07 Fevereiro 2020
A recente aposentadoria do arcebispo da Filadélfia, dom Charles Chaput, e a nomeação subsequente pelo papa Francisco do bispo de Cleveland, dom Nelson Perez, como seu sucessor, recebeu uma atenção maior de parte dos meios de comunicação nacional em relação a outras mudanças ocorridas na guarda episcopal.
Se o papa Francisco concebe uma Igreja em saída, acolhedora e que acompanha os fiéis – um hospital de campanha voltado aos feridos –, a abordagem de Chaput pode ser representada metaforicamente como uma fortaleza.
O artigo é de John Gehring, diretor do programa católico no grupo Faith in Public Life, de Washington, e ex-assessor de imprensa da Conferência dos Bispos Católicos dos EUA. É autor de The Francis Effect: A Radical Pope’s Challenge to the American Catholic Church (Rowman & Littlefield, 2015) e colunista da revista Commonweal, publicado por La Croix International, 05-02-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Por um lado, esta partida de Chaput sinaliza o fim de uma era na cidade. Por outro, abre uma janela para a forma como os católicos em fins opostos do espectro teológico e político compreendem a nossa Igreja.
Tanto como arcebispo de Denver e, mais tarde, como arcebispo da Filadélfia, Chaput definiu-se há mais de uma década como o embaixador para um certo tipo de catolicismo voltado às guerras culturais.
Em seu jornal arquidiocesano, em seus livros, na revista First Things e em grandes discursos, Chaput apresentou uma proposta vigorosa, embora nostálgica, do papel da fé na praça pública.
Ele via as forças hostis do secularismo do lado de fora da Igreja, e a tépida ortodoxia dentro dela, como inimigos implacáveis que precisavam ser combatidos a todo custo.
Se o papa Francisco concebe uma Igreja em saída, acolhedora e que acompanha os fiéis – um hospital de campanha voltado aos feridos –, a abordagem de Chaput pode ser representada metaforicamente como uma fortaleza.
Erguendo a ponte levadiça e escondendo-se atrás dos muros, o catolicismo estaria seguro de uma miríade de perigos apresentados pelos secularistas, por católicos LGBTQs, pelos democratas católicos e pelos fiéis progressistas de uma forma geral, os quais Chaput frequentemente desdenhava e ignorava.
Em um simpósio de 2016 para os bispos e seus subordinados, realizado na Universidade de Notre Dame, Chaput denunciava uma cultura que “elimina fortes convicções religiosas em nome da tolerância progressista”, pedia que alguns católicos saíssem da Igreja e desafiava a ideia de inclusão:
“Obviamente que precisamos fazer todo o possível para que os católicos tépidos voltem à vida ativa na Igreja. Mas jamais devemos temer uma Igreja menor, mais leve, se acaso seus membros forem também mais fiéis, mais zelosos, mais missionários e mais comprometidos com a santidade. Perder pessoas que são membros da Igreja apenas nominalmente é uma perda imaginária. Se ‘inclusivo’ significa a inclusão de pessoas que não creem naquilo que a fé católica ensina e não vão reformar suas vidas de acordo com o que a Igreja mantém como verdadeiro, então inclusão é uma forma de mentira. E não só é uma forma de mentira, mas um ato de tradição e violência contra os direitos daqueles que creem e buscam, de fato, viver segundo a Palavra de Deus”.
Neste mesmo simpósio, Chaput criticou o vice-presidente Joe Biden e o então candidato à vice-presidência, o senador Tim Kaine, declarando que os católicos que não advogam o ensino católico são “covardes”. A combinação de um fundamentalismo teológico e de um fundamentalismo político feito pelo arcebispo carecia de proporção e humildade.
A abordagem que deu à fé na vida pública pode parecer formulaica e mecanicista: negar a comunhão a políticos católicos que apresentam objeções à criminalização do aborto; recusar permitir que o filho de um casal gay frequente uma escola católica. “Não tenho todas as respostas”, disse certa vez Francisco. “Sequer tenho todas as perguntas”.
É difícil imaginar Chaput dizendo algo desse tipo. Em vez de abordar o magistério católico como uma tradição viva – onde a prudência, a consciência e o discernimento são aplicados a realidades concretas –, Chaput usou a doutrina e a ortodoxia como armas contra inimigos reais e imaginários.
A sua autoconfiança e a sua severa fixação em torno das ameaças à Igreja deveriam levar à reflexão sobre o dano que pode vir em nome de uma defesa zelosa da fé.
Contrastemos a abordagem de Chaput dispensada à política e à vida pública com aquela expressa pelo cardeal-arcebispo de Chicago, dom Blase Cupich, em um discurso recente proferido no Encontro Ministerial Social Católico, em Washington – evento anual organizado pela Conferência dos Bispos Católicos dos EUA.
Em seu discurso, o cardeal sublinhou a ênfase do Concílio Vaticano II sobre um “Novo jeito de ser Igreja e de entender o nosso chamado batismal”.
Uma abordagem coerente com temas relacionados à vida, segundo ele, ajuda a alcançar um “equilíbrio adequado na medida em que a Igreja se engaja no mundo da política e na medida em que conduzimos o nosso ministério em nossos espaços”.
Esta abordagem, segundo Cupich, “subverte toda tentativa de fragmentar o nosso ensino social católico, fingindo apresentar os chamados ‘não negociáveis’, o que acaba reduzindo a nossa tradição moral a um conjunto singular de temas”.
Chaput, que ao se aposentar manterá uma plataforma pública, parece incapaz de ver a fé na praça pública sob esta ótica mais ampla.
Em artigo publicado em 2010 na revista First Things, intitulado “Catholics and the Next America”, o prelado manifestou uma mentalidade resumida pelo papa João XXIII na abertura do Concílio Vaticano II, ao desafiar os católicos que “são profetas da melancolia, que sempre estão prevendo desastres”.
Nele, Chaput traça um quadro desolador em que “anos de um ateísmo soft, gotejando em uma firme catequese a partir das nossas universidades, das ciências sociais, dos meios de entretenimento e novas mídias”, acabaram “apagando as assunções cristãs não oficiais do país, suas tradições e seus hábitos de pensamento e comportamento”.
Chaput estava certo quanto ao declínio do cristianismo enquanto padrão cultural, especialmente no referente à sexualidade e ao gênero. Mas certamente o seu diagnóstico é exagerado.
A solução que propôs – uma igreja menor, “mais pura”, com uma abordagem católica na política que acentue uma lista estreita de questões não negociáveis –, na verdade, causou mais prejuízo à sua causa do que aquelas provocadas pelos próprios secularistas mais fervorosos.
Chaput nunca pareceu entender seriamente o fato de que, quando os bispos se transformaram em guerreiros culturais e alinharam-se a um partido político, muitos católicos (especialmente os da geração millennial) caíram fora. Tampouco parece ele considerar que um fracasso sistemático da Igreja em não conseguir policiar os predadores sexuais em suas próprias paróquias poderia ser interpretado como hipocrisia. Será que isto tem algo a ver com o atrofiamento do catolicismo muscular que ele tanto lamenta?
O citado artigo do arcebispo inspirou a fundação do Instituto Napa, onde católicos e doadores ricos e conservadores se unem para criar um movimento de resistência religiosa ao avanço do secularismo.
A seu próprio modo, a Napa é uma grande tenda inclusiva, acolhendo os católicos que têm mais a ver com a Câmara do Comércio americana do que com o papa Francisco, promovendo um espaço aos defensores do presidente: Donald Trump “vem sendo um presidente muito bom para todas as coisas que importam”, disse o senador republicano Lindsey Graham em um retiro promovido pelo Napa em um luxuoso resort.
Lutar pelas “coisas que importam” – em oposição aos direitos LGBTQs e ao aborto – parece expiar, em Chaput e noutros católicos da direita, muitos dos piores pecados do trumpismo: o racismo, o sexismo e o nativismo anti-imigratório.
Se a hierarquia quer reclamar certa autoridade moral, modelar uma melhor narrativa católica na vida pública é um passo necessário.
Isto significa expandir o engajamento político para além da busca transacional de juízes antiabortistas. Significa mais do que definir estreitamente a identidade e a doutrina católicas como um “sistema rígido fechado em si”, como adverte o papa Francisco.
Uma Igreja vibrante e saudável transmitirá humildade e evitará até mesmo a aparência de servir como um apêndice para um partido em especial. E, sim, ela será mais inclusiva e responsiva aos feridos dentro de suas congregações e do lado de fora dos muros.
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Saindo da fortaleza. Tempo para uma nova narrativa na vida pública católica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU