06 Fevereiro 2020
Se a redescoberta da “colegialidade episcopal” foi a grande novidade do Vaticano II, a redescoberta da “sinodalidade”, como forma e estilo da Igreja, foi a feliz surpresa deste segundo pós-Concílio, vivido com o pontificado do papa Francisco que, enfatizando um dos temas centrais do Vaticano II (o “povo de Deus”), promoveu, de fato, o retorno ao Concílio, depois de se ter sofrido muito com a tentativa prolongada de obscurecê-lo.
A opinião é do teólogo italiano Michele Giulio Masciarelli, sacerdote da Arquidiocese de Chieti-Vasto, professor da Pontifícia Faculdade Marianum, em Roma, e do Istituto Teologico Abruzzese-Molisano, em Chieti, na Itália, em artigo publicado por Settimana News, 04-02-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Nesses últimos meses, causa uma grande tristeza ver discursos mais do que críticos sobre o papa Francisco, expostos com uma mão ágil demais e com uma boca pouco reflexiva, que agitam o coração e a alma por diversos motivos: acima de tudo, a manifesta malevolência, ao mesmo tempo em que perturba muito entrever sujeitos surpreendentes que tecem essas falas com tons e em contextos, para dizer o mínimo, fora de lugar.
Feia, acima de tudo, é a suspeita de que existe não digo uma direção (respeitemos essa magnífica palavra, agora que é o centenário de nascimento de um grande diretor italiano que honrou com excelência esse nome no mundo): trata-se, em vez disso, de um manejo não muito honesto que tem as não cores da mediocridade e de um evidente defeito de eclesialidade, junto com os maus odores do desamor, do “ódio teológico”, de que falava o padre Luigi Sartori para estigmatizar a arrogância daqueles que se consideram os paladinos da fé e os únicos defensores dela, até se sentirem no dever de ultrapassar o limiar do ódio para poder defendê-la.
Uma nota particularmente destoante está no comportamento de um desses sujeitos, a ingratidão em relação a um papa que se mostrou bastante delicado em mantê-lo, com real senhoria, em um papel de serviço que deveria ser gerido com igual delicadeza, também por amor Ratzinger...
A gritaria decomposta e confusa dos últimos ataques contra o papa Bergoglio se faz reconhecer:
1) pela ausência do manso e pensativo discernimento nas coisas do Reino, algo especialmente necessário quando se abordam questões teológicas, pastorais e jurídicas importantes e difíceis, e daquelas que também tem algo de inédito (como aquelas tratadas pelo Sínodo sobre a Amazônia);
2) pelo não respeito às Pessoas que, desta vez, é preciso escrever com maiúscula: a fala de alguns poucos cardeais desperta surpresa pela ridícula superioridade do seu “falar papal”, embora não sejam papas; a expressão com uma linguagem bastante eclesial, até mesmo “in odium personae”, por parte de alguns bispos em repouso, o que realmente não é edificante.
Agora, algumas educadas e fraternas perguntas, porque perguntar é sempre inocente. Ou, melhor, para eliminar também a sombra da arrogância, seria o caso de adotar um termo mais apropriado – “interrogações” – uma palavra tornada bela e séria por Edmond Jabès no seu “Livro das interrogações”.
Por que não se tenta respeitar a elegância espiritual com que Joseph Aloisius Ratzinger e Jorge Mario Bergoglio (aqui usamos melhor os nomes de batismo) estabeleceram a sua proximidade ambiental e eclesial?
Esse pacto de gentileza tem a sua expressão nas elevadas palavras que eles se dirigiram no dia 28 de junho de 2016, na festa pelo 65º aniversário da ordenação sacerdotal de Ratzinger.
Bergoglio, no seu breve discurso, afirmara que, a partir da casinha franciscana onde Ratzinger mora agora, emanava “uma tranquilidade, uma paz, uma força, uma confiança, uma maturidade, uma fé, uma dedicação e uma fidelidade que me fazem tão bem e dão muita força a mim e a toda a Igreja”.
O aniversariante lhe respondeu com estas comovedoras palavras: “A sua bondade, desde o primeiro momento da eleição, em todos os momentos da minha vida aqui, me impressiona, me move realmente, internamente. Mais do que nos Jardins Vaticanos, com a sua beleza, a sua bondade é o lugar onde habito: me sinto protegido”.
Esse é o ícone cristão e exemplar dos dois grandes homens da Igreja que ninguém deve se sentir autorizado a desgastar, e que todos devem valorizar diante dos seus olhos. Então, por que não se deixam esses dois homens na sua serenidade interior, na explicitação das suas tarefas diferentes, na sua amizade espiritual? Somente quem sabe estar respeitosa e discretamente dentro do perímetro do seu serviço eclesial particular sabe lhes render a ajuda que eles merecem e a quem têm direito.
No Settimana News, no quarto aniversário da eleição do papa Francisco, eu perguntava: por que não voltar ao fim do dia 13 de março de 2013, quando, na noite daquele dia, todos sentimos o ar do Espírito que nunca abandonou a sua Igreja?
E eu perguntava ainda: Francisco não é ainda o papa escolhido pelo Espírito? Por que não se recorda o longo período de oração da Igreja antes do último conclave? Por que não se lembra do trepidante evento do conclave, em parte dramático, tendo ocorrido após a renúncia do papa, ao qual era preciso eleger um sucessor? Esquecemos que a Igreja inteiro invocou o Espírito e finalmente acolheu, com alegria, do Deus trinitário, o dom do papa novo?
Essas perguntas discretas não esperam respostas, mas são convites educados e fraternos para meditar mais, com o único fim de viver em alegre fraternidade eclesial nesta hora da história da Igreja, que é cheia de belas indicações do Espírito, que não devemos decepcionar com o desencontro.
Não pulo a expressão Cúria Romana, que pronuncio com respeito e que também tem pessoas santas no seu seio. Mas pergunto: um papa que antes era dom do Espírito pode se tornar um sujeito exposto ao alvo da crítica metódica, organizada e malévola, justamente na própria casa?
A esse respeito, duas ideias para se refletir.
A primeira: em nome de que nos constituímos como “tribunal permanente” para julgar a obra de um pontífice?
A segunda: que fim deu o Espírito que foi invocado e do qual, depois, se questiona o dom? Mas esse “tribunal” – que certamente é “ilegítimo” – coloca sob processo, por acaso, o Espírito também? Aqui vai uma única nota de meia linha: a Cúria absolutamente não é a outra metade da Igreja.
Se tivéssemos que dar um bom exemplo, imaginando a Igreja como uma bela laranja (citrus sinensis), com a casca de cor brilhante entre o amarelo e o vermelho, teríamos uma intuição para dizer com uma imagem o que é a Igreja, uma realidade também visível com a sua forma esférica regular, mas imperfeita por estar descascada (é bom lembrar que o papa Francisco recomendou comparar as coisas da Igreja mais com o poliedro do que com a esfera). Isso pelo menos aludiria um pouco à realidade da Igreja, mas não poderíamos forçar a comparação: se pensássemos que poderíamos expressar a relação Cúria/resto da Igreja como duas metades, cairíamos em uma grosseira pretensão.
A Cúria em relação à Igreja não é a outra metade (nem mesmo uma fatia da laranja na comparação), mas apenas um pontinho, invisível ao olho humano crente e reconhecível apenas pelo agudo olhar do Onipotente por aquilo que ela é. Para nós, na nossa difícil visão entre as coisas do Reino, basta poder dizer e ter em mente que a Cúria não é a outra metade da Igreja. Sabemos disso, podemos e devemos dizer isso com segurança, sem medo de errar.
Há uma grande coisa para se contar e meditar com o coração feliz. Ela foi se criando lentamente, e é a exigência teológica de colocar no centro do pensar, do agir e do julgar da Igreja o “princípio sinodal”, que certamente ainda deve ser fundamentado com maior rigor e bem conectado com a “colegialidade episcopal”.
Enquanto isso, podemos dizer: se a redescoberta da “colegialidade episcopal” foi a grande novidade do Vaticano II, a redescoberta da “sinodalidade”, como forma e estilo da Igreja, foi a feliz surpresa deste segundo pós-Concílio, vivido com o pontificado do papa Francisco que, enfatizando um dos temas centrais do Vaticano II (o “povo de Deus”), promoveu, de fato, o retorno ao Concílio, depois de se ter sofrido muito com a tentativa prolongada de obscurecê-lo.
Hoje, podemos dizer que, após 50 anos da sua conclusão, as raízes do Concílio não estavam secas, mas túrgidas de novos fermentos: paradoxalmente, a sinodalidade, que não esteve em evidência nos 16 documentos do Concílio, estava fermentando, por sua vez, nas suas vivas raízes, e agora estamos em condições de dizer que o “princípio sinodal” é um magnífico fruto da árvore conciliar (cf. M. G. Masciarelli, Le radici del Concilio. Per una teologia della sinodalità [As raízes do Concílio. Por uma teologia da sinodalidade], Bolonha: Dehoniane, 2019, pp. 25-36).
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O papa não é um alvo a ser acertado. Artigo de Michele Giulio Masciarelli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU