08 Janeiro 2020
Hoje, ninguém parece ser poupado da tendência desigualitária do capitalismo. Em questão: a superioridade do retorno do capital.
A reportagem é de Aude Martin, publicada por Alternatives Économiques, 26-12-2019. A tradução é de André Langer.
Imagine um desfile em que os indivíduos de uma sociedade sejam tanto maiores quanto mais ricos forem. Nos Estados Unidos, explica o economista Niall Kishtainy em seu último livro (1), seria assim: na linha frente, um exército de anões representando os trabalhadores pobres e, na parte de trás, alguns gigantes com vários quilômetros de altura, cuja cabeça roça as nuvens. E, infelizmente, a imagem seria semelhante em quase todos os outros lugares.
Após recuarem da década de 1920 até o final dos Trinta Anos Gloriosos (1945-1975), as desigualdades voltaram a aumentar. Rapidamente na China e na Rússia após a transição do comunismo para o capitalismo, mais moderadamente na Europa Ocidental, onde a ruptura foi limitada em comparação com os Estados Unidos. No entanto, o crescimento europeu não é menos desigualitário. “Em quase todos os países para os quais existem dados disponíveis, estamos assistindo a um aumento na parcela da renda nacional capturada pelos 10% dos cidadãos mais ricos”, resumem os pesquisadores Thomas Blanchet, Lucas Chancel e Amory Gethin, autores de um estudo recente sobre o modelo social europeu (2). Ninguém parece, portanto, hoje ser poupado dessa propensão desigualitária do capitalismo que contradiz a teoria do economista Simon Kuznets segundo a qual, após uma primeira fase de aumento, as desigualdades tenderiam naturalmente a diminuir em um país ao longo do seu desenvolvimento.
As desigualdades de renda entre os Estados podem ter sido reduzidas desde 1980 sob o efeito de um forte crescimento asiático, mas a constatação é clara: o 1% do topo da população mundial abocanhou duas vezes mais riquezas do que a metade da população da base da pirâmide desde essa data (respectivamente, 27% e 12%). Uma distribuição simbolizada pela famosa curva do “elefante” da obra de Branko Milanović, que ilustra o menor crescimento da renda das classes média e popular do mundo em comparação com os lares dos países pobres e emergentes; e sobretudo em comparação com os países mais ricos.
A principal explicação para esse aumento contínuo das desigualdades é fornecida por Thomas Piketty e deve-se à superioridade do retorno do capital (que devolve em dividendos, juros, etc.) em relação ao crescimento de outras rendas. “Isso implica mecanicamente que os patrimônios herdados se recapitalizam mais rapidamente do que o ritmo da progressão da produção e da renda”, observa ele em seu livro O Capital no século XXI. Claramente, o valor do capital está crescendo mais rápido que o resto da economia. Embora a renda do trabalho seja desigualmente distribuída, a renda do capital é ainda mais devido a esse efeito bola de neve.
Nessas condições, a dinâmica desigualitária do capitalismo parece inexorável. Mas a boa notícia é que a grande disparidade no grau de desigualdade de um país para o outro nos ensina que “as instituições e as políticas públicas desempenham um papel em sua evolução”, insiste o primeiro relatório sobre as desigualdades mundiais (publicado pela Seuil no início de 2018). A introdução de impostos mais progressivos, a melhoria da oferta de serviços públicos e a intensificação da luta contra os paraísos fiscais são ferramentas para evitar a concentração de riqueza nas mãos de poucos. Porque se o capitalismo é a principal causa das desigualdades, as finanças contribuem para isso pela sua opacidade.
[1] Uma breve história da economia. Porto Alegre: L&PM, 2018.
[2] “Le modèle social européen a-t-il résisté à la montée des inégalités?”, World Inequality Lab, abril de 2019.
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Um mundo desigual - Instituto Humanitas Unisinos - IHU