06 Agosto 2019
No caos da temporada de verão dos supostos "expurgos" do Pontifício Instituto João Paulo II também aparece Bento XVI. No dia 1º de agosto passado, o Papa emérito recebeu em audiência privada monsenhor Livio Melina, homem símbolo do Instituto fundado por João Paulo II em 1981, até hoje professor da cátedra de teologia moral fundamental para a qual, na reorganização do Instituto, sua nomeação não foi renovada. Uma destituição que gerou forte polêmicas por parte de alunos e professores do Instituto.
A reportagem é de Salvatore Cernuzio, publicada por La Stampa, 05-08- 2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Quem divulgou a notícia sobre a audiência nesta segunda-feira foi o site AciPrensa, pertencente ao grupo estadunidense Ewtn, em estreito contato com o grupo de Joseph Ratzinger, que em várias ocasiões desempenhou o papel de caixa de ressonância para as correntes de dissenso contra o Papa Francisco (ver o caso do ex-núncio Viganò). A edição italiana do site, AciStampa, mais equilibrada e pontual nas crônicas do Vaticano, limita-se a relatar uma nota concisa na qual explica que: “Em 1º de agosto de 2019, o Papa emérito Bento XVI quis receber em audiência privada o professor mons. Livio Melina. Depois de uma longa conversa sobre os recentes acontecimentos no Pontifício Instituto João Paulo II, concedeu sua bênção, expressando sua pessoal solidariedade e assegurando-lhe sua proximidade em oração”.
A página em espanhol, por outro lado, recupera os tempestuosos acontecimentos das últimas semanas que envolveram o Instituto e dá amplo espaço às declarações de Juan José Pérez-Soba, teólogo espanhol diretor da área de pesquisa do João Paulo II, em que salienta "a profunda relação entre Bento XVI e a fundação do seu predecessor no pontificado, bem como com o dispensado monsenhor Livio Melina". A seguir são citadas, cronologicamente, todas as ocasiões em que Bento XVI falou ou escreveu em favor do Instituto, incluindo cartas, mensagens e audiências.
Uma operação que parece querer destacar mais uma ruptura entre o Papa emérito e o reinante. Uma daquelas manobras midiáticas a que já testemunhamos nos momentos "quentes" do pontificado de Jorge Mario Bergoglio: o duplo Sínodo sobre a família, a publicação da Amoris laetitia, a cúpula sobre os abusos; todas ocasiões que suscitaram controvérsias intraeclesiais nas quais se tentou envolver o Papa emérito (do grupo de cardeais em corrida para o Mater Ecclesiae até a publicação das "Notas") como se ele fosse um juiz de apelação contra as decisões do seu sucessor julgadas perigosas para o futuro e a vida da Igreja. Uma maneira também de valorizar a existência daquela "diarquia" da qual personagens próximas a Ratzinger falaram várias vezes em público.
Também este caso, com a photo opportunity do idoso Ratzinger e de Melina sorridente, acompanhada pela carta de Pérez-Soba, parece enquadrar-se na mesma linha orientada a relançar uma mensagem muito precisa: sob Bento XVI o Instituto dedicado aos estudos sobre casamento e família usufruía de boa saúde e, sobretudo, de estima por parte do Papa, enquanto que com Francisco foi atingido em sua "essência". É isso que escreveram os jornais italianos e internacionais de natureza conservadora desde sempre em oposição ao Papa argentino, alguns chegando a definir a série de substituições e demissões - algumas até fisiológicas, dada a idade dos sujeitos - um "tapa" à memória e ao legado de João Paulo II e apontando o dedo contra o atual diretor Pierangelo Sequeri e o grão chanceler, arcebispo Vincenzo Paglia, como artífices da limpeza geral.
Certamente não deve ser ignorado o descontentamento despertado dentro do Instituto pontifício pela aprovação dos Estatutos e pela saída de cena de Melina e do outro "pilar", padre José Noriega, bem como de Stanislaw Grigyel, filósofo polonês, amigo de Karol Wojtyla. Isso é demonstrado pela carta assinada por mais de 150 alunos, os mesmos que agora criaram um site para se manter constantemente atualizados sobre os eventos do Instituto.
No entanto, resulta excessivo, pelo menos analisando em detalhes a realidade dos fatos, falar de "expurgos", "expurgos papais", "saque de Roma", "acerto de contas". A cúpula do João Paulo II as definiu como “informações destorcidas e tendenciosas” no comunicado de 29 de julho passado. Além disso, de acordo com a carta enviada por monsenhor Melina a Avvenire, ninguém no Instituto jamais se opôs ao Pontífice: então, para que serviriam os expurgos? "A nenhum dos professores demitidos, o grão-chanceler, arcebispo Vincenzo Paglia, pôde alegar como motivação para as providências supostos ataques ao Papa Francisco", consta na carta publicada no jornal da CEI em 2 de agosto.
Talvez não tenham acontecido ataques "desleais", mas não se pode negar que há alguns anos o João Paulo II vem sendo considerado pela opinião pública como uma espécie de "bastião" contra o "novo rumo da Igreja" em defesa dos valores ameaçados pela Sínodo sobre a família e pela Amoris laetitia de Francisco. Talvez porque, embora sempre tenham sido cautelosos nas tomadas de posição públicas e raramente tenham concedido entrevistas, não era incomum ouvir da boca dos alunos e professores queixas de "uma Igreja que aponta para baixo", de "moral fragmentada", de "pontificado devastador".
Ou talvez porque não faltaram ocasiões em que entre os muros do Instituto tenham ressoado palavras críticas: por exemplo, durante a inauguração do ano acadêmico de 2015-2016, que ocorreu em 27 de outubro de 2015, quando foi convidado para palestrar o cardeal australiano George Pell, então prefeito do Secretariado para a Economia, que em uma palestra sobre o tema "Fé, família e finanças hoje" introduzida por monsenhor Melina, tinha malhado os resultados e as posições produzidas pelo Sínodo sobre a família que havia terminado dois dias antes definindo-as "um Cavalo de Tróia a ser usado para propor um ataque à belíssima doutrina da Igreja sobre a consciência". Palavras calorosamente aplaudidas pelos presentes na sala.
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Instituto João Paulo II, em meio às polêmicas, a 'photo opportunity' de Melina com Bento XVI - Instituto Humanitas Unisinos - IHU