30 Abril 2019
Quatro mil indígenas marcharam em defesa de seus direitos constitucionais, marcando posição pela manutenção da Sesai e contra a Medida Provisória 870.
A reportagem é publicada por Instituto Socioambiental - Isa, 29-04-2019.
O Acampamento Terra Livre (ATL) – maior manifestação dos povos indígenas no Brasil – de 2019 começou, na quarta-feira passada (24), com grande preocupação, em virtude da ameaça do governo Bolsonaro de jogar a Força Nacional contra os índios, mas terminou com um saldo muito positivo para a defesa dos direitos indígenas, que estão sob ameaça.
Antes de mais nada, cabe ressaltar o espírito de união que marcou o encontro de quase quatro mil representantes indígenas de todo o país, a despeito das suas diferenças, em se tratando de mais de 200 povos, que vivem em milhares de aldeias espalhadas pelo Brasil. Eles debateram os retrocessos que vêm sendo impostos pelo governo ao transferir a competência para demarcar as terras indígenas para o Ministério da Agricultura e o espólio da Fundação Nacional do Índio (Funai) para o Ministério da Família, Mulher e dos Direitos Humanos, além do desmonte o subsistema de atenção à saúde indígena.
Os índios também expressaram, com clareza, a sua indignação com as ofensas constantes do presidente Jair Bolsonaro às culturas indígenas e com o uso, que vem se tornando regular, de pessoas indígenas cooptadas em peças publicitárias atentatórias aos seus próprios direitos constitucionais. O governo afirma que pretende dialogar com os índios sem a mediação de ONGs e da Funai, mas se recusa a receber lideranças representativas. Os índios foram recebidos por funcionários de menor escalão nos ministérios da Saúde, onde protocolaram um documento reivindicando a manutenção do subsistema de atenção à saúde indígena, e da Justiça, onde foram informados que, em uma data ainda indeterminada, serão recebidos pelo ministro Sérgio Moro para apresentar suas reivindicações.
Desprezados pelo Executivo, os índios foram, no entanto, muito bem recebidos no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Congresso. O STF deve, proximamente, decidir sobre questões centrais para a demarcação das terras indígenas, como o preceito restritivo do “marco temporal”, instituído por uma portaria da Advocacia Geral da União (AGU), após várias sinalizações importantes de afirmação positiva dos direitos indígenas. Ainda na semana passada, o STF suspendeu uma reintegração de posse pretendida por fazendeiros contra os índios Kaingang, em Londrina (PR).
O destaque mais positivo deu-se no Congresso, onde lideranças indígenas participaram de audiências públicas e foram recebidas pelos presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), graças a gestões da deputada Joênia Wapichana (Rede-RR). Ambos declararam que apoiam a alteração da Medida Provisória 870, que reformou a estrutura do governo federal, para restabelecer a competência da Funai para demarcar as terras indígenas e o retorno dela própria para o Ministério da Justiça.
A mobilização indígena apontou o caminho para outros movimentos e segmentos da sociedade brasileira que vêm sendo violentados pelo atual governo. Antes mesmo do encerramento das atividades do ATL, pesquisadores ligados à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a outras instituições científicas e acadêmicas anunciaram uma mobilização para Brasília, nos dias 8 e 9 de maio, “que converge e deve ser tão importante quanto o Acampamento Terra Livre”.
Leia mais
- Ore Ywy – A necessidade de construir uma outra relação com a nossa terra. Revista IHU On-Line Nº 527
- Resistimos há 519 anos e continuaremos resistindo. Documento final do XV Acampamento Terra Livre
- Indígenas em Brasília: “Desta vez, não trouxemos nem as crianças e nem idosos”
- Em sua 15ª edição, ATL começa na Esplanada dos Ministérios e por pressão da PM vai para a praça dos Ipês
- Por que nos negam o direito de estar nesse lugar? Nota da APIB sobre o uso da Força Nacional contra o ATL
- Indígenas de todo Brasil se reunirão em Brasília para denunciar ataques e reafirmar resistências
- A ameaça institucional, jurídica e física à existência dos povos indígenas. Entrevista especial com Roberto Liebgott
- Novo assessor do Ministério da Agricultura comandou operação que matou indígena no MS
- Terras indígenas: mudanças do novo governo esvaziam direitos constitucionais
- Comissão Interamericana recebe denúncias de organizações indígenas brasileiras sobre políticas do governo Bolsonaro
- O que muda (ou sobra) para os índios com a reforma de Bolsonaro?
- Bolsonaro transfere para a Agricultura a demarcação de terras indígenas e quilombolas
- 'Não vamos recuar e muito menos entregar nossos territórios para honrar o acordo entre Bolsonaro e seus coronéis'
- "Medidas sobre demarcações indígenas são racistas", diz relatora da ONU
- Entidades criticam transferência da demarcação de terras indígenas e quilombolas para Agricultura
- Plano de Bolsonaro para demarcações indígenas pode parar na Justiça
- Governo Bolsonaro coloca em risco a demarcação de 232 territórios indígenas
- “Bolsonaro afronta e confronta os indígenas”. Entrevista com Cleber Buzatto
- Fim da demarcação de terras indígenas é catástrofe, diz ambientalista
- A preocupação dos grupos indígenas com candidatura de Bolsonaro
- Daiara Tukano, militante indígena: “Índios não são coisa do passado”
- O arrendamento de terras como tática de desterritorialização indígena no Brasil
- Povos indígenas no Brasil em luta contra as mudanças na Constituição
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Mobilização deixa clara posição dos índios contra o retrocesso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU