedução com instrução, e outros R$ 15,5 bilhões com a dedução de despesas de saúde.
É hora de o Brasil reagir. Deixar a banda ou a boiada passar é enfiar o pescoço (e o bolso) na guilhotina.
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