01 Mai 2019
A compaixão: um livro investiga formas e significados de um poderoso sentimento capaz de somar em si misericórdia, compreensão e ternura. E que se transforma em ajuda concreta para suportar o peso dos nossos limites.
O comentário é do cardeal italiano Gianfranco Ravasi, prefeito do Pontifício Conselho para a Cultura, em artigo publicado em Il Sole 24 Ore, 28-04-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Erminio Gius.
Compassione.
Prefácio de Eugenio Borgna.
Bolonha: Dehoniane, 223 páginas.
“Na verdade, eu não amo os compassivos... Todos os criadores são duros... Na bainha dourada da compaixão, às vezes se oculta o punhal da inveja... Deus está morto: a sua compaixão pelos homens foi a sua morte... Louvado seja aquilo que nos torna duros.” Era óbvio: no seu “Assim falou Zaratustra”, Nietzsche preferia, ao Deus crucificado cristão, o Dionísio orgiástico triunfador. E muitos nos nossos dias, políticos e pessoas comuns, que quase certamente não sabem dizer uma palavra sobre o filósofo alemão, pensam da mesma maneira e se comportam consequentemente, impiedosos em relação aos diferentes em termos de pele ou etnia (ou, melhor, “raça”, como gostam de dizer).
Por isso, é necessário trazer de volta essa virtude para o areópago da sociedade e da cultura, e não apenas para o coração de certos templos, onde infelizmente assentou-se o ídolo do fundamentalismo sanguinário. Não é por acaso que, em 2016, o Papa Francisco convocou um jubileu da misericórdia, que é outro nome para a compaixão.
A propósito de sinônimos dessa virtude, é interessante notar que, até mesmo no seu léxico, podem-se ocultar ambiguidades. Certamente, misericórdia, caridade, piedade, compreensão, ternura são como as pétalas da mesma corola. Mas também se insinuam outros vocábulos que podem assumir tons degenerados: pensemos em compadecimento, comiseração (pelo “miserável”), pena e até mesmo a indulgência que pode vestir o manto da superioridade. Portanto, é importante escavar no terreno macio da compaixão para depositar aí sementes autenticamente fecundas.
E, para fazer isso, teologia e antropologia, religião e humanidade, ética e psicologia deveriam estreitar um pacto. É sobretudo a esta última disciplina, por ele ensinada por muito tempo, que, em seu último livro, Erminio Gius se refere, confiando-se também às iridescências dinâmicas e neurocientíficas dessa matéria, adotando as suas linguagens, os seus métodos e as suas ramificações analíticas.
O autor, porém, também é um franciscano capuchinho que quer trazer para a densidade das suas páginas também o porte típico do fiel cristão que tem como código capital a Sagrada Escritura. É assim que o imponente aparato crítico da psicologia social, por ele ensinada durante muito tempo a partir da cátedra da Universidade de Pádua, é estruturado com base em duas extraordinárias parábolas de Cristo, exclusivas do Evangelho de Lucas.
Elas articulam o volume em um díptico, introduzido por uma verdadeira autoridade no campo da psiquiatria, Eugenio Borgna, que também coloca o seu selo nessa contaminação de saberes na consciência de que eles, embora na diversidade dos magistérios e das suas epistemologias, convergem no único sujeito que é a pessoa humana na sua fragilidade e na sua demanda por “com-paixão”, de modo a poder suportar o peso do próprio limite.
A primeira tábua do díptico é confiada à extraordinária (também na sua estrutura narrativa-simbólica) parábola do filho pródigo na sua crise e no seu desvio que chega até a depressão (Lucas 15, 11-32). Mas justamente a definição atribuída por Gius é a de “parábola do pai misericordioso”, porque o verdadeiro protagonista do relato é o pai pródigo de compaixão.
À reconstrução dessa relação pai-filho, rachada e curada precisamente pelo amor misericordioso paterno, são dedicadas análises muito acuradas e até sofisticadas, que delineiam as diversas faces de uma história familiar em que domina a arte suprema do “ser genitor” (é fácil evocar, como também é feito nessas páginas, a célebre pintura do Hermitage em que Rembrandt põe no centro, em posição frontal, o pai que acolhe o filho de costas).
A segunda tábua do díptico é marcada por outra célebre parábola, a do bom Samaritano (Lucas 10, 30-37) que, precisamente através da “diversidade” étnica dos dois atores, o compassivo e a vítima pertencente a culturas e histórias diferentes, permite alargar o horizonte também à justiça e à formulação de uma “carta ética universal”, que traga precisamente nas entrelinhas a compaixão e a corresponsabilidade humana recíproca. De certa forma, é o que o renomado teólogo alemão Johann Baptist Metz propusera, ele que, nessa empatia humana radical, via o programa ideal do cristianismo imerso na era do pluralismo sociorreligioso e da tecnologia.
Naturalmente, muito mais articulado e complexo do que foi dito até agora é o projeto delineado pelo ensaio de Gius, que prossegue com uma verdadeira bateria de textos e de temas bíblicos, além de contínuas analogias e piscadelas à metodologia psicodinâmica e neurocognitiva.
No entanto, é forte a paixão com que é abordado o sujeito que tem um destaque fundamental na própria teologia cristã. Ainda no Antigo Testamento, um dos atributos do Deus compassivo era confiado a um substantivo plural, rahamîm, que designa as entranhas generativas, em particular o ventre materno, transformando-se em metáfora emocional. Entre outras coisas, todas as suras do Alcorão (exceto a nona, fruto talvez de um fracionamento) se abrem com dois adjetivos árabes cunhados sobre o mesmo radical do termo hebraico: “No nome de Deus misericórdio (rahman) e misericordioso (rahim)”. Esta é a verdadeira “compaixão”: ser tomado “desde as entranhas” por um amor total e espontâneo.
Essa mesma simbologia lexical também é reiterada no grego do Novo Testamento com um verbo que se refere aos splanchna, isto é, as “entranhas”, e que é atribuído precisamente ao pai da primeira parábola quando vê o filho perdido aparecer no horizonte (Lucas 15, 20) e ao bom Samaritano que se comove diante do ferido abandonado pelos bandidos na beira da estrada (Lucas 10, 33).
Jesus também tem as suas entranhas tomadas pela mesma compaixão quando, por exemplo, se depara com o funeral do filho único de uma mãe viúva no vilarejo de Naim (Lucas 7, 13). Em “O idiota”, Dostoiévski não hesitava – quase antecipando a ideia da carta ética mundial proposta por Gius e Metz como “terapia” social – em afirmar que “a compaixão é a mais importante e talvez a única lei de vida da humanidade inteira”.
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Compaixão: entre teologia, psicologia e neurociências. Artigo de Gianfranco Ravasi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU