06 Abril 2019
Com apoio dos conservadores, Banco Mundial diz que sistema é insustentável – mas pede que entidades privadas possam geri-lo.
A reportagem é de Raquel Torres, publicada por Outra Saúde, 05-04-2019.
Ontem de manhã a Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara recebeu um economista do Banco Mundial, Edson Araújo, para uma audiência pública sobre o relatório do organismo que propõe mudanças no SUS. O secretário-executivo do ministério da Saúde, João Gabbardo dos Reis, elogiou o documento, que classificou como “um guia para o governo avançar no setor”. Esse relatório foi lançado no ano passado e, no Outra Saúde, falamos um bocado dele, inclusive porque foram recomendações que orientaram vários dos programas de candidatos à presidência – aliás, seu objetivo era justamente esse.
O fio condutor é a suposta falta de sustentabilidade do SUS, e Araújo reforçou que o aumento dos gastos com saúde supera o aumento do PIB. O Banco chega a ser mais razoável do que certos governos, e não defende redução da alocação de recursos – porém, é claro que também não fala em aumentar nada. A ideia é expandir os investimentos na atenção básica, mas retirando da média e alta complexidade. Araújo mostrou vários dados mostrando como uma atenção básica decente pode ser resolutiva, melhorando inclusive a “eficiência” (palavra favorita) dos outros níveis de atenção. Assim, de acordo com ele, essa defesa feita pelo Banco Mundial não se deve só a razões “humanitárias”, mas também econômicas, e é por razões econômicas que a atenção básica deve ter 100% de cobertura, mais médicos de família etc.
Segundo o relatório, há um desperdício de 22 bilhões de reais por ano, e esse valor poderia ser mais bem investido. Um ponto defendido pelo documento, aliás, é o fim da dedução de gastos com saúde privada do Imposto de Renda, que custou R$ 13 bilhões em 2018. “São gastos indiretos que beneficiam os ricos, uma pequena parcela da população, e poderiam ser introduzidos no SUS”, disse Araújo.
Até aí, embora o foco do banco seja sempre o da economia e da eficiência, as recomendações concretas até que estão mais ou menos de acordo com o que maior parte de quem nos lê deseja. Mas uma das principais defesas do documento é a maior presença do setor privado. E não na prestação de serviços realmente privados, mas na gestão dos públicos, com arranjos como o das Organizações Sociais. Araújo disse que as “evidências apontam para o melhor desempenho, produtividade e qualidade” das unidades administradas por elas, embora não tenha explicitado essas evidências. Aqui na newsletter temos mostrado notícias que permitem discordar. Já Gabbardo dos Reis o apoiou.
O Banco Mundial também orienta que se fechem hospitais em pequenos municípios, porque são menos eficientes e apresentam pior qualidade. Araújo afirmou que em alguns lugares, pelas dificuldades no deslocamento, eles podem ser mantidos, mas em muitos outros não há necessidade, e que as instalações podem ter suas funções transformadas de modo a cumprir papeis na atenção básica. Essa é uma discussão antiga.
A audiência foi pedida pelo deputado Ricardo Barros (PP-PR), ex-ministro da Saúde no governo Temer. Todos nos lembramos das declarações desastrosas que ele deu durante a gestão, afirmando que o tamanho do SUS precisava ser revisto, enfim. Ontem ele reforçou a posição, afirmando que um sistema universal e integral não se sustenta: “A capacidade de arrecadação do governo não permite dar tudo para todos”. No começo, ele disse que o TCU tem servido de barreira para concretizar as ações necessárias, e depois saudou como uma “boa notícia” a mudança recente na equipe, com o novo representante do Tribunal, Carlos Augusto Ferraz, que também discursou – e concordou com a insustentabilidade do SUS. Em sua avaliação, deve ser revista a lei que regulamenta a inclusão de novos remédios e tratamentos, e redefinido o “pacote” de benefícios a ser coberto pelo Sistema.
Como já indicamos, o representante do ministério da Saúde esteve bem próximo das recomendações do Banco Mundial. Coube a alguns deputados da oposição e ao Conselho Nacional de Saúde, o Conasems (que representa as secretarias municipais) e ao Conass (que reúne secretários estaduais) contestá-lo.
Depois, o Cebes publicou um texto se posicionando também. “É preciso deixar claro em favor de quem as reformas devem ser feitas”, diz, criticando as sugestões “pretensamente objetivas e neutras” do relatório. O Cebes alerta, por exemplo, para a insistência do Banco Mundial em desconsiderar o princípio da universalidade, usando sempre o termo “cobertura universal”: “O que estamos tentando implementar é um sistema universal, integral, igualitário, muito diferente da estratégia focalizada tal como vem sendo maquiada nas propostas de cobertura universal que vem sendo preconizada pelo Banco, reduzida à oferta de um pacote básico com cobertura universalizada”, diz o texto.
O Conselho divulgou na audiência uma análise técnica sobre a proposta de desvinculação orçamentária. O posicionamento é contrário, indicando maior impacto sobre saúde e educação. O documento também destaca as renúncias fiscais em todas as esferas de governo. Em 13 anos, só o governo federal distribuiu R$ 4 trilhões em subsídios.
A partir de um (outro) relatório do Banco Mundial lançado ontem, a Folha calculou que 7,4 milhões de brasileiros foram empurrados para a pobreza entre 2014 e 2017. Essa parcela da população que vive com menos de US$ 5,50 por dia (cerca de R$ 640 por mês) saltou de 17,9% para 21% do total. Já os extremamente pobres passaram de 2,8% para 4,8%. Segundo o relatório, em média, no resto da América Latina a pobreza continuou caindo após 2014.
O documento aponta que maior parte da queda na pobreza no Brasil entre 2003 e 2013 se deveu à conjuntura internacional favorável (mas, aqui, essa queda foi mais acentuada do que em outros países da América do Sul) e às políticas de redistribuição de renda. Só 13% do movimento de redução da pobreza foi por conta de mudanças estruturais.
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Na Câmara, o SUS a perigo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU