13 Setembro 2019
A oposição a Francisco, que se manifesta dentro da própria cúria, radicalizou-se a ponto de questionar sua legitimidade.
Publicamos aqui o editorial do jornal francês Le Monde, 12-09-2019. A tradução é de André Langer.
Ao voltar de uma viagem a três países africanos, no dia 10 de setembro, o Papa Francisco, no avião, falou com os jornalistas. Uma das perguntas o levou a dar uma resposta àqueles que chegam ao ponto de questionar sua legitimidade. “Rezo para que não haja cisma, mas não tenho medo”, disse o pontífice argentino. De acordo com a teologia católica, um cisma é definido como uma “recusa de submissão ao papa ou à comunhão com os membros da Igreja que estão sujeitos ao mesmo”. Isso aconteceu em 1988, quando o arcebispo Marcel Lefebvre desafiou João Paulo II, consagrando bispos tradicionalistas sem a aprovação de Roma, o que o levou a ser excomungado.
A Igreja Católica está à beira de um novo cisma? Fortemente sacudida pelos casos de pedofilia que chamuscam seriamente sua imagem, ela é abalada por uma crise grave. Desde sua eleição em 2013, Jorge Bergoglio tem sido objeto de críticas crescentes por parte das correntes conservadoras, especialmente americanas. Ele é criticado por suas aberturas – cautelosas – em questões relativas à família e até da homossexualidade, e por suas declarações sobre a justiça social, os migrantes, o capitalismo e a globalização.
Para o Papa, qualquer crítica, desde que seja “leal”, é aceitável. “Eu sempre aproveito as críticas, explicou, sempre. Às vezes elas me deixam com raiva, mas as vantagens existem”. E ironizou aqueles que pensam que ele é “muito comunista”: “As coisas sociais que digo, são as mesmas que disse João Paulo II. As mesmas! Eu o copio!”
Francisco não é o primeiro papa a ser criticado, mas a oposição ao seu pontificado, que se manifesta dentro da própria cúria, se radicalizou a ponto de questionar sua legitimidade ou fazê-lo parecer um herege. O livro que acaba de ser publicado, Comment l’Amérique veut changer le pape [Como a América quer mudar o Papa] (Bayard), de Nicolas Senèze, jornalista do La Croix, destacou o que parece ser uma conspiração. “É uma honra que os americanos me ataquem”, respondeu o pontífice em 4 de setembro. Há um ano, um ex-núncio em Washington acusou o bispo de Roma de cumplicidade com os pedófilos e pediu sua renúncia, com o apoio de cerca de 20 bispos americanos.
Iconoclasta demais, pouco ortodoxo, esse papa que não hesita em denunciar os males de sua Igreja incomoda. Em relação aos seus detratores, Francisco escolheu contra-atacar. “Criticar sem querer ouvir a resposta e sem diálogo – advertiu – não é bom para a Igreja, é perseguir uma ideia fixa, mudar o papa ou provocar um cisma”. Repreendendo seus adversários de instilar a ideologia na doutrina da Igreja, acrescentou: “Quando a doutrina deriva da ideologia, existe a possibilidade de um cisma”. Ao evocar publicamente, e pela primeira vez, uma hipótese dessas, mostra que leva o risco a sério. Ele o dramatiza para melhor conjurá-lo e chama seus adversários de dissidentes.
Ao recorrer a tal estratégia, o Papa demonstra sua determinação: não se deixará intimidar. Em outubro, fará uma nova prova em um sínodo dos bispos sobre a Amazônia, que poderá, para mitigar a falta de padres, prever a ordenação de homens casados. Francisco está determinado a continuar seu caminho, mesmo que seja heterodoxo. Paira no ar a sombra de um cisma? Ele não tem medo disso.
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O Papa e a sombra de um cisma. Editorial do Le Monde - Instituto Humanitas Unisinos - IHU