Na Câmara, o SUS a perigo

SUS | Foto Pixabay

Mais Lidos

  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS
  • Dilexi Te: a crise da autorreferencialidade da Igreja e a opção pelos pobres. Artigo de Jung Mo Sung

    LER MAIS
  • Às leitoras e aos leitores

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

06 Abril 2019

Com apoio dos conservadores, Banco Mundial diz que sistema é insustentável – mas pede que entidades privadas possam geri-lo.

A reportagem é de Raquel Torres, publicada por Outra Saúde, 05-04-2019.

Ontem de manhã a Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara recebeu um economista do Banco Mundial, Edson Araújo, para uma audiência pública sobre o relatório do organismo que propõe mudanças no SUS. O secretário-executivo do ministério da Saúde, João Gabbardo dos Reis, elogiou o documento, que classificou como “um guia para o governo avançar no setor”. Esse relatório foi lançado no ano passado e, no Outra Saúde, falamos um bocado dele, inclusive porque foram recomendações que orientaram vários dos programas de candidatos à presidência – aliás, seu objetivo era justamente esse.

O fio condutor é a suposta falta de sustentabilidade do SUS, e Araújo reforçou que o aumento dos gastos com saúde supera o aumento do PIB. O Banco chega a ser mais razoável do que certos governos, e não defende redução da alocação de recursos – porém, é claro que também não fala em aumentar nada. A ideia é expandir os investimentos na atenção básica, mas retirando da média e alta complexidade. Araújo mostrou vários dados mostrando como uma atenção básica decente pode ser resolutiva, melhorando inclusive a “eficiência” (palavra favorita) dos outros níveis de atenção. Assim, de acordo com ele, essa defesa feita pelo Banco Mundial não se deve só a razões “humanitárias”, mas também econômicas, e é por razões econômicas que a atenção básica deve ter 100% de cobertura, mais médicos de família etc.

Segundo o relatório, há um desperdício de 22 bilhões de reais por ano, e esse valor poderia ser mais bem investido. Um ponto defendido pelo documento, aliás, é o fim da dedução de gastos com saúde privada do Imposto de Renda, que custou R$ 13 bilhões em 2018. “São gastos indiretos que beneficiam os ricos, uma pequena parcela da população, e poderiam ser introduzidos no SUS”, disse Araújo.

Até aí, embora o foco do banco seja sempre o da economia e da eficiência, as recomendações concretas até que estão mais ou menos de acordo com o que maior parte de quem nos lê deseja. Mas uma das principais defesas do documento é a maior presença do setor privado. E não na prestação de serviços realmente privados, mas na gestão dos públicos, com arranjos como o das Organizações Sociais. Araújo disse que as “evidências apontam para o melhor desempenho, produtividade e qualidade” das unidades administradas por elas, embora não tenha explicitado essas evidências. Aqui na newsletter temos mostrado notícias que permitem discordar. Já Gabbardo dos Reis o apoiou.

O Banco Mundial também orienta que se fechem hospitais em pequenos municípios, porque são menos eficientes e apresentam pior qualidade. Araújo afirmou que em alguns lugares, pelas dificuldades no deslocamento, eles podem ser mantidos, mas em muitos outros não há necessidade, e que as instalações podem ter suas funções transformadas de modo a cumprir papeis na atenção básica. Essa é uma discussão antiga.

A audiência foi pedida pelo deputado Ricardo Barros (PP-PR), ex-ministro da Saúde no governo Temer. Todos nos lembramos das declarações desastrosas que ele deu durante a gestão, afirmando que o tamanho do SUS precisava ser revisto, enfim. Ontem ele reforçou a posição, afirmando que um sistema universal e integral não se sustenta: “A capacidade de arrecadação do governo não permite dar tudo para todos”. No começo, ele disse que o TCU tem servido de barreira para concretizar as ações necessárias, e depois saudou como uma “boa notícia” a mudança recente na equipe, com o novo representante do Tribunal, Carlos Augusto Ferraz, que também discursou – e concordou com a insustentabilidade do SUS. Em sua avaliação, deve ser revista a lei que regulamenta a inclusão de novos remédios e tratamentos, e redefinido o “pacote” de benefícios a ser coberto pelo Sistema.

Do outro lado 

Como já indicamos, o representante do ministério da Saúde esteve bem próximo das recomendações do Banco Mundial. Coube a alguns deputados da oposição e ao Conselho Nacional de Saúde, o Conasems (que representa as secretarias municipais) e ao Conass (que reúne secretários estaduais) contestá-lo.

Depois, o Cebes publicou um texto se posicionando também. “É preciso deixar claro em favor de quem as reformas devem ser feitas”, diz, criticando as sugestões “pretensamente objetivas e neutras” do relatório. O Cebes alerta, por exemplo, para a insistência do Banco Mundial em desconsiderar o princípio da universalidade, usando sempre o termo “cobertura universal”: “O que estamos tentando implementar é um sistema universal, integral, igualitário, muito diferente da estratégia focalizada tal como vem sendo maquiada nas propostas de cobertura universal que vem sendo preconizada pelo Banco, reduzida à oferta de um pacote básico com cobertura universalizada”, diz o texto.

O Conasems e a desvinculação

O Conselho divulgou na audiência uma análise técnica sobre a proposta de desvinculação orçamentária. O posicionamento é contrário, indicando maior impacto sobre saúde e educação. O documento também destaca as renúncias fiscais em todas as esferas de governo. Em 13 anos, só o governo federal distribuiu R$ 4 trilhões em subsídios.

Novos pobres 

A partir de um (outro) relatório do Banco Mundial lançado ontem, a Folha calculou que 7,4 milhões de brasileiros foram empurrados para a pobreza entre 2014 e 2017. Essa parcela da população que vive com menos de US$ 5,50 por dia (cerca de R$ 640 por mês) saltou de 17,9% para 21% do total. Já os extremamente pobres passaram de 2,8% para 4,8%. Segundo o relatório, em média, no resto da América Latina a pobreza continuou caindo após 2014.

O documento aponta que maior parte da queda na pobreza no Brasil entre 2003 e 2013 se deveu à conjuntura internacional favorável (mas, aqui, essa queda foi mais acentuada do que em outros países da América do Sul) e às políticas de redistribuição de renda. Só 13% do movimento de redução da pobreza foi por conta de mudanças estruturais.

Leia mais