10 Setembro 2020
Às portas de completar um ano da Assembleia do Sínodo para a Amazônia e no marco do Tempo da Criação, a Confederação Latianoamericana de Religiosos – CLAR, organizou, de 9 a 11 de setembro, um Seminário Virtual sobre Vida Religiosa e Amazônia, cujo tema é "Amazônia: Novos Caminhos para a Vida Religiosa e uma Ecologia Integral", tendo como foco o olhar da Vida Religiosa no contexto pan-amazônico.
A reportagem é de Luis Miguel Modino.
Segundo a Secretária Executiva da CLAR, "o objetivo é poder aprofundar e aplicar as iluminações do Sínodo da Amazônia para a vida religiosa, procurando favorecer o encontro e a reflexão coletiva com a vida religiosa, mas incluindo também os leigos e leigas que caminham na Amazônia, acrescentando a dinâmica da escuta das realidades amazônicas, sempre à luz do processo sinodal". Trata-se, afirma a Irmã Daniela Cannavina, de "discernir compromissos concretos em defesa da vida na Amazônia, que nos disporão para a missão em rede e em itinerância, que são dois pontos centrais". O Seminário foi dirigido, lembra a irmã, "à vida religiosa que tem presença na Amazônia, ou àqueles que gostariam de ter uma, para poder fazer esta rede".
O seminário está enquadrado em uma conjuntura na qual se destaca "a importância cada vez maior da Amazônia no contexto local e internacional e na salvaguarda do planeta, em contradição com o risco crescente de devastação de sua biodiversidade, de suas comunidades ancestrais e urbanas", afirma a secretária da CLAR. A partir daí, "é que a vida religiosa quer refletir e buscar uma ação muito mais ética e atualizada no contexto amazônico", de acordo com a religiosa. Nessa perspectiva, ela reconhece que "esse encontro tende a colocar esses pilares e nos ajudar a um contínuo e profundo discernimento para termos realmente uma presença ativa e de incidência na defesa do território amazônico".
É preciso fazer "uma leitura do que está acontecendo na Amazônia e das ações que podem ser realizadas", afirmou Dário Bossi, que vê a Amazônia como parte de um sistema maior, o capitalismo, que atingiu seus limites, baseado em um círculo vicioso de destruição, o que o tornou mais agressivo. Segundo o provincial dos Missionários Combonianos no Brasil, a Amazônia é uma das últimas fronteiras deste sistema, incentivando o extrativismo predatório, com o apoio de países que flexibilizam as leis ambientais, reduzem controles e multas, exportam commodites, facilitando a destruição e o acesso aos bens por poucos, em detrimento de muitos.
Neste contexto, a pandemia da COVID-19 chegou como um novo ataque, que se soma a um ataque estrutural, segundo o Padre Bossi, explicitando e amplificando as desigualdades. A pandemia é uma evidência do racismo estrutural que existe em nossas sociedades. Como exemplo, no Brasil, 48% dos indígenas hospitalizados morrem, 36% entre a população negra e 28% da população branca, uma leitura que poderia ser feita desde uma base econômica, segundo o religioso, que adverte sobre a perspectiva de um mundo mais pobre, com menos oportunidade de emprego, que vai inflamar os nacionalismos.
Diante das crises, Dário Bossi destaca a força da organização social e comunitária, que mostra soluções esperançosas, com organizações que pressionam os Estados do ponto de vista judicial e político, com maior organização política dos povos indígenas e posições eclesiásticas corajosas. Neste sentido, citou alguns exemplos, como a Assembléia Mundial da Amazônia, como espaço de encontro, a Campanha Amazoniza-te, as denúncias internacionais, no campo político e financeiro, a auto-proteção de líderes e comunidades ameaçadas, ou o compromisso urgente e concreto da CLAR, de pressionar para que o Acordo de Escazú seja aprovado.
A Vida Religiosa é chamada a contribuir para que a consciência amazônica seja fortalecida, de acordo com Birgit Weiler. A religiosa destacou a importância da escuta no processo sinodal, "que nos transforma a Cristo e a seu Evangelho", ajudando a "fazer da realidade um caminho de transformação que Deus quer fazer em nós". Uma metanoia é necessária, uma conversão da mente e do coração, em relação a Deus, à Terra e aos outros, insiste a perita sinodal, que vê a necessidade de escutar o grito da Terra, mas também as mensagens de vida em meio ao sofrimento.
Como Igreja, é necessário "ser aliados daqueles que conhecem o valor de seu território e protegem a Amazônia. Escutar o grito da Terra e dos povos, que é o mesmo, e fazê-lo junto com os povos, como companheiros na luta", segundo a religiosa. Ela vê necessário passar da escuta à conversão integral, buscar o que nos une e não o que nos separa, ver como o Espírito nos impele a gerar alianças. Isto deve ser traduzido em um diálogo inter-religioso com os povos originários e os afrodescendentes, em aprender a discernir juntos, em um processo sinodal, como irmãos e irmãs que caminham juntos e decidem escutar o Espírito, tornando possível uma Igreja disposta a "desaprender, aprender e reaprender" (IL 102).
Weiler refletiu sobre a importância dos sonhos em alguns povos amazônicos, seu potencial de transformação, levando à descoberta de seu potencial de resistência e resiliência em meio a ameaças. Neste sentido, ele afirmou que "os sonhos apresentados pelo Papa Francisco nos mostram que as coisas podem ser diferentes, elas nos encorajam". Isto se concretiza nas diferentes dimensões, como a social, que deve promover o diálogo, ou a cultural, baseada na ideia do poliedro amazônico, do qual o Papa Francisco fala no número 29 da Querida Amazônia, que nos chama a ver a Amazônia como um laboratório onde podemos aprender a viver juntos na diversidade, a transformar espaços de violência, de tráfico humano, de fome, como um lugar teológico, a ter uma boa vida como fonte de inspiração.
No caso da dimensão ecológica, que tem como caminho a ecologia integral, ela deve nos levar a promover a ética do encontro e do cuidado. Quando falamos da dimensão eclesial, que parte da sinodalidade, somos chamados a fortalecer as relações da Igreja em nível global, a valorizar o papel e o trabalho das mulheres, a superar mecanismos de clericalismo, de machismo, a encontrar na sinodalidade uma forma de ser irmãos e irmãs para gerar caminhos alternativos, enfatizou Birgit Weiler. A religiosa encerrou sua intervenção recordando as palavras do recém falecido Dom Pedro Casaldáliga: "Viver significa colocar um pé e um coração atrás do outro, no caminho que se abre".
Falar de missão deve nos levar a entender que "a Igreja é essencialmente missionária, como nos recordou o Concilio Vaticano II, seguindo o mandato de Jesus Cristo de anunciar o Evangelho" uma reflexão partilhada por Dom Cláudio Hummes. Segundo o presidente da Rede Eclesial Pan-Amazônia – REPAM, e da Conferência Eclesial da Amazônia – CEAMA, o Papa Francisco retoma este mandato missionário para nosso tempo no seu documento programático, Evangelii Gaudium, onde aparece que “hoje todos somos chamados a esta nova saída missionária”. Ele chama a “uma conversão pastoral e missionária que não pode deixar as coisas como estão”, dizendo sonhar com "uma opção missionária, capaz de transformar tudo, procurando mais a evangelização do mundo atual do que a autopreservação".
Segundo o cardeal Hummes, "o Sínodo especial para a Amazônia nasceu deste impulso missionário do Papa Francisco". Ele lembrava o encontro do Papa Francisco com os bispos do Brasil no Rio, onde lhes apresenta a Amazônia como teste decisivo, banco de prova para a Igreja e a sociedade brasileira. Naquele encontro, lembrava Dom Claúdio, "o Papa Francisco falou sobre a importância de consolidar um clero autóctone e o rosto amazônico da Igreja". A partir dai a Amazônia tornou-se um dos temas fundamentais do Papa, segundo o presidente da CEAMA. Nesse sentido, ele destaca que "o contexto mundial também indicava nessa direção, pois a crise climática e socioambiental no mundo todo, crescia e ameaçava o futuro do Planeta. A Amazônia mostrou ter importância fundamental para o futuro saudável da nossa casa comum".
O Papa intuiu que a Igreja missionária na Amazônia precisava ser relançada, o que foi se desenvolvendo até a decisão de convocar um Sínodo para a Amazônia. Dom Cláudio define esse momento como um processo muito intenso, durante o qual foi criada também a REPAM, "que se tornou o principal serviço de preparação do Sínodo no território". Nesse sentido, ele insiste em que "a REPAM continua sendo esse grande serviço missionário e sinodal, agora ao lado, intimamente conectada com a CEAMA".
Para o cardeal brasileiro, "o Documento Final do Sínodo e Querida Amazônia, são documentos que continuam todo esse processo e o iluminam, insistindo no relançamento da Igreja na Amazônia, uma Igreja em saída missionária, encarnada, inculturada e intercultural, com rosto amazônico, que deve cuidar da nossa casa comum, num projeto de ecologia integral". Nessa perspectiva, a CLAR quer convocar e encorajar os religiosos e as religiosas para esta missão, segundo o cardeal Hummes, que afirma que "o Papa confia em que no processo de aplicação das indicações sinodais, a vida religiosa assuma a missão e se sinta chamada a caminhar com os povos da Amazônia".
Querida Amazônia e o Documento Final mostram as pistas sobre como deve ser essa missão da vida religiosa na Amazônia, falando em apostar em uma vida religiosa com identidade amazônica, fortalecendo as vocações autóctones. Dom Cláudio falava que "a vida consagrada deve ter a coragem evangélica de priorizar a missão". Esta missão, segundo o purpurado, exige caminhar junto com todos, mas preferencialmente com os povos indígenas e os pobres e vulneráveis da região, sem renunciar à proposta de fé que recebemos do Evangelho, levando aos outros a proposta da vida nova, anunciando um Deus que ama cada ser humano. Por isso, ele insistia em que "a Igreja espera de vocês, religiosas e religiosos, uma decisiva opção de partir em saída rumo à Amazônia, onde sempre estiveram".
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“A Igreja espera de vocês, religiosas e religiosos, uma decisiva opção de partir em saída rumo à Amazônia”, afirma Dom Cláudio Hummes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU