17 Dezembro 2019
O Natal se aproxima. As velas do Advento, três roxas e uma rosa, adornam o altar. O “Glória” não é cantado há três semanas. As leituras de Isaías nos apontam, como apontaram para Israel, a vinda do Messias e o estabelecimento de seu reino. Ao longo da rua principal da minha cidade, a maioria das casas tem velas nas janelas, indicando para o estranho que lá dentro há acolhida do frio inverno.
O comentário é de Michael Sean Winters, publicado por National Catholic Reporter, 16-12-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fora da órbita da Igreja, um Natal diferente já chegou. As lojas estão lotadas nos fins de semana praticamente intransitáveis. Os caminhões da FedEx e da UPS são onipresentes, entregando o que foi pedido na Cyber Monday. Eu percebi os primeiros itens de Natal no mercado no fim de semana logo depois do Halloween. As grinaldas têm fitas vermelhas, não roxas. As luzes das árvores de Natal brilham através das janelas de muitas casas, e, nos gramados, há todo tipo de coisas, desde Papais Noéis infláveis a quebra-nozes de madeira. Algumas casas estão enfeitadas com luzes aberrantes.
É preciso um esforço consciente para preservar o Advento e o senso de expectativa apropriado a esta época. Requer disciplina espiritual evitar o consumismo que realmente tirou o Cristo do Natal e o substituiu por Mamon. Embrulhado para presente.
O nosso Santo Padre, papa Francisco, nos ofereceu uma assistência especial neste ano com uma curta carta apostólica intitulada Admirabile signum. Eu confesso que não li a notícia que foi postada aqui no NCR no dia 2 de dezembro. Nem me lembro de ter visto a manchete. Mas um amigo me incentivou a ler essa curta epístola do papa, e ela é realmente maravilhosa.
A carta nos encoraja a manter ou a retomar a tradição de montar o presépio – nas nossas casas, nas nossas Igrejas, nas nossas escolas. E reflete sobre a história do presépio e, mais importante ainda, sobre a espiritualidade da cena:
“De modo particular, desde a sua origem franciscana, o Presépio é um convite a ‘sentir’, a ‘tocar’ a pobreza que escolheu, para Si mesmo, o Filho de Deus na sua encarnação, tornando-se assim, implicitamente, um apelo para O seguirmos pelo caminho da humildade, da pobreza, do despojamento, que parte da manjedoura de Belém e leva até à Cruz, e um apelo ainda a encontrá-Lo e servi-Lo, com misericórdia, nos irmãos e irmãs mais necessitados (cf. Mt 25,31-46)” (n. 3).
O papa nos pede para refletir sobre a cena, começando pelo céu estrelado, e sobre os temas da escuridão e da luz que embasam as nossas perguntas existenciais: quem sou eu? De onde venho? Por que amo e sofro?
Ele nos pede para levar em consideração a tradição das ruínas que estão ao redor e, em alguns casos, até mesmo substituem a gruta de Belém como pano de fundo para a manjedoura. “Aquelas ruínas são sinal visível sobretudo da humanidade decaída, de tudo aquilo que cai em ruína, que se corrompe e definha. Este cenário diz que Jesus é a novidade no meio dum mundo velho, e veio para curar e reconstruir, para reconduzir a nossa vida e o mundo ao seu esplendor originário” (n. 4).
O Papa nos pede para levar em consideração o papel dos pastores na história do nascimento de Cristo:
“‘Vamos a Belém ver o que aconteceu e que o Senhor nos deu a conhecer’ (Lc 2,15): assim falam os pastores, depois do anúncio que os anjos lhes fizeram. É um ensinamento muito belo, que nos é dado na simplicidade da descrição. Ao contrário de tanta gente ocupada a fazer muitas outras coisas, os pastores tornam-se as primeiras testemunhas do essencial, isto é, da salvação que nos é oferecida. São os mais humildes e os mais pobres que sabem acolher o acontecimento da Encarnação” (n. 5).
Ele observa que muitas pessoas acrescentam figuras adicionais e acredita que as figuras mais apropriadas são os pobres. “Em primeiro lugar, as de mendigos e pessoas que não conhecem outra abundância a não ser a do coração”, escreve o papa. “Também estas figuras estão próximas do Menino Jesus de pleno direito, sem que ninguém possa expulsá-las ou afastá-las de um berço de tal modo improvisado que os pobres, ao seu redor, não destoam absolutamente” (n. 6). Não seria esse um requintado resumo dos ensinamentos de Francisco nesses sete anos?
Ele discute a importância de Maria e de José, de colocar o Menino Jesus na manjedoura no Natal e os Reis Magos na Epifania. Ele oferece reflexões concisas sobre o significado teológico do presépio e de todas as suas partes, mas o principal é que o presépio é um meio de transmitir a fé. É algo tão simples que uma criança pode entender.
“... [E]stimula os afetos, convida a sentir-nos envolvidos na história da salvação, contemporâneos daquele evento que se torna vivo e atual nos mais variados contextos históricos e culturais", escreve ele.
Uma das coisas que aconteceram depois do Concílio Vaticano II e que eu acho que agora podemos olhar com algum pesar é o desaparecimento de grande parte da piedade popular. Não estávamos errados ao nos concentrarmos na missa, especialmente agora que ela estava em vernáculo e podíamos entendê-la. Mas a piedade popular – estátuas e água benta em casa, peregrinações, procissões, devoções familiares – são coisas que atuam como uma espécie de estrutura espiritual para a missa. Elas não competem com a missa, mas sustentam a fé necessária para discernir a corpo e o sangue de Cristo na Eucaristia.
Os nossos irmãos e irmãs latinos não abandonaram a sua piedade popular como nós, no frio Norte. Quem pode deixar de testemunhar os fogos de artifício, as bandas mariachi e as centenas e centenas de buquês de flores aos pés da Virgem de Guadalupe na semana passada e não reconhecer que a fé dos nossos irmãos e irmãs latinos está viva de um modo que a fé na Igreja anglófona não está?
A causalidade é algo difícil de determinar, mas é claro que uma das razões pelas quais a religião está agonizante no Ocidente é que nos tornamos ricos. Na semana passada, Jonathan Luxmoore publicou um ótimo artigo aqui no NCR sobre o 30º aniversário da queda do comunismo na Europa Oriental. Nele, ele observou: “A Igreja teve de lidar com seus próprios problemas. As esperanças de um renascimento religioso em massa, elevadas nos primeiros anos após o regime comunista, desapareceram enquanto estilos de vida consumistas diluíam o entusiasmo popular”.
“Você não pode servir a Deus e a Mamon”, disse Jesus aos seus discípulos (Mateus 6,24). Veja o que a nossa cultura consumista fez do Natal e você poderá discernir como o Mestre era presciente. Francisco nos desafia de muitas maneiras, mas sempre nos desafia a aprofundar a nossa fé. Neste Advento, ao montarmos os nossos presépios, deixemos que o aprofundamento da fé seja a nossa oração.
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“Não havia lugar para eles”. Muito menos no shopping - Instituto Humanitas Unisinos - IHU