25 Novembro 2019
A quarta e última sessão do Congresso de Teólogos Latino-Americanos sobre as Reformas de Francisco, em Caracas, se centrou no tema “Juntos como povo de Deus na Venezuela”, com as intervenções do professor jesuíta Luis Ugalde, com o reitor da Universidad Católica Andrés Bello - UCAB, José Virtuoso, o teólogo jesuíta Pedro Trigo e, com o encerramento pelo cardeal Baltazar Porras. Os três, com uma denúncia clara e enfática da situação atual que atravessa o país: “Imensa periferia”, para Ugalde; “uma ditadura cruel e tirânica”, para o reitor da UCAB.
A reportagem é de José Manuel Vidal, publicada por Religión Digital, 22-11-2019. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
O professor Luis Ugalde começou dizendo que “Jesus não se foca no centro, mas sim revela o rosto de Deus desde a periferia dos excluídos”. Por isso, aborda sua exposição em três partes: “A Venezuela passou do centro à periferia”, “Pinceladas sobre o que a Igreja significa nesta sociedade” e “A Igreja chamada a renascer no coração da periferia, em um país que se tornou integralmente em periferia”.
Ugalde assegura que “a proposta de Chávez colocou a Venezuela no centro das atenções do mundo, porque ressuscitou a utopia e a ‘chequera’ (talão de cheques, o financiamento) ”.
“Muito pouco tempo depois, a revolução e seu modelo fracassaram estrepitosamente, com uma ruína imensa: quatro milhões e meio de pessoas saíram do país, porque não podem viver. Estamos passando do centro das atenções a um imenso desastre, em ruínas. Todo o país passa a ser periferia, em situação de indigência e mendicidade mundial. Não temos remédios e nem podemos pagar as dívidas”.
E acrescentou: “Não há somente empobrecimento nos bairros, mas também na classe média, os médicos, os empresários. Um fenômeno que afeta a todos”.
Por isso, “a saída às periferias não é de uma Igreja que está acomodada no centro para ir às periferias pobres. Nesse caso, todo o país se tornou periferia. A Igreja acompanha e está se tornando cada vez mais consciente de que está chamada por Jesus a atuar no centro dessa periferia e assumir essa tragédia que é como um pós-guerra espantoso”.
Depois de uma revisão da história recente da Igreja na Venezuela, o padre Ugalde aborda a chegada de Chávez ao poder, quem “encarnou o messianismo militarista” e começou a etapa “da utopia à ruína nacional e à ditadura”. E isso “é algo impossível de discutir”. “É uma ruína que afeta a todos, inclusive aos chavistas”.
Em continuação, o padre Ugalde se perguntou “o que a Igreja venezuelana pode fazer para esse país renascer? ”. Na sua opinião, “a Igreja atual não é impositiva, têm enormes dificuldades econômicas, é pobre e apenas pode manter as paróquias e os seminários”.
“Aqui, nem palácio episcopal, nem orçamento, nem nada e nem outras coisas, não dependem do financiamento estatal e conserva uma presença significativa nos setores pobres”, acrescentou o teólogo.
“A Igreja faz, ademais, uma abordagem educativa da qualidade nos diversos setores. Uma qualidade extraordinária de nossa Igreja”, ao que precisa se acrescentar “a venezuelização das congregações religiosas” e “a primeira Igreja que celebra um Concílio plenário de disposição pastoral e não burocrático”.
Ademais, “o episcopado se converte em orientação” e se dão “devoções mobilizadoras que transbordam os muros do templo e se convertem em clamor pela mudança”, assim como “numerosos leigos reconhecidos em diversas profissões” e “o florescimento da solidariedade”.
Para o jesuíta, “a Igreja se sente provocada a olhar para frente e para fora, para sair a serviço dos necessitados, com a humildade de ser uma Igreja pobre para servir a um país empobrecido, para que a Venezuela seja um povo reconciliado e para ser sinal de esperança em um país desesperançado”, concluiu o padre Ugalde, em meio a uma fervorosa ovação do povo.
Na continuação, interviu o padre José Virtuoso, com uma conferência intitulada “A missão da Igreja e a construção da cidadania e democracia na Venezuela“.
“Venezuela vive em uma ditadura cruel e tirânica, que oprime o povo, submetendo-o a uma extraordinária crise humanitária. Uma ditadura com uma ideologia se impõe pela força. Os que se opõem a essas ideologias são inimigos eternos”, começou o reitor da UCAB.
“Uma ditadura que instaura um estado de guerra permanente entre os venezuelanos e um Estado falido. Na Venezuela não há saída, sem liberdade, sem democracia”, acrescentou.
Na sua percepção, o clima social predominante é que “isso não pode seguir assim”. Porque a situação “afeta a todos e cada vez mais, com carência e desamparo”.
Para o padre Virtuoso, “um desenrolar violento deixaria o país ainda pior do que agora”. Alguns optam por um desenrolar violento, “porque por vias pacíficas não conseguirão nada”. Ademais, “o povo se distancia do cívico, buscando a forma de sobreviver”.
O reitor jesuíta assegurou que “precisa completar esse panorama de desolação com outro que gera solidariedade, com espírito de resistência e criatividade, com espírito cristão, sem sucumbir frente às dificuldades, lutando pela mudança sem suas comunidades”.
Porém, “o clima social é mais de frustração”, porque “o povo quer mudança urgente, 90% dos venezuelanos avaliam negativamente a gestão de Nicolás Maduro e pedem que haja eleições livres e transparentes”.
Virtuoso se perguntou, na continuação, "qual é a missão da Igreja nesse contexto?" “A voz da Igreja é de máxima autoridade moral na Venezuela de hoje. Nossa Igreja é uma luz que aponta o caminho em meio da escuridão, gera confiança e sua voz é reconhecida. Está chamada a ser fonte de reconciliação desde a justiça”.
Na sua avaliação, a Igreja tem que ser na Venezuela “sacramento de reconciliação”, para superar “a tragédia que vivemos”. E convidou a semear esperança no coração dos venezuelanos. “Não sairemos dessa terrível tragédia sem construtores de democracia e, para isso, fazem falta políticos, e nós temos que formá-los”.
Para resumir, o reitor Virtuoso apontou: “O papel da Igreja é manter viva a esperança de mudança, de que essa situação pode se transformar. Essa sociedade civil, que está deprimida, não pode seguir assim, senão nos converteremos em uma segunda Cuba. Temos que impedir que morra a cidadania, mantendo viva a esperança, que se apaixone pelo possível”. E o povo o despediu com outra grande ovação.
Na continuação, o padre Pedro Trigo abordou o tema da responsabilidade pastoral da Igreja em um contexto de crise como a da Venezuela atual. Na sua opinião, “o verdadeiro cristão não pode se desentender da situação na qual vive e em uma crise, faz seus os gozos e as esperanças, porém, sobretudo, as tristezas e as angústias, que impregnam a maioria da população”.
Primeiro, “com atitude de simpatia” e, depois, com “compaixão com os que não comem ou não tem um salário digno, ou que não tem água, nem luz, nem transporte ou que se ficam sozinhos e que não sabem quando vai terminar esse calvário”.
Para o teólogo, “este ‘estar com’ não é uma atitude para ganhar adeptos”, mas sim “uma encarnação solidária com o Povo de Deus”. Por isso, é necessária “uma ajuda humanitária, tanto capilar quanto organizada”, entregando-se como Jesus que “nunca teve nada e sempre foi um ‘pé-no-chão’”.
Pedro Trigo defendeu “que a Igreja não pode se meter na política”, mas sim denunciar e trabalhar positivamente para que “haja vida para todos”. “Precisamos caber todos no país, e juntos”.
Para isso, tem que propagar o ensinamento social da Igreja e “fazer o possível que o povo se encontre de maneira aberta, para cuidar de seus problemas”.
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“Venezuela é uma imensa periferia, em situação de indigência e mendicidade mundial”, constata o jesuíta Luis Ugalde - Instituto Humanitas Unisinos - IHU