18 Agosto 2020
"Determinar as concentrações background para alguns contaminantes pode ser difícil, especialmente para aqueles que têm fontes múltiplas e difusas ou são reativos no ambiente. O nitrato (NO3-) é um exemplo de íon para o qual a determinação de uma concentração limite é complicada por causa de suas variadas origens naturais e antropogênicas e sua reatividade", escreve Carlos Augusto de Medeiros Filho, geoquímico, graduado na faculdade de geologia da UFRN e com mestrado na UFPA e trabalha há mais de 30 anos em Pesquisa Mineral, em artigo publicado por EcoDebate, 17-08-2020.
Poluição por nitratos das águas subterrâneas é um problema antropogênico cada vez mais grave. Com o rápido crescimento populacional, em muitas áreas metropolitanas, especialmente cidades industriais, ocorre um aumento na carga de N lançado dentro do sistema aquático, através de atividades antropogênicas, incluindo descargas de industriais, aplicação de fertilizantes agrícolas com nitrogênio, esgotos domésticos e resíduos humanos ou de animais. Teores elevados de nitrato em água podem ser tóxicas para crianças e podem aumentar os riscos de câncer de estômago e outras doenças (Xing et al., 2013).
Contaminação de águas subterrâneas
(CETESB, 2019)
O padrão de potabilidade do nitrato para consumo humano, estabelecido pela Portaria de Consolidação nº 5/2017 do Ministério da Saúde (MS), é de 10 mg/L na forma de nitrogênio (N – NO3-) ou 45 mg/L como nitrato (NO3-). Além desse limiar de saúde, nos trabalhos ambientais de uma região é de fundamental importância definir os valores background geoquímico ou baseline, estabelecendo, assim, limiares geoquímicos ou valores de prevenção ou referência. Teores de nitrato em uma água, por exemplo, inferiores ao padrão de potabilidade, mas superiores ao background podem significar influências representativas de processos antropogênicos.
Determinar as concentrações background para alguns contaminantes pode ser difícil, especialmente para aqueles que têm fontes múltiplas e difusas ou são reativos no ambiente. O nitrato (NO3-) é um exemplo de íon para o qual a determinação de uma concentração limite é complicada por causa de suas variadas origens naturais e antropogênicas e sua reatividade (Panno et al. 2003).
Um dos problemas com a definição de um valor limite de nitrato-nitrogênio (N – NO3-) é que os processos naturais que afetam as concentrações de N – NO3- podem variar amplamente no tempo e no espaço. É comumente observado que as concentrações de N – NO3- diminuem com a profundidade em aquíferos. Outras variáveis importantes incluem a composição do solo, litologia, espessura da zona não saturada e atividade biológica.
A contaminação por nitrato é uma questão relevante especialmente nas regiões agrícolas e nas áreas urbanas. Já se passaram centenas a milhares de anos desde o início dos impactos humanos na maioria desses ambientes. Como consequência, determinar as concentrações originais de background para N – NO3- com respeito a algum ambiente “primitivo” (“pristine”) pode, algumas vezes, não ser um procedimento fácil ou mesmo não ser mais possível.
Em áreas com impossibilidade de se calcular o background geoquímico natural, define-se o que pode ser denominado de valor de referência, ou ‘'background atual’, ou baseline. O N – NO3- em amostras com concentrações acima dos backgrounds primitivos ou atuais seria derivado das fontes humanas mais óbvias: fertilizantes com nitrogênio, resíduos de gado e efluentes sépticos.
A avaliação de grandes conjuntos de dados é provavelmente a técnica mais útil para determinar os valores de background e de limiar em grandes escalas (Panno et al., 2003). Um dos estudos mais citados de valores de background de N – NO3- em águas subterrâneas nos Estados Unidos é Madison e Brunett (1985). Eles examinaram dados de mais de 87.000 poços nos Estados Unidos e determinaram que 0,2 mg / l seria o nível de background natural e que concentrações > 3,0 mg / L seria o limiar superior e provavelmente poderiam ser atribuídas a efeitos antropogênicos.
Além do valor estabelecido pelo Ministério da Saúde, no estado de São Paulo, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB) adotou o valor de prevenção de 5 mg/L N – NO3- em suas ações de prevenção e controle à contaminação (CETESB, 2019).
Muller & Helsel (1996) estudando cerca de 12.000 amostras coletadas de poços nas unidades do NAWQA (Programa Nacional de Avaliação da Qualidade da Água) do U.S. Geological Survey, observaram que a concentração de nitrato em sítios de background foram, nas águas subterrâneas, inferiores a 2 mg/l N – NO3-.
Shalev et al. (2015) discutiram sobre a contaminação por nitratos de aquíferos superficiais nos campos agrícolas da região extremamente árida do Vale do Arava Central (CAV), no sul de Israel. Baseado em dados históricos em porções do CAV com água subterrânea não contaminada, os autores reportam que essas águas são caracterizadas por concentrações inferiores a 3.45 N – NO3-.
Concentrações médias de nitrato na Austrália têm, segundo Wick et al (2012), decrescido de 5.98 N – NO3- em 1992 para 4.83 N – NO3- em 2008.
Os exemplos apresentados, portanto, indicam um limiar superior de background geoquímico variando de 2 a 6 N – NO3-. Valores referenciais históricos de nitrato em poços não contaminados em Natal – RN (Elmo Marinho, comunicação pessoal) se posicionam dentro dessa faixa, com concentrações entre 4 a 5 N – NO3-. Assim, valores obtidos para nitrato (N – NO3-) acima dessa faixa, especialmente do seu limiar superior, devem ser considerados como consistentes indícios de contaminação antropogênica.
Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB). 2019. Nitrato nas águas subterrâneas: desafios frente ao panorama atual / São Paulo
Madison, R.J., and J.O. Brunett. 1985. Overview of the occurrence of nitrate in ground water of the United States. In National Water Summary 1984: Hydrological Events, Selected Water-Quality Trends, and Ground-Water Resources, USGS Water Supply Paper 2275, 93–105. Washington, D.C.: U.S. Government Printing Office
Ministério da Saúde. Portaria de Consolidação nº 5/2017
Muller, D.K.; Helsel, D.R. 1996. “Background” concentrations of ammonia, nitrate, and total phosphorus in streams and ground water. U.S. Geological Survey – Circular 1136
Panno,S.V.; Kelly, W.R.; Hackley, K.C. 2006. Estimating Background and Threshold Nitrate Concentrations Using Probability Graphs. Vol. 44, No. 5—Ground Water—September–October 2006 (pages 697–709)
Shalev, N.; Burg, A.; Lazar, B. 2015. Nitrate contamination sources in aquifers underlying cultivated fields in an arid region e The Arava Valley, Israel. Applied Geochemistry 63 (2015) 322 – 332
Wick, K.; Heumesser, C.; Schmid, E. 2012. Groundwater nitrate contamination: Factors and indicators. Journal of Environmental Management 111 178-186
Xing, X.; Liu, W.; Wang, Z.; Hu, J. 2013. Relationship of nitrate isotopic character to population density in the Loess Plateau of Northwest China. Applied Geochemistry, 35 (2013), 110-119
Carlos Augusto de Medeiros Filho, geoquímico, graduado na faculdade de geologia da UFRN e com mestrado na UFPA. Trabalha há mais de 35 anos em Geoquímica em Pesquisa Mineral e Ambienta
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Notas sobre Background de Nitrato em Águas Subterrâneas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU