17 Dezembro 2019
O presépio da Igreja Metodista Unida de Claremont, nos EUA, é surpreendente. Manequins de Jesus, Maria e José estão separados em gaiolas individuais, cobertas com arame farpado. Um menino Jesus está envolto naquilo que se assemelha a um cobertor Mylar, semelhante aos lençóis que os migrantes recebem nas celas de contenção. Em uma placa, uma mensagem diz: “E se essa família buscar refúgio no nosso país hoje?”.
A reportagem é de Alejandra Molina e Aysha Khan, publicada por Religion News Service, 16-12-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A Rev. Martha Morales disse que a intenção da igreja não era ser controversa ou política. Em vez disso, ela disse que a igreja está tentando ser fiel ao seu chamado para fazer a obra de Deus.
“O nosso objetivo é dizer: ‘É isso que acreditamos que Deus está nos chamando a fazer’. Você tem que chamar o mal pelo nome e se levantar pela justiça”, disse Morales, pastora associada da Igreja Metodista Unida de Claremont.
Presépio montado na Igreja Metodista Unida de Claremont, nos EUA (Foto: RNS)
Um grande fluxo de pessoas tem visitado a igreja desde que a congregação montou o presépio em tamanho natural no sábado, 7 de dezembro.
As pessoas têm ou elogiado ou criticado a igreja pela sua representação, que não menciona o presidente Donald Trump, mas lança luz sobre a separação de famílias na fronteira. Ela chamou a atenção de cristãos progressistas e de comentaristas conservadores como Tomi Lahren.
A igreja recebeu uma série de e-mails negativos, e, por questões de segurança, um carro da polícia local foi estacionado do lado de fora da igreja enquanto os visitantes tiram fotos do presépio e refletem no local. Alguns visitantes conversavam entre si e ponderavam sobre o papel do cristianismo na crise de imigração na fronteira.
Uma mulher chorava, dizendo que a representação a lembrava do migrante guatemalteco de 16 anos que morreu sob custódia da Patrulha de Fronteira depois de ser diagnosticado com gripe. Outra pessoa descreveu os fundamentos do presépio como “sagrados”, dado o reconhecimento internacional dele.
No Canadá, um presépio semelhante surgiu em Toronto nesta semana, mostrando um menino Jesus envolto em um cobertor solar em uma gaiola.
Detalhe do presépio montado na Eastminster United Church, em Toronto (Foto: Michiko Bown-Kai/CBS News)
A montagem de presépios para fazer declarações públicas sobre questões sociais não é novidade. Eles têm sido usados para destacar a luta dos imigrantes, se posicionar sobre questões LGBTQ e mostrar figuras não religiosas como Charles Darwin e Albert Einstein.
No início deste mês, o Vaticano exibiu o seu presépio, que mostra a situação dos imigrantes e refugiados com a estátua de um homem carregando seus pertences enquanto se aproxima da manjedoura. A mensagem ambiental do papa também foi ressaltada pelo fato de que o presépio ser totalmente isento de plástico.
Em Boston, uma igreja em Dedham, Massachusetts, montou um presépio na semana passada com o objetivo de lembrar os espectadores sobre o impacto das mudanças climáticas.
Dentro da manjedoura de vidro, garrafas de plástico e outros lixos flutuam perto de Jesus, Maria e José, enquanto são varridos por ondas azuis. Debaixo da água, o rebanho dos pastores e os camelos dos sábios estão se afogando. Alguns animais, embora não todos, já estão abaixo da superfície da maré crescente.
“Deus amou o mundo”, diz um cartaz acima da manjedoura, retirado de João 3,16, e pergunta: “Vamos amar também?”.
O Pe. Stephen Josoma, pároco da Igreja de Santa Susana, disse que o presépio da igreja foi projetado para causar impacto.
“Estamos muito satisfeitos por chamar a atenção das pessoas para a principal questão da nossa geração”, disse Josoma. “Se são frequentadores da igreja, elas precisam ouvir tudo isso na igreja. Senão, precisam pedir que o pároco pense sobre isso.”
Para a Igreja Metodista Unida de Claremont, é uma tradição anual exibir presépios ousados. A igreja está localizada em uma cidade universitária e fica ao lado da Claremont School of Theology, uma instituição que a autora e teóloga Diana Butler Bass descreve como um dos seminários mais liberais.
Butler Bass imaginou que os membros da congregação, que são um pouco mais velhos, pensariam que o público-alvo era o bairro local, que inclui residentes, estudantes e professores visitantes.
“O bairro deles os conhece há gerações”, disse Butler Bass, que compartilhou a foto do presépio em seu perfil no Twitter.
We believe that God is present
— Diana Butler Bass (@dianabutlerbass) 8 de dezembro de 2019
in the darkness before dawn;
in the waiting and uncertainty
where fear and courage join hands,
conflict and caring link arms,
and the sun rises over barbed wire.
We believe in a with-us God
who sits down in our midst
to share our humanity.
- Iona pic.twitter.com/Luhpa25sws
Certos grupos da internet, no entanto, não estão familiarizadas com a igreja e viram a ação de um modo muito diferente.
“A ala direita viu a ação como um ataque político à Sagrada Família e ao Natal”, acrescentou.
O presépio de Claremont inclui uma declaração que faz referência à política de separação familiar do governo Trump. Ela aponta para a estimativa de mais de 5.400 crianças que foram separadas na fronteira desde julho de 2017.
“Imagine José e Maria separados na fronteira, e Jesus, com menos de dois anos, retirado da sua mãe e colocado atrás das cercas de um centro de detenção da Patrulha de Fronteira”, diz o documento.
Essa não é a primeira vez que a Igreja Metodista Unida de Claremont gera manchetes com o seu presépio.
Em 2013, a igreja exibiu um presépio que retratava o menino Trayvon Martin, de capuz, caído no chão, com sangue escorrendo pelo seu peito. A cena foi intitulada: “Um menino nasceu, um filho nos foi dado”.
“Não há momento melhor para refletir sobre a violência armada do que o Advento, quando celebramos o nascimento de Jesus”, dizia um cartaz. “Jesus nasceu em um estado de total vulnerabilidade como uma criança inocente e desarmada durante um tempo de grande violência, como Trayvon Martin.”
Morales acredita que as notícias dessa nova instalação decolaram depois que teólogos proeminentes como Butler Bass compartilharam a foto do presépio que a sua nova pastora principal, a Rev. Karen Clark Ristine, postou na noite de sábado no Facebook. Nessa postagem, Ristine disse que foi levada às lágrimas pelo presépio e compartilhou a sua declaração teológica.
A postagem foi compartilhada mais de 24.000 vezes.
Na internet, muitas pessoas expressaram sua raiva e criticaram o presépio da igreja.
“Quem criou essa mentira vai queimar no inferno por blasfêmia”, disse um comentarista do Facebook.
“Politizar o nascimento de Cristo é muito errado em todos os sentidos!”, escreveu outro.
Como cristãos, Morales disse que precisa se levantar e se pronunciar contra as injustiças. Ela disse que a igreja também estava trabalhando na tradução da mensagem do presépio para o espanhol, acrescentando que muitos falantes de espanhol pararam na igreja para ver a representação.
“Significa muito sentir que todo mundo não te odeia”, disse ela.
Na quarta-feira à noite, grupos de pessoas paravam para passar um tempo diante do presépio.
Uma mulher, que não quis se identificar, ficou agradecida pela representação. Ela também estava surpresa que uma igreja cristã tenha feito uma declaração tão forte de apoio aos imigrantes.
Isso surpreendeu R. J. Lucchesi, 35 anos, estudante da Claremont School of Theology. Ele mora em San Diego e passa pelo campus uma vez por semana.
“Minha fé cristã sempre esteve nas mãos de políticas conservadoras”, disse Lucchesi. O presépio, disse ele, “parece um pouco um solo sagrado”.
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“Você precisa chamar o mal pelo nome”, diz pastora da igreja que representou Jesus, Maria e José separados em gaiolas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU