05 Setembro 2020
Quando se trata das notas privadas de um pontífice, o mundo geralmente tem que esperar até que eles morram para ter acesso a elas, mas o Papa Francisco tornou públicas algumas de suas anotações pessoais nesta semana.
A reportagem é de Inés San Martín, publicada por Crux, 04-09-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Elas abordavam o Sínodo dos Bispos de outubro passado sobre a Região Amazônica e o debate sobre a ordenação de homens casados ao sacerdócio, os chamados viri probati.
“Houve uma discussão (...) uma discussão rica (...) uma discussão bem fundamentada, mas nenhum discernimento, que é algo diferente de chegar a um bom e justificado consenso ou a maiorias relativas”, escreveu ele.
“Devemos entender que o Sínodo é mais do que um Parlamento; e, neste caso específico, não podia fugir dessa dinâmica”, escreveu Francisco.
“Sobre esse assunto, ele foi um Parlamento rico, produtivo e até necessário; mas não mais do que isso. Para mim, isso foi decisivo no discernimento final, quando pensei em como fazer a Exortação.”
A exortação é a “Querida Amazônia”, o documento final do Sínodo, escrita pelo Papa Francisco e publicado em fevereiro.
Francisco argumenta que “uma das riquezas” da pedagogia sinodal é deixar essa lógica parlamentar de lado para “aprender a escutar, em comunidade, aquilo que o Espírito diz à Igreja”. Foi por isso, explicou, que ele mudou a dinâmica dos sínodos, para que, depois de certa quantidade de falas dos participantes, houvesse tempo para a reflexão silenciosa.
A nota sobre os viri probati e a decisão de Francisco de não incluí-los como uma possibilidade para suprir a escassez de padres na região da floresta tropical foi publicada pela revista jesuíta La Civiltà Cattolica, em um artigo escrito pelo padre jesuíta Antonio Spadaro, que participou do Sínodo e é considerado um assessor próximo do pontífice. O artigo intitula-se “O governo de Francisco: o impulso propulsor do pontificado ainda está ativo?”.
Spadaro argumenta que a forma de Francisco governar a Igreja universal é marcada pela sua formação como padre jesuíta, dando muita importância a um processo de conversão, entendido não como uma “piedosa referência espiritual ineficaz, mas sim um ato de governo radical”.
A bacia amazônica, frequentemente rotulada como um dos pulmões do mundo, ocupa partes do Brasil, Peru, Colômbia, Venezuela, Bolívia, Equador e Guiana Francesa. Em outubro passado, centenas de bispos, mas também padres, especialistas e lideranças indígenas, se reuniram em Roma para falar sobre como a Igreja Católica pode cumprir a sua missão na região da melhor forma possível.
Uma das propostas que foi mais acaloradamente debatida, tanto dentro quanto fora da sala sinodal, foi a possibilidade de ordenar homens casados ao sacerdócio para tentar enfrentar a escassez de padres na região.
Na nota publicada por Spadaro, Francisco escreve que às vezes o “mau espírito” acaba “condicionando o discernimento, favorecendo posições ideológicas (de um lado e de outro), favorecendo conflitos exaustivos entre setores e, o que é pior, enfraquecendo a liberdade de espírito tão importante para um caminho sinodal”.
Quando isso acontece, continua o papa, cria-se uma atmosfera que acaba “distorcendo, reduzindo e dividindo a sala sinodal em posições dialéticas e antagônicas, que em nada ajudam a missão da Igreja”.
Isso significa que cada um acaba “entrincheirado na ‘sua verdade’, acaba se tornando prisioneiro de si mesmo e das suas posições, projetando em muitas situações as próprias confusões e insatisfações. Assim, caminhar juntos torna-se impossível”.
Caminhar juntos, escreveu o papa, significa dedicar um tempo à escuta honesta, “capaz de nos fazer revelar e desmascarar (ou pelo menos de ser honestos) a aparente pureza das nossas posições e de nos ajudar a discernir o trigo que – até a Parusia – sempre cresce no meio do joio”.
“Quem não realizou essa visão evangélica da realidade se expõe a uma inútil amargura. A escuta sincera e orante nos mostra as ‘agendas ocultas’ chamadas à conversão”, acrescentou o papa.
Na “Querida Amazônia”, a linguagem aberta de Francisco pareceu deixar em aberto a possibilidade de que, no futuro, homens casados que tenham tido um “diaconato permanente fecundo” possam ser ordenados sacerdotes na região, como descrito no documento final do Sínodo – embora ele não aborde a questão diretamente.
Em vez disso, ele escreve que “todos os esforços devem ser feitos” para garantir que as pessoas da região, algumas das quais só veem uma padre uma ou duas vezes por ano, tenham acesso regular aos sacramentos, especialmente à Eucaristia e à confissão.
Spadaro argumenta em seu artigo que essa não é uma questão de resolver “quem tem razão e quem está errado, muito menos em dizer se o papa concorda ou não com o tema da ordenação sacerdotal de viri probati”. O jesuíta escreve que a nota do papa é sobre como as decisões são tomadas e a necessidade de um discernimento que seja “verdadeiramente livre”.
O sínodo, escreve ele, é um lugar de discernimento no qual surgem propostas, e o ensino papal que provém dele na “Querida Amazônia” é de ouvir propostas, mas também de “discernimento do espírito que as exprime, para além de qualquer pressão midiática ou de maiorias referendárias”.
Se não houver condições para um verdadeiro discernimento, escreve Spadaro, o papa não prossegue, sem negar a validade das propostas, mas, em vez disso, pede discernimento e discussões continuados.
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Papa diz que Sínodo usou “lógica parlamentar” ao debater padres casados - Instituto Humanitas Unisinos - IHU