13 Junho 2019
"Se ainda uma esquerda quer existir e quer acompanhar os desafios planetários, só pode ser uma esquerda que olha para as mudanças climáticas como a principal causa do declínio da civilização planetária e tem como objetivo a reconversão ecológica da economia, dos modelos de vida, dos consumo, da sobriedade, da convivência pacífica e da defesa dos oprimidos".
A opinião é do engenheiro civil italiano Enzo Scandurra, professor de desenvolvimento sustentável para o ambiente e o território da Universidade de Roma La Sapienza, em artigo publicado no jornal Il Manifesto, 12-06-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Quase cinquenta anos se passaram desde a publicação (1972) do famoso Relatório do MIT (Massachusetts Institute of Technology), encomendado pelo clube de Roma (liderado por Aurelio Peccei), The limits to Growth. Esse Relatório deu a volta ao mundo e ainda me lembro de Marcello Cini que se inflamava diante do quadro negro para ilustrá-lo em todas as faculdades universitárias. O título original era, na verdade, Os limites do desenvolvimento e foi traduzido para o italiano como Os limites do crescimento. O erro de tradução não foi casual; reza a lenda que os dois termos, Crescimento e Desenvolvimento, fossem quase sinônimos naqueles anos (ainda estávamos nos trinta gloriosos anos de desenvolvimento), quando o bem-estar econômico parecia nunca ter fim. E cerca de trinta anos se passaram desde que o prof. Monti proferiu uma famosa aula de economia na Universidade La Sapienza.
Em uma sala de aula lotada de estudantes, um deles se levantou para lhe fazer uma pergunta: "Professor e o meio ambiente onde fica?" Monti virou-se para o quadro negro, olhou para as fórmulas que acabara de escrever e depois dirigiu-se para o estudante dizendo: “Não existe; o meio ambiente não é considerado pela disciplina econômica”. Pelo menos, foi uma resposta honesta.
Agora as condições mudaram e nem o crescimento nem o desenvolvimento parecem mais garantir o bem-estar das pessoas. Quem ainda se lembra do Projeto Mose de Veneza?
Aquela monstruosa criatura deveria ter salvado a cidade do fenômeno da elevação das águas. Lembro-me de que em Veneza discutia-se muito e muitos da esquerda o consideravam absolutamente necessário contra aqueles que afirmavam que essa grande obra teria afundado na areia, não apenas metaforicamente. Em vez disso, era necessário retomar a manutenção dos canais, como era feito no passado, e deixar de lado o projeto faraônico. Seus detratores eram considerados inimigos da cidade, aqueles que não se importavam com o destino daquele lugar único no mundo. Bilhões foram gastos e outros continuam sendo gastos sem que a cidade receba qualquer benefício.
Devemos dar o braço a torcer a Massimo Cacciari, que sempre foi cético em relação àquele projeto e que, recentemente em um programa de televisão, disse que, mais cedo ou mais tarde, seria necessário refletir sobre aquela nefasta ideologia das Grandes Obras. Mas todos querem as Grandes Obras, direita e esquerda, a Europa em primeiro lugar, mesmo que quase ninguém (fora alguns fanáticos apoiadores) esteja convencido de sua utilidade, inclusive entre os próprios defensores.
Todo mundo fala sobre o meio ambiente e todo mundo fala sobre desenvolvimento sustentável. Tópicos que são meramente mencionados quando ocorrem grandes desastres e logo esquecidos nas agendas dos políticos de qualquer bandeira, direita e esquerda. A salvaguarda do meio ambiente não paga, tudo continua como antes, apesar de, como obstina-se a afirmar Guido Viale, seja desconcertante o quadro que cada um de nós tem diante de si, o apocalipse climático.
Mas nós, nos dizem os meios de comunicação, estamos preocupados com outro clima, aquele da suposta violência artisticamente insuflada pelo ministro do medo; estamos preocupados com a “invasão" dos migrantes que chegam da África, estamos preocupados com o trabalho que nos é "roubado", com os furtos em casa e com os assaltos (contra todas as evidências estatísticas). Assim, o partido do medo cresce e angaria cada vez mais prosélitos, enquanto a esquerda, que nunca quis tratar desses problemas, lança gritos inúteis no deserto contra uma direita que está se espraiando.
Nós vivemos à beira de um abismo, uma gigantesca falha que está aumentando cada vez mais. Milhares de pessoas, ou talvez povos inteiros, são engolidos todos os dias pela grande fenda, sem que sejam pranteados ou seus nomes sejam conhecidos, enquanto o opulento Ocidente se agarra aos décimos da falta de crescimento. Mas agora, também no Ocidente, falhas menores estão se abrindo, onde precipitam pobres cada vez mais pobres, marginalizados, doentes, abandonadas pelo desenvolvimento, pelo bem-estar que atende apenas alguns poucos eleitos.
E o papa, cada vez mais sozinho e não ouvido, troveja contra a hipócrita Europa, que, por um lado, prega a paz e, pelo outro, vende armas a facções em guerra, muitas vezes às mesmas duas facções que lutam entre si. É o cenário de um mundo de cabeça para baixo, de um gigantesco "banco de reserva", onde o anjo da história, impulsionado pelo desenvolvimento, vê a seus pés apenas as ruínas de um mundo que se dirige rumo à extinção.
Se ainda uma esquerda quer existir e quer acompanhar os desafios planetários, só pode ser uma esquerda que olha para as mudanças climáticas como a principal causa do declínio da civilização planetária e tem como objetivo a reconversão ecológica da economia, dos modelos de vida, do consumo, da sobriedade, da convivência pacífica e da defesa dos oprimidos.
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A gigantesca falha que ameaça a extinção dos seres vivos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU