14 Fevereiro 2020
O recuo no programa Bolsa Família pode superar o número de 1 milhão de pessoas que aguardam pelo benefício, alerta a doutora em Economia Tereza Campello diante do levantamento, divulgado na segunda-feira (10), pelo jornal Folha de S. Paulo, denunciando crescimento exponencial da fila por atendimento, que estava extinta há pouco mais de dois anos.
Ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome no governo de Dilma Rousseff, Tereza calcula que, na verdade, há mais meio milhão de brasileiros que estão em situação de extrema pobreza e desassistidos pelo governo de Jair Bolsonaro, que entra para a história por protagonizar o maior período de baixo índice de cobertura. Não por menos que essa população que está nas filas, aguardando o benefício estando habilitadas e sendo comprovadamente pobres, têm uma face ainda mais evidente: “são as vítimas do governo Temer e Bolsonaro, com o desmonte”, destaca Tereza.
Fila do Bolsa Família se soma à fila do INSS, da licença à maternidade, do BPC, elenca ex-ministra. “É o desmonte”. Foto: Divulgação/Rede Brasil Atual
A ex-ministra inclui em seu cálculo o número de membros de cada família cadastrada – uma média de 3,6 em 2015 –, somando ainda as “outras filas do país”, que, na prática, sugerem um número maior do que o divulgado, mas ainda refém da falta de transparência do governo, que se recusa a revelar os dados oficiais.
“A situação é ainda mais dramática porque não é só a fila do Bolsa Família. Tem a fila da licença à maternidade, a fila do INSS, tem a fila do Benefício de Prestação Continuada (BPC), que são pessoas com deficiência. Faz essa conta e a gente vê o tamanho da tragédia que esse governo está criando no país”, adverte Tereza Campello.
A entrevista é de Marilu Cabañas, publicada por Rádio Brasil Atual, 13-02-2020.
O governo Bolsonaro travou o Bolsa Família em 200 municípios pobres e a fila já chega a 1 milhão. Desde 2017 a fila estava extinta, podemos afirmar que o governo promove um retrocesso?
Na verdade, em minha avaliação, essa fila já chega a 1,5 milhão. O governo se recusa a revelar o tamanho da fila, o que é aliás uma ilegalidade. Tem uma fila de pedidos de informação também, de deputados, da imprensa, jornalistas de vários lugares e cidadãos perguntando.
E uma coisa muito importante é que, quando a gente fala em fila, fila de espera, a impressão que as pessoas têm é que são pessoas que entraram pedindo o Bolsa Família, mas não é isso. É muito mais grave. Essas pessoas que entraram na fila para pedir o Bolsa Família já tiveram seus dados checados, não têm nenhum problema técnico ou de qualquer outra ordem, elas são extremamente pobres, têm filhos, têm direito a entrar no Bolsa Família. Elas não entram porque o governo resolveu trancar as entradas, desde maio que não entra ninguém, só saem.
Isso é semelhante ao que acontece no INSS, que as pessoas estão habilitadas, têm o direito, o tempo de contribuição e tudo mais, mas ficam esperando o benefício e o benefício não sai. É isso que também está acontecendo no Bolsa Família. E se fizer uma conta por cima, o Bolsa Família tem em torno de 3,6 pessoas por família, dá mais de cinco milhões. A maioria são crianças.
Então a situação é gravíssima em um momento em que o país vive também o desemprego, o desmonte das políticas públicas e que o Bolsa Família seria mais necessário”.
Uma face dessa situação gravíssima a gente já percebe nas ruas, onde há famílias inteiras, com crianças, desabrigadas, em situação de rua. Quem são as pessoas que engrossam essas taxas sociais?
Essas pessoas que a gente vê nas ruas, hoje famílias, crianças na rua, que não víamos há muito tempo, é a ponta do iceberg. Porque na verdade elas são aquelas famílias que já perderam a casa, já perderam tudo e estão na rua. Agora, a situação de pobreza e extrema pobreza são muito maiores do que essa visível que a gente vê embaixo dos viadutos, que é a que mais incomoda, porque a gente está vendo, mas tem aquela pobreza que ninguém vê.
As pessoas estão lá, já desempregadas, no desalento, no meio rural e isso se soma a outras filas. A situação é ainda mais dramática porque não é só a fila do Bolsa Família.
Ontem, por exemplo, a CUT revelou a fila da licença à maternidade, são 108 mil mulheres que deveriam estar recebendo a licença, que estão esperando há mais de 45 dias. Quer dizer, não é tiveram o bebê ontem, tiveram há um mês e meio, umas até mais do que isso. E quem são essas mulheres? São exatamente as mulheres pobres, negras, no momento onde elas mais precisam ser acolhidas, que mais precisam ter esse apoio, porque é ela e o bebê, e ela não pode trabalhar…
Então tem a fila da licença à maternidade, a fila do INSS, tem a fila do Benefício de Prestação Continuada (BPC), que são pessoas com deficiência. Quando a gente olha essas filas, a gente fica pensando em uma pessoa, mas não são. A pessoa com deficiência, por exemplo, na verdade é ela e a pessoa que cuida dela, que em geral é um familiar que não pode trabalhar. Então se você vai somando isso, você está falando em milhões e milhões de brasileiros completamente desassistidos e desesperados.
O governo não só esconde os números, não revela, quando você pergunta ele fala ‘mas tem a fraude’. Esse ministro está aí há quatro anos e continua falando da fraude, do PT. Quer dizer, não é problema técnico, não é fraude, é um problema político, eles querem excluir os pobres do orçamento e o Bolsa Família virou variável de ajuste fiscal. O Bolsa família caiu de 14,3 milhões para 13 milhões. O que aconteceu? Só sai gente, não entra mais, é o jeito que eles arranjaram de enxugar o Bolsa Família.
E com relação ao 13º do Bolsa Família? Essa era uma promessa de Bolsonaro, ele deu o valor em 2019, mas agora já está fazendo uma manobra para não votar essa questão no Congresso e a Medida Provisória perder a validade. Como você avalia essa promessa e o presidente refutando-a?
Na verdade, eles chamam de 13º, mas não é 13º, 13º é um direito, tem todo o ano. Então chega no final do ano você espera. Não existe 13º do Bolsa Família, eles deram um apelido, mas na verdade é um abono, que só vale para esse ano. A legislação não prevê para os outros anos. Se a MP cair, cai o deste ano, o de 2019, não é o de 2020, 2021. E é o próprio governo que está fazendo essa manobra. O que só revela o nível de descompromisso com a população.
O próprio abono salarial, do jeito que ele foi montado é um descompromisso. O Bolsa Família não é uma coisa para você comprar um presente de natal, o Bolsa Família é para comer. Você come todos os dias, 365 dias por ano, de preferência três vezes por dia. Então, na verdade, o certo seria dar um reajuste no Bolsa Família e conseguir incluir esses milhões de pessoas, no caso, 1,5 milhão que, não só perderam o emprego, muitas estão desempregadas. E com o fim da CLT e o desmonte da legislação trabalhista no Brasil, quem está trabalhando, está ganhando menos.
Então, na verdade, a população que está desesperada nessa fila, já habilitada, comprovadamente pobre, esperando, são as vítimas do governo (Michel) Temer e de Bolsonaro, com o desmonte da legislação trabalhista, ganhando menos, com emprego precário.
É uma situação dramática, nós temos que ajudar a denunciar, mas eu acho que o ideal seria conseguir olhar este quadro todo, dos 12 milhões de desempregados, a fila do INSS de 2,3 milhões, dentre eles mulheres que acabaram de ter filho e que estão esperando a licença à maternidade, que têm direito, e mais 1,5 milhão do Bolsa Família.
Faz essa conta e a gente vê o tamanho da tragédia que esse governo está criando no país.
As pessoas que precisam do Bolsa Família têm renda entre R$ 89 até R$ 178 por mês. Como é que essa pessoa consegue sobreviver com esse valor? Nesses caso, o benefício do Bolsa Família, em média de R$ 191, ajuda muito?
É importante, e toda a vez que eu falo do Bolsa Família eu falo um pouco sobre isso também, que as pessoas no Brasil e no mundo todo, quando se diz sobre o pobre ou extremamente pobre, as pessoas acham que eles não trabalham, e não é verdade. Esse pobre no Brasil ele trabalha, e trabalha muito, só que não consegue ganhar o suficiente. Então não é ‘eu sou vagabundo, estou sem fazer nada por isso estou pobre, resolvi ter mais filhos para ganhar o Bolsa Família’.
Essa imagem, que muitas vezes se tem do pobre, de que ele é um oportunista que quer se encostar no Estado, não corresponde ao que acontece no Brasil. Os pobres no Brasil trabalham, trabalham muito e ganham pouco e é por isso que têm que contar com uma rede de proteção, mais ainda quando o emprego começa a ser escasso.
Tem gente que diz ‘que não tem que dar o Bolsa Família, tem que dar emprego’. Gente, cadê o emprego? As pessoas não trabalham porque não estão conseguindo. Então, mesmo em uma situação de emprego alto, como a gente teve, o menor período de desemprego no meio do governo da presidenta Dilma, você tinha gente que continuava precisando do Bolsa Família, ou porque não tinha estudado suficiente ou não tinha tido oportunidade, então você tem que dar o Bolsa Família e dar as outras oportunidades.
Curso, qualificação profissional, Pronatec, educação para crianças, merenda escolar de qualidade, comida na escola, e é tudo isso que está sendo desmontado.
Você vê, a renda das família, elas conseguiam ter a renda, o Bolsa Família, trabalhavam e recebiam o Bolsa Família e ainda tinha, por exemplo, eu gosto muito de falar, o Farmácia Popular, as pessoas recebiam remédios de graça, pararam de receber. Então não recebe o Bolsa Família, tá na fila, e esse dinheiro que a pessoa tem, ela tem que comprar remédio caro, remédio para outras doenças.
O desmonte tem um impacto e precisa ser olhado como um todo. O impacto na vida da população pobre, principalmente das mulheres, é violentíssimo.
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‘Filas’ de Bolsonaro fazem vida do pobre ficar dramática, diz Tereza Campello - Instituto Humanitas Unisinos - IHU