24 Julho 2019
Embora não seja unívoco, o discurso da Igreja Católica sobre o corpo tem sido caracterizado por uma desconfiança da qual ainda não se livrou completamente. Durante três dias, no convento de La Tourette, em Lyon, historiadores das religiões, do direito e da arte se questionaram sobre as razões desse mal-entendido: "É preciso matar a natureza. Recuse ao seu corpo a menor satisfação", recomenda o padre espiritual a Marie-Eugène do Menino Jesus (1894-1967). No ideal, e por força de "praticar a mortificação", o jovem carmelita e futuro fundador do Instituto de Notre-Dame-de-Vie poderia nem mesmo mais "sentir as necessidades do corpo" e, assim, dedicar-se unicamente a Deus.
A reportagem é de Anne-Bénédicte Hoffner, publicada por La Croix, 22-07-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Felizmente, ressalta o Padre Bernard Minvielle, professor de história da Igreja e do studium desse instituto, outras leituras levam-no a "perguntar-se sobre a sabedoria de tal ascetismo" e a mudar o olhar. Corpo e religião têm uma relação complicada. "E os problemas atuais da Igreja Católica com a crise dos abusos sexuais não remontam aos anos 1950", enfatiza o historiador Régis Burnet, que leciona o Novo Testamento na Universidade Católica de Lovaina. Mas por que e até que ponto corpo e religião - católica, mas não só – estão em contraste? Em qual ou em quais momentos da história foi estabelecida a desconfiança? É o argumento que o Carrefour d'histoire religieuse escolheu explorar em sua 28ª edição. Reunidos no convento de La Tourette, em Lyon, de 11 a 13 de julho, historiadores das religiões, do direito e da arte o abordaram, cada um sob um ângulo diferente. Provocando perspectivas interessantes ...
Para Régis Burnet, o mal-entendido remonta a São Paulo e sua primeira carta aos Coríntios - "Vós não sabeis que sois o templo de Deus?" - ou, mais exatamente, ao "primeiro comentador que mencionou explicitamente tal texto, Tertuliano". Jesus, por outro lado, "não tem nenhum discurso sobre a sexualidade nem, mais genericamente, sobre o corpo e sobre o uso que dele é feito. O corpo lhe interessa, por assim dizer, apenas como corpo que sofre", lembrou numa intervenção deliberadamente provocante:" Por que os cristãos só falam de sexo?".
"A comparação com o templo de Deus parece ser coletiva e metafórica, enquanto Tertuliano a torna uma interpretação individual e física", observa ele. Da condenação da prostituição à busca da "pureza", afinal são todas as relações sexuais que são "assimiladas à impureza" ... A Alta Idade Média e depois a reforma gregoriana são a ocasião para um fortalecimento adicional do discurso.
"O problema dos concílios merovíngios é dar uma identidade ao clero", recorda o medievalista Jean Heuclin, professor e decano honorário da Universidade Católica de Lille. "Tendo que servir de modelo para os fiéis, se escolhe o modelo monástico, na época reservado para uma elite aristocrática." Mais tarde, na virada dos séculos XVI e XVII, a caracterização da confissão católica que segue o Concílio de Trento implica uma "crescente pressão" da Igreja sobre o indivíduo e sobre o corpo".
"Os teólogos modernos falam disso constantemente, de maneira extremamente circunstanciada", observa Jean-Pascal Gay, historiador do cristianismo moderno e contemporâneo em Louvain. Em que condições pode alguém se dispensado do jejum ou da obrigação de assistir à missa dominical? Quais defeitos físicos podem impedir que um homem seja ordenado sacerdote? Como enquadrar o culto em torno de um corpo que permaneceu "incorrupto"? Todas estas perguntas são meticulosamente analisadas em todos os aspectos pelos palestrantes.
Como lembra o dominicano Gilles Danroc, "nós não temos uma relação imediata com nosso corpo, mas filtrada por representações. Por muito tempo a única representação dos corpos é aquela dos textos sagrados". Disso deriva a recusa, no final do século XIX, do pároco de Ville-d'Avray de acolher o corpo de uma jovem protestante no cemitério católico. Ou as longas discussões, nas congregações religiosas apostólicas femininas, sobre o estilo de vestimenta a ser adotado, relatadas pela pesquisadora Anne Jusseaume: deve "separar do mundo" ou parecer "aquele das mulheres do povo"?
Sem dúvida, como recordava na introdução o presidente do Carrefour d'histoire religieuse, Bruno Béthouart, "só se pode compreender o presente à luz do passado".
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A longa história do corpo na religião - Instituto Humanitas Unisinos - IHU