25 Agosto 2020
Ao longo de sua história, a China nunca parou de se renovar. Quando uma grande dinastia estava de joelhos, uma nova era começava: o país tinha que renascer de suas cinzas. Uma visão geral dos impérios. Este artigo é retirado da edição especial da revista La Vie “Renaissances. Comment se relever des grandes crises” (Renascimentos. Como se recuperar de grandes crises), disponível nas bancas de jornal ou para download em nosso site.
A reportagem é de Jordan Pouille, publicada por La Vie, 17-08-2020. A tradução é de André Langer.
Após a conquista de diferentes reinos, Qin Shi Huangdi, fundador da dinastia Qin (221-206 a.C.), tinha uma obsessão: unir o país para garantir a paz. Tudo é feito para que os povos das regiões conquistadas possam se comunicar entre si, comerciar e se tornar interdependentes. Ferramentas comuns, como a escrita única e a moeda, são adotadas, e pesos e medidas são padronizados. Até uma largura idêntica para as carretas e as estradas que elas percorrem são adotadas. Qin Shi Huangdi inicia a construção de uma grande muralha, multiplica os canais e manda construir três “rodovias”, com uma via central para seu uso exclusivo. Estas últimas infraestruturas ligam a capital imperial da época, Xianyang, à Mongólia Interior, ao Estreito de Bohai e ao Mar da China Oriental, ou seja, o Norte, o Leste e o Sul. Elas permitem um melhor controle do poder central sobre os governos locais e facilitam a chegada de éditos imperiais às tropas militares. Em suma, elas promovem a criação de um Estado organizado.
Infelizmente, o país não está pacificado de forma duradoura. As revoltas das províncias onde permanece a memória dos antigos reinos precipitaram sua queda. Com a dinastia Han (206 a.C. – 220 d.C.), que sucedeu a dinastia Qin, o confucionismo tornou-se uma doutrina de Estado e era de conhecimento comum que era honrado. Graças aos Han nasceu o homem novo, modelo e universal: o “mandarim”. Cria-se uma academia imperial onde são formados, após uma bateria de exames, funcionários oriundos de todo o Império. Cada chefe de distrito deve apresentar candidatos brilhantes. Eles são recrutados – em princípio – por seu mérito intelectual e usam um quadrado colorido bordado em sua jaqueta para indicar sua posição. Os mais altos funcionários, próximos ao imperador e à frente de seus ministérios, pertencem ao primeiro escalão, o diyipin, entre os nove existentes.
O Império desenvolve seu controle não sobre as infraestruturas, mas sobre uma burocracia. Com o tempo, porém, as ordens imperiais foram cada vez menos seguidas localmente. Os funcionários de escalões mais baixos veem seus salários diminuir e os impostos não param de nocautear os camponeses. As elites provinciais ganham influência e organizam reconquistas. Pequenos reinos reaparecem... Levará séculos para que o Império se junte novamente.
A dinastia Tang (618-907) surge após a queda do Império Sui, desencadeada por uma série de revoltas populares, assassinatos de oficiais e traições: a construção contínua da Grande Muralha e a campanha militar catastrófica contra a Península Coreana sufocou a economia imperial. Deste caos emergem os Tang. Com eles nasceu uma era de grande prosperidade cultural, artística e material. É a China dos esplendores! Os poemas escritos durante esta época tornaram-se obras-primas representativas da literatura chinesa. As primeiras trupes de ópera florescem. Um código penal completo, com mais de 500 artigos, foi criado em 624 e serviu de base legal do século VII ao século XX, com tribunais municipais e provinciais, tribunais regionais de apelação e um supremo tribunal. Em cada caso, o juiz procede à mediação, e o julgamento é considerado apenas nos casos em que as partes não chegam a um acordo. A natureza da relação social entre o culpado e a vítima ajuda a reduzir ou a aumentar a punição, que pode variar de golpes de vara de rattan a decapitação. O mecanismo será imitado na Coreia e no Japão.
É também a época em que Yi Xing, um monge budista chinês, também matemático, estuda o movimento dos astros. Ele é convidado a prever eclipses solares, para determinar cientificamente a medida do comprimento do arco meridiano ou o tamanho da Terra. Sob os Tang, foram desenvolvidos o censo, o sismógrafo, os moinhos de água e um mecanismo de ar condicionado. Os altos-fornos, para o trabalho do ferro, se generalizam. O gás de perfuração é transportado com sucesso em tubos de bambu. Na opinião de muitos historiadores, a dinastia Tang é a mais poderosa da história da China. Mas ela não sobrevive a um golpe de Estado.
Após várias décadas de caos político, é a vez dos Song (960-1279) se estabeleceram. Eles são o primeiro governo do mundo a emitir notas bancárias, para secundar as moedas de cobre. Com eles, as cidades não são mais apenas centros administrativos, mas centros comerciais e industriais. Em torno da academia imperial florescem as academias privadas. Surge a medicina legal: corpos humanos são dissecados na tentativa de solucionar casos criminais. Graças à imprensa de madeira, acessível, os textos clássicos chineses alcançam as populações mais modestas, abrindo-lhes gradualmente as portas a concursos para o serviço público. São distribuídos manuais de primeiros socorros, assim como a técnica de respiração artificial após um afogamento. O ábaco torna-se uma ferramenta de cálculo essencial, permitindo realizar com muita rapidez as quatro operações básicas. Seu uso foi ensinado na China até a década de 1990 e não é incomum encontrar comerciantes que ainda o usem. Esta é a China que Marco Polo descobre, quando aí desembarcou em 1271.
Enquanto a produção de porcelana se desenvolvia de forma industrial para acompanhar a abertura de salões e restaurantes e satisfazer toda uma classe de funcionários e comerciantes, o consumo de chá explodiu. Houve uma troca de cavalos por chá entre a cavalaria imperial, que não tinha animais, e o Tibete. O Império desenvolveu a pólvora, domina foguetes de vários estágios, antes dos fogos de artifício. Os pesquisadores acreditam que, sem essa invenção básica de criar uma explosão em um cilindro fechado, o motor de combustão interna que ainda equipa carros, aviões e cortadores de grama nunca teria sido inventado. No final do seu reinado, os Song tinham um exército de 1,2 milhão de soldados profissionais, que desviaram três quartos das receitas do Estado. Depois de duas décadas de guerras esporádicas e lutas entre facções, os Song se retiram.
Em meados do século XIV, após mais de um século de domínio mongol sob os Yuan, a população chinesa rejeitou esse “reinado de estrangeiros”. Uma série de revoltas camponesas empurra a dinastia Yuan de volta às suas estepes e dá lugar à dinastia Ming (1368-1644). O almirante Zheng He mandou construir uma frota colossal de navios de quatro mastros, cada um capaz de transportar quase 1.500 toneladas. Sete expedições com duração de dois anos são organizadas por ele, não para conquistar, mas para mostrar o poder do seu império até o Oriente Médio. Estudiosos ocupam seus lugares a bordo desses juncos gigantes e trazem uma riqueza de informações de suas viagens. A economia Ming foi estimulada pelo comércio com os portugueses, que se estabeleceram em Macau em 1557 por força da perseverança, enquanto os espanhóis foram mantidos fora, em Manila, quando os holandeses estavam estacionados em Taiwan. Houve a necessidade de intermediários, principalmente da província de Fujian, para recuperar suas mercadorias, como a prata, mineral que os espanhóis coletavam na América do Sul.
Os Ming, por outro lado, acolhem o jesuíta Matteo Ricci sem reservas. Eles até permitem que construa sua igreja em Pequim. Os jesuítas, por meio de sua sólida formação científica e com a ajuda de estudiosos chineses convertidos ao cristianismo, conseguem divulgar o conhecimento europeu, ao mesmo tempo que traduziam importantes obras chinesas. Começa, então, a transferência de conhecimento entre a China e o Ocidente. Os Qing (1644-1912) cederam à proclamação da República, que, por sua vez, dá lugar à China comunista em 1949. Perpetua-se dessa maneira a tradição de renascimento mantida pelas principais dinastias que a precederam? Em todo o caso, é o que sugere seu atual líder e secretário-geral do Partido Comunista Chinês, Xi Jinping.
Primeiro, pela duração do seu reinado: Jiang Zemin havia permanecido à frente do país por 10 anos, seu sucessor Hu Jintao também. Podemos imaginar que Xi Jinping deixará o cargo em 2023? Isso é altamente improvável, já que o político teve a Constituição emendada em maio de 2018 para não estar mais sujeito ao limite de dois mandatos. Aí está o presidente-imperador vitalício. Na época, a imprensa oficial apresentou esta iniciativa como uma necessidade: para o jornal Huanqiu Shibao, a China precisava de “uma liderança forte para realizar o sonho do renascimento da nação chinesa” em oposição a um “sistema de valores ocidental em franco desmoronamento”. Com nova roupagem, Xi Jinping revisita a “recuperação da nação” cara a Mao com a intenção de levar a China para o centro do cenário mundial, com destaque para o financiamento da infraestrutura ao longo das novas rotas da seda, inspiradas na rota da seda da dinastia Han, e o desenvolvimento em massa do 5G pela sua gigante das telecomunicações Huawei.
Após sua chegada ao poder, em 2013, Xi Jinping liderou uma campanha sem precedentes contra a corrupção que atingiu todas as camadas da administração, “os tigres e os mosquitos”, funcionários de escalões mais baixos e generais. Os métodos empregados incluíram a reeducação ideológica e o endurecimento da disciplina, até que a mais leve adversidade política fosse apagada. A exemplo dos ativistas anticorrupção amordaçados e dos advogados de direitos humanos presos, não há dúvida de que o exercício de contrapoderes locais está bloqueado: a virtude está no topo. Como na tradição da época imperial, Xi Jinping se posiciona como o árbitro supremo, detentor do famoso “mandato celestial”. Quando um imperador morre, um sinograma é reservado para ele, o que significa a “queda de uma montanha”. E já lembramos que Mao morreu logo após o terremoto de Tangshan em 1976. Peste suína, coronavírus, grandes enchentes e o início da peste bubônica no Tibete: o ano de 2020 já parece bastante caótico e alguns chineses brincalhões interpretam logicamente estes acontecimentos como o anúncio da queda do imperador de turno.
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China: das crises aos renascimentos, as metamorfoses de um império - Instituto Humanitas Unisinos - IHU