16 Julho 2020
Nas quatro semanas entre meados de junho e meados de julho, a Suprema Corte dos Estados Unidos deliberou sobre uma série de casos que têm implicações importantes nos direitos civis e na liberdade religiosa no país. Diante dessa atividade quase frenética e oracular da Corte, a equipe editorial da revista jesuíta America interveio com um editorial que, já no título, captura com extrema lucidez as apostas reais e os riscos que elas representam para a democracia. Ou seja, a prática usual de recorrer ao juízo da Corte para resolver disputas morais entre cidadãos estadunidenses envolvendo conflito de valores e de visão de convivência democrática.
A reportagem é publicada por Settimana News, 15-07-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Quanto à sentença que "se estende aos funcionários LGBT" perante seus empregadores, as necessárias proteções antidiscriminatórias e a que interrompeu o governo Trump em sua intenção de proceder com a deportação de jovens imigrantes que se enquadram no Dream Act (apresentado para primeira vez em 2001 e depois reformulado várias vezes), “a Suprema Corte alcançou resultados que foram propostos várias vezes durante as várias legislações e que, em alguns casos, poderia ter conquistado o apoio da maioria do Congresso, se tivesse sido permitido votar sobre o assunto”.
Se nos deslocarmos para o lado da liberdade religiosa, o terreno se tornará mais conflituoso. Uma primeira sentença equiparou substancialmente as escolas públicas e as escolas particulares administradas por entes religiosos no que diz respeito ao acesso a fundos públicos para suas atividades educacionais e formativas. Segundo a equipe editorial de America, essa decisão "reforça a tradição americana de incentivar o exercício da religião em vez de simplesmente tolerar a crença religiosa".
Mais delicada é a sentença que preserva a liberdade legal de um empregador religioso em "definir quem, entre seus funcionários, age em função ‘ministerial’", ou seja, de representação direta do ente religioso. Se a decisão da Corte mostra que "o status legal da liberdade religiosa é menos controverso do que as questões morais que ele implica"; a liberdade concedida a entes religiosos na definição de quem entre seus funcionários trabalha em função "ministerial", se usada "de maneira injusta para demitir funcionários LGBT doentes ou idosos, apenas aumentará a hostilidade em relação à reivindicação do direito de liberdade religiosa no futuro”.
Todas as sentenças dessas quatro semanas revelam um fenômeno preocupante comum para o status democrático: o de ser devidas a "pressões crescentes que leva a usar a Corte para alcançar objetivos de caráter legislativo (...). O recurso contínuo à Corte em casos que representam substancialmente dilemas morais é um desastre a fogo lento para a democracia. Nesses casos, a Corte funciona mais como uma válvula de segurança para as disfunções legislativas do que como um órgão judicial”.
Trata-se de uma situação agora recorrente na relação entre poder legislativo e judiciário no quadro das democracias contemporâneas, com as Cortes Constitucionais que, de fato, operam como instância irrefutável de composição legislativa do conflito entre os valores morais dos cidadãos que tomam o lugar dos parlamentos como âmbitos de negociação e compromisso legislativo sobre temas políticas que têm um forte valor moral.
Exemplar, no que diz respeito aos Estados Unidos, é a questão do aborto. O primeiro apelo à Suprema Corte (Roe vs. Wade) efetivamente retirou a matéria do "processo de compromisso legislativo" do Congresso, desencadeando um conflito civil mais alto ao seu redor e excluindo o poder legislativo de qualquer decisão em matéria. Optar por recorrer à Corte, em casos com um forte viés moral, significa, portanto, optar por alienar o poder político dos cidadãos na escolha de seus representantes parlamentares, para se entregar à alquimia ideológico-política da composição da própria Suprema Corte.
“Um compromisso legislativo certamente não será capaz de prevenir o fato que o desacordo moral entre os cidadãos termine na Suprema Corte. Mas é uma solução mais definitiva e democrática para questões em que os valores sinceramente cultivados entram em tensão entre si”.
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EUA: a corte e as questões morais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU